Em que consiste a Solidão?

Em que consiste a solidão? Seria uma droga que não pode ser largada? Seria talvez um estado posterior a tristeza? É possível que alguém esteja só e solitário e sozinho ao mesmo tempo?

Vejamos. É uma palavra feminina. Segundo o dicionário, pode indicar cinco sentidos:

1 Estado de quem se acha ou se sente desacompanhado ou só; isolamento

2 Caráter dos locais ermos, solitários

3 Local despovoado e solitário; retiro

4 Vasto espaço ermo, sem população humana

5 Sensação ou situação de quem vive afastado do mundo ou isolado em meio a um grupo social.

É um estado de quem SE ACHA. Muito bem, sobre isso já devo dizer. Ninguém que está só sabe ou se sente assim. Ele apenas deixa de sentir o prazer pelos minutos de café. Ou talvez...

Seguindo. Como seria um lugar solitário? Seria um lugar onde a solidão impera? Não sei ao certo o que é a solidão. Talvez ela seja isso: alguém que acha que o lugar onde está inserido é um lugar triste. Talvez seja aquele momento em que colocamos a mesma música para tocar milhares e milhares de vezes e sentimos que dá um nó na garganta, mas que não passa. Ou não.

Retiro. Vendo por esse lado a solidão é tão pacífica e serena. É aquele momento em que estamos mais próximos de nós, no qual nada pode mudar ou fazer mudar o que está aqui. Isto é, nada pode mudar o que somos naquele momento. Talvez haja algo que possa, pensando melhor: nós mesmos. Seguimos?

Um vasto espaço ermo. Sabe como eu imagino ser um espaço ermo? Imagine-se sentado em um carrinho de supermercado e sendo empurrado por uma força que te coloca em estado de movimento. Você olha aos lados, mas tudo é meio plastificado, como se nada fosse natural. É como se tudo no supermercado fosse industrializado. Tudo, exceto aquela força que empurra o carrinho.

É uma situação de alguém que vive isolado. Fato! Nenhum homem é uma ilha. Sabemos disso. Mas já imagino que nem todas as ilhas fazem parte de um arquipélago? Mesmo que seja um pequeno e minúsculo arquipélago: nem todas as ilhas têm o seu.

S-O-L-I-D-Ã-O. Palavra de oito letras. Repete um O. Começa com um som chiante: SSSSSSSSSSSSSSSSSSS. Mesmo som chiante de Saudade. Depois, como em um movimento de loucura, faz-nos fechar a boca. Depois abrir. Mas ao final, fechamos de novo.

Ser solitário é um estado inevitável. Muitas pessoas confundem SOLIDÃO com retiro ou com depressão. Retiro é algo voluntário. Mesmo que não se tenha definido um prazo para que ele termine, uma hora ele acaba. Depressão? Certo, ela não é fácil de ser tratada, mas com um pouco de risos e de momentos felizes, tudo se resolve. Afinal, todos estes problemas são apenas internos. O quê fazer, então, com a solidão? Afinal, somos sós por dentro e por fora.

A solidão é estranha. Aqui eu ouço a chuva, mas como estou com um fone de ouvido, aumento o som para evitar ouvi-la. O quê seria isso? Seria, talvez, falta de vontade de ouvir a natureza? Seria a depressão? Não. Não estou triste, logo, não posso estar depressivo. Estou apenas sozinho.

Estar sozinho é bom, mas uma hora percebemos que nós continuamos aqui. Nosso trabalho, nossos amigos, nossos amores. Só que nos lembramos de algo que nunca veio ou que poderia ter vindo e, em dias de sol ou de chuva, sentimo-nos sós.

Olha para trás e vejo que muitas das minhas fotos me são estranhas. Parece que os bons momentos morrem antes e o quê resta? Restar-nos-ia algo? A vida é um lugar comum: dura o tempo que tem de durar. Isso eu já sei. Eu quero saber é quanto tempo é isso.

Eu deixei de fumar. Deixar de sair para beber e para caminhar. Hoje eu vivo mergulhado em meio a fatos e relatos. Sou como uma personagem de Clarice Lispector, de sua Cinco relatos e um tema, que mira a barata fria e morta, mas que sabe que no outro dia, outras tantas baratas subiram do andar de baixo. A diferença? É que eu sei que o andar de baixo também é meu e a personagem da história não.

Os dias voam como se fossem segundos. Minha vida parece passar e eu aqui sozinho. Não estou querendo novos amigos, pois eu entendo que os amigos mudam. Nem novos amores, os velhos ainda sim me bastam. Eu não quero novos conhecimentos, não quero nada novo: o quê eu tenho, basta-me. Eu só quero é SENTIR a companhia de alguém.

Seria loucura pedir que as estrelas fossem minhas companheiras? Talvez. É como se eu precisasse delas aqui, olhando lá de cima. Pobres delas. Parecem tão paradas e frias e mortas. Parece que sofreram uma mudança que não lhes era conhecida. O tempo passa rápido, não? No tempo em que estava escrevendo, provavelmente, mais de uma estrela se apagou. Sabe quando as músicas dizem que o tempo é eterno? Ou quando os filmes dizem que amanhã tudo muda? Ou quando as novelas deixam para o último capítulo a felicidade? Pois é.

Sabe o quê acho disso? Eu acho que são mentiras contadas nas notas de uma canção. Será que a solidão tem algo que ver com isso? Digo: todas as mentiras que acreditamos que são verdades, talvez elas sejam a causa da solidão.

Quantas pessoas no mundo estão pensando nisso agora? O quê é a solidão? Quantas? Será que isso tudo seria culpa minha?

Outra diferença entre o solitário e todos os outros tipos de pessoa? Somente no momento em que a solidão inunda a alma de um homem, somente neste momento ele é capaz de cometer a grande loucura. Algo que nenhum depressivo em seu estado maior de depressão poderia. Tampouco um suicida. Muito menos alguém infeliz.

Antes de contar, gostaria de dizer algo que li outro dia: um suicida, quando se mata, não quer em momento algum se matar. Ele só quer matar a dor que está dentro dele. Pois bem, qual a diferença entre todos estes tipos e os solitários?

Um solitário, quando se mata, não quer apenas matar a dor que existe dentro dele. Ele quer matar, junto, a ausência. Ausência de coisas que ele perdeu, ausência de coisas que ele não perdeu e, a mais triste, ausência de coisas que ele nem chegou a conquistar...

Le Vay
Enviado por Le Vay em 20/10/2011
Código do texto: T3286962
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