Há um bom tempo olho a chuva cair lá fora pela janela do apartamento desse hospital. È cedinho, as pessoas passam apressadas para o trabalho, para a escola, para as suas atividades rotineiras.

As pessoas correm de um lado para o outro. Estão aflitas, alguns passam apressados, perderam a hora na noite anterior, dormiram demais. Observo a preocupação de algumas com o relógio. A chuva cai, alheia a necessidade dos passantes.

Chove lá fora. Chove aqui dentro de mim.

Parece que dentro do hospital, a espera é outra. Uma espera de cura. Espera do acontecimento, da alta hospitalar, da vida a ser retomada lá fora. A vontade de tomar banho de chuva, de caminhar descalça, de brincar como crianças em fuga.

Um pássaro, de asinhas molhadas, pousa em minha janela. Quase o toco. E ainda dá tempo para mirar o seu olhar. Olho lá fora, como se fosse um mundo diferente...

Os passos aqui dentro são meticulosos, frios, quase imperceptíveis. O branco é uma cor padrão e a gente as vezes acha que lá fora tudo é branco também, as árvores, os carros, as pessoas.

Chove lá fora, amor. Chove aqui dentro de mim.

Esperamos a manhã terminar de acordar. E o sol, entrecortando a chuva, invade o quarto, onde absorto, esperamos a vida nos arrastar para a rua, como tantas vezes fez. Nem consigo me virar. A imagem da rua viva, deixa-me hipnotizada, perplexa, atônita. Se eu me virar, eu posso acordar. E acordando, tenho medo de perder você e ganhar as ruas, pássaro tonto que desaprendeu a voar.

De asas molhadas não vôo. Espero a chuva passar. Continuo na janela, protegida pela vidraça, sentindo o frio do ar condicionado, sentindo o seu olhar nas minhas costas. Se eu me virar, quem sabe acordo, e perco você.