Feito para voar

Ainda no ninho, sob olhar interrogador dos meus pais,

no qual mesmo sem palavras, eu podia compreender suas angústias,

a tristeza me invadia!

Aos olhos deles eu era frágil, desgonçada e parecia que

a absorção de todo aprendizado me era lento, tardio...

____ Será que a aerodinâmica vai funcionar pra ela?

____ Será que vai sair do ninho e ganhar as alturas?

____ Será que quando lá no alto, em contraste com o infinito,

não despencará para a morte?

Eu gostaria de poderia dizer à eles que sim! Ou melhor, que não!

Que aquilo não era verdade. Que toda aquela divagação dizia tanto sobre as suas preocupações, e, nada sobre os segredos que eu levava na alma. Queria lhes dizer, na minha língua de ave, que tudo o que sou estava dentro de mim, que a minha essência de ave estava preservada e aguardando o momento exato do plano Superior, para o meu primeiro voo!

Numa manhã, diante do olhar reprovador e tristonho dos meus pais e dos deboches sem fim dos meus irmãos, decidi que era chegada a hora.

Esperei quando todos tivessem saído para a caçada e o passeio matinal e, com cuidado e isento de medo ou dúvida, me coloquei no ponto mais alto

do penhasco escolhido por meus pais, para construir o nosso ninho, onde a vizinhança era grande, barulhenta, mas, solidária, e me atirei...

Ah, não podia haver no mundo sensação melhor!

Enquanto voava refletia sobre a grande benção que receberam as aves!

Desejei agradecer o meu Benfeitor. Mas onde estaria Ele?

De volta dos devaneios, percebi que a proximidade com o solo incurtara significativamente. Era hora de por a prova aquela essência que gritava dentro de mim, afirmando que eu havia nascido para voar...

Que sensação extraordinária! Leve como a pluma, suave como o vento,

forte como o rochedo onde nasci e de onde assisti a tantas aulas de voo,

bati as asas e subi, desci, dei rasante no mar, mergulhei nas nuvens,

pousei em descanso em gigantescas e majestosas árvores, me aventurei na primeira pescaria...

O Sol tingia o céu de um alaranjado que parecia ouro, as sombras que as árvores projetavam estavam compridas. Era hora de voltar para casa!

Enquanto fazia o caminho inverso, observava tudo com uma sensação de deslumbramento, de gratidão e felicidade. Sou aquilo que a voz interior

sempre me disse que eu era! Fui feito para voar.

Quando me aproximei do penhasco em que morava, pude ver nos olhos

aflitos dos meus pais, irmãos e vizinhos, que o sentimento inicial

rapidamente se transformou em satisfação, em orgulho, em deslumbramento, o mesmo deslumbramento que me invadira momentos atrás, enquanto experimenta minhas habilidades aerodinâmicas.Não fiquei surpresa, confesso, não tinha dúvida de que era capaz! Mas a satisfação de deslizar pelo ar, de me mover com tanta intimidade pelo céu, de vislumbrar a perfeição das minhas asas, me encantou!Mas, e o que ficou para trás? Bem, aquilo faz parte da minha história em construção! Jamais se apagará do arquivo da minha existência. Mas o importante é para onde estou indo, é como e o que farei para chegar lá e, de que maneira estarei para usufruir de tudo o que, na condição de eterno aprendiz, construí.

Hoje o voo é a minha atividade diária. E a medida que pratico essa atividade, vou me aperfeiçoando e o meu voo também vai se tornado perfeito. Mas a genialidade não está em voar, apenas, mas no mundo de possibilidades que me são apresentadas através de cada decolagem,

de cada aterrissagem.