Memorias do paciente H.26 - O mistério do sol!

A ignorância é algo curioso, mas perceba, quando digo ignorância, não a uso como sinônimo de agressividade ou violência e sim como a ausência do conhecimento sobre qualquer coisa. Como eu dizia, a ignorância é realmente algo curioso, partindo dela nós podemos redescobrir algo que já foi descoberto anteriormente e que apenas não havíamos tomado conhecimento. Falo isso devido ao mistério do sol, talvez haja para ele uma explicação científica e eu apenas não a saiba por que antes de ser enviado para cá eu era um vendedor medíocre e não um cientista, de todo modo.

Deixe que eu me explique melhor. O enclausuramento neste lugar, a brancura venérea das paredes, do teto, da cama, de tudo... e todos esses remédios me tornam, quase sempre, um morto-vivo. Somente esta janela gradeada que desemboca no jardim, registrei sobre ela na primeira página, consegue manter em mim um resquício de humanidade, no entanto, só consigo apreciar a vista quando estou bem e os dias quase suportáveis me parecem cada vez mais diminutos, diminutos em ocasião de ocorrerem e na sensação do tempo que duram.

Acho que venho perdendo a capacidade de percepção de mim mesmo e das coisas ao meu redor. Sinto que minha mente está repleta de recessos vazios, como se fragmentos da minha própria vida houvessem sido extirpados, pois há coisas de que quero lembrar e não consigo, de outros fatos consigo evocar fragmentos nublados que não possuo certeza de que ocorreram. Quando este sentimento de que me roubaram algo muito valioso me assalta sempre me afogo numa tristeza pegajosa da qual é difícil dissociar-se. Na verdade, não posso afirmar que a tristeza, alguma vez, já esteve ausente.

Nos dias frios e nublados é como se eu estivesse morto, se debatendo, torturado, dentro da tumba. Quando, da janela, olho aquele céu coberto por grossos lençóis brancos de densas nuvens, a vontade que tenho é de arrancar com as próprias mãos as grades da janela e com elas riscar, fundo, minha garganta. Talvez os tons brancos representem serenidade, paz e tranquilidade apenas aos libertos de corpo e mente, o que não se aplica a minha condição.

Todavia, nos dias em que nasce o sol... quando vejo seus raios dourados banharem os terrenos da prisão, quando vejo sua luz refletindo através do orvalho, quando sinto seu calor é como se ainda houvesse esperança, é como se eu estivesse em casa rodeado de amor, de uma maneira que talvez nunca tenha acontecido. Me ponho a pensar sempre no mistério do sol, mas não chego a uma conclusão satisfatória sobre seus atributos e a influência de dinamite que tem sobre mim.

De vez em quando me ocorre de sonhar, e nos bons sonhos sempre tem o sol e o seu mistério aninhado tudo ao meu redor.

Leonardo Castro
Enviado por Leonardo Castro em 16/03/2024
Reeditado em 30/03/2024
Código do texto: T8021090
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