Bonecas de caroço de manga

Desde os primeiros suspiros da minha existência, nutria uma paixão ardente por bonecas. No entanto, naqueles tempos idos da minha infância, meus queridos pais enfrentavam uma árdua batalha para criar suas quatro meninas, e, portanto, adquirir uma boneca somente para mim seria um luxo inalcançável. Mas, em meio aos vastos quintais repletos de árvores frutíferas, encontrávamos um refúgio singular.

Era ali, chupando suculentas mangas, que descobríamos uma forma mágica de transformar caroços desprezados em preciosidades imaginárias. Com mãos habilidosas e corações repletos de criatividade, moldávamos nossas bonecas com esses tesouros rudimentares. Não eram bonecas de porcelana, com vestidos esvoaçantes e rostos delicados, mas sim criações únicas e singelas que emanavam o encanto da infância livre.

Foi assim, ao confeccionar bonecas com caroços de manga, que descobrimos o verdadeiro sentido do afeto. Aprendemos a cuidar, a embalar suavemente, a alimentar esses seres imaginários que habitavam nossos devaneios. Elas se tornaram confidentes silenciosas, testemunhas de nossas brincadeiras mais íntimas, e, acima de tudo, catalisadoras de um instinto maternal que começava a florescer em nossos corações infantis.

Enfim, quando a adolescência lançou suas sombras sobre nossas almas, fui agraciada com minha primeira boneca de verdade. A doçura de seu semblante e a maciez de seu corpo encantaram-me, mas jamais pude esquecer as criações modestas que concebemos com tanto carinho, utilizando os caroços de manga como matéria-prima. Essas humildes bonecas, com seus traços imperfeitos e desalinhados, possuíam uma magia única, capaz de transcender os limites impostos pela materialidade.

Elas ensinaram-me lições valiosas, como a importância do amor desinteressado e a capacidade de dar vida a algo a partir de quase nada. E, mesmo agora, enquanto trilho meu caminho adulto, as memórias dessas bonecas feitas com caroços de manga seguem presentes em meus sonhos, reavivando o aconchego da infância e resgatando a pureza daqueles momentos efêmeros, mas eternos.

Neusa Maria Cesarino Martins
Enviado por Neusa Maria Cesarino Martins em 20/02/2024
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