Os Contos de Hysteria - Os Artefatos Mágicos/Prefácio: Hysteria

Há muitas eras atrás, antes mesmo do tempo começar a ser contado, não havia nada. O universo não passava de um vasto breu e nada do que se conhece hoje existia. Porém, o universo é um plano inquieto, onde um simples movimento pode colocar tudo fora de ordem, da mesma forma como um sentimento intenso pode confundir até a mente mais forte. E dessa forma, simples e devastadora, surgiu a primeira força cósmica: A Música.

Uma explosão de som que trouxe consigo todos os mundos. A Música era um ser onipotente, toda poderosa, e controladora de tudo que, mesmo que acidentalmente, tinha criado. De todos os mundos que surgiram em meio à explosão, Ela tinha escolhido o maior deles para chamar de seu. Batizou aquela terra, localizada mais próxima do centro do universo, de Hysteria.

Música é capaz de trazer vida ao mais desolado dos locais. Um sopro de sua melodia pode enaltecer um coração partido, e em alguns casos, quebrá-lo ainda mais. Um mundo de música sem vida não fazia sentido algum. Foi quando o primeiro filho da Música nasceu. Seu nome era Harmos. Por muitos anos o Deus viveu sozinho e, em sua solidão, teve tempo suficiente para criar. Abençoava sua mãe superior e dedicava a ela todas as suas belas criações. Harmos era um filho devotado, particularmente parecido com a mãe, inclusive também era dotado de grandes poderes.

Depois de passar tantas estações sozinho, Harmos implorou que a mãe lhe trouxesse uma companhia. Alguém tangível, para que ele pudesse passar tudo o que aprendera. Ele rezou por vários dias, fez oferendas por semanas e a Música, vendo o sofrimento de seu único filho, decidiu fazer um sacrifício por ele. Nesse dia, nasceu seu segundo filho: Metal. Este não era como o irmão. Era agressivo e revoltado, e por diversas vezes sentia inveja de Harmos e de sua relação com a Música.

Harmos, porém, sentia-se feliz por não estar mais só e como prometeu, tentou exercer o papel de irmão mais velho. Ele ensinou a Metal tudo o que sabia enquanto vagou pelo reino de Hysteria, mas a força dentro do outro Deus já parecia ser imensa e ele pensava que o jovem deveria ser controlado. Com tempo e paciência, Metal parecia se acalmar e juntos, os dois passaram a governar o mundo que lhes foi herdado pela grande mãe.

Mas de que adiantava governar sem súditos? Não havia sentido. E com os poderes que lhes foram concedidos, os irmãos criaram os primeiros homens e com um sopro de melodia produzido a partir dos belos instrumentos de Harmos, eles os deram vida.

— Está de brincadeira comigo, não é, Pop? - Perguntou Max, não podendo evitar um sorriso. Não era a primeira vez que ouvia Pop contar-lhe a história da origem de Hysteria, mas ele nunca se cansava de ver a cara do velho anão quando ele zombava dela. — “Os irmãos criaram os homens com sopros de melodia” não me soa muito verdadeiro.

O velho interrompeu sua narração e abaixou o grande livro apenas para mirar o jovem garoto com seus cabelos grisalhos, seu grande nariz e sua expressão insatisfeita. Max permanecia com aquele sorriso malicioso e as sobrancelhas arqueadas exibindo um falso ar de superior. Ao seu lado, também escutando a história como de costume, estava o pequeno Vincent Vinyl, o filho caçula de Pop.

— Sei que não acredita nas lendas Max, mas ao menos deixe Vincent prestar atenção! Você sabe muito bem que... - Max olhou sorrateiramente para seu melhor amigo que, deitado de bruços apoiado nos cotovelos, fez o mesmo. Os dois sorriram e voltaram a mirar o velho tentando segurar o riso. Pop sabia quando os garotos estavam tentando deixá-lo irritado e aquela era uma das ocasiões. Sentiu sua expressão suavizar-se pouco antes de largar o livro e saltar sobre os meninos, que caíram na risada. — Ora, acham que o velho aqui é idiota de cair nos seus truques?

Pop os agarrou carinhosamente e bagunçou seus cabelos enquanto os três riam e fingiam se bater.

— Deixe disso pai… - Vinyl se levantou, ainda rindo um pouco, depois que o pai se acalmou. — Sabe que Max gosta de sacanear com o senhor.

— Gosto mesmo baixinho. - disse Max apalpando a cabeça de Pop como se ele fosse um bichinho de estimação e o velho empurrou a mão do garoto com um sorriso.

Era difícil aceitar o quanto Max havia crescido nos últimos meses. Parecia não fazer muito tempo, Pop acariciava seus longos cabelos castanhos e era o menino quem o olhava de baixo para cima. Jamais aquele velho anão se esqueceria da primeira vez em aquele garoto pisou na sua casa, depois que ele tomou a decisão de criá-lo junto de seus filhos, como parte da família. Fazia uma semana que Maxwell havia completado idade suficiente para tomar posse da herança que sua mãe havia deixado. Uma velha, mas bem cuidada, cabana ao lado da casa dos anões. O garoto havia passado os últimos dias lá, decorando-a a sua maneira, mas sempre que podia, dava alguns passos em direção ao seu antigo lar, nem que fosse para passar só um tempinho com Pop e os outros. Afastando esses pensamentos da cabeça, ele voltou a seu estado sério e disse:

— De qualquer forma, você deveria prestar mais atenção nas lendas Max.

— Qual é Pop! Sabe que gosto quando você as conta. Só nunca entendi sua obsessão por elas. - disse o menino, cruzando os braços e fitando o anão com seus expressivos olhos castanhos.

— Lendas são histórias, garoto. E histórias são o que montam nosso passado. - Ele dizia enquanto caminhava para guardar o livro na prateleira, antes de olhar por detrás do ombro para os dois garotos. — E o passado pode ser um grande suporte para nós nos momentos presentes.

Max descruzou os braços e os olhos escuros de Vinyl pareciam iluminados ao ouvir o pai falar daquele jeito. Ele adorava quando Pop filosofava. Max também gostava, mas naquela situação, as palavras do seu protetor pareceram ecoar de maneira estranha por toda a sala, como se tivessem sido proferidas especialmente para ele. Sentiu-se acuado e pequeno por algum motivo. O frio que percorreu sua espinha eram a prova de que aquilo que Pop tinha dito era muito importante para ser ignorado. O velho voltou sua atenção para a prateleira empoeirada de livros, o que deu tempo de Max engolir a seco e umedecer os lábios, sabendo o homem não estava mais olhando para ele.

— Certo… Acho que vamos indo. Vinyl? - o garoto deu uma cotovelada no ombro do amigo, desesperadamente tentando convencê-lo de que era hora de fazer outra coisa. O anão, entendendo a mensagem, parou de fitar o pai e concordou. Rapidamente os dois se despediram do velho e saíram pela porta da frente que dava de cara com a vasta paisagem da Capital.

“E com os poderes que lhes foram concedidos, os irmãos criaram os primeiros homens e com um sopro de melodia produzido pelos dos belos instrumentos de Harmos, eles os deram vida. A partir daí, o grande reino de Hysteria cresceu e tornou-se o que é hoje. Mas os contos de Hysteria não terminam em sua origem...”.

Pop recitou em voz alta aquela primeira parte do livro de lendas de Hysteria. Conhecia o livro como um velho amigo de quem era impossível se esquecer. Quando abriu os olhos de novo, olhou para a porta entreaberta por onde os meninos saíram poucos segundos antes e andou até lá para fechá-la. Max não foi o único a sentir uma sensação estranha naquele dia.

— É Maxwell… Você ainda tem muito o que aprender...

Notas finais:

Isto é apenas um prefácio com o objetivo de situar o leitor sobre onde a história ocorre e quem são seus personagens principais.

Este inicio, assim como o lugar onde a história se passa, recebem seu nome em homenagem à música da banda Def Leppard: Hysteria. O significado dessa palavra remete à loucura, ou um comportamento caracterizado por excessiva emotividade. Quase algo sobrenatural, assim como todos os eventos e personagens da trama.

O livro que Pop está lendo para os garotos no inicio do capitulo prefácio é intitulado “Os Contos de Hysteria”, um emaranhado de todas as principais histórias que explicam a origem do lugar, como uma espécie de Bíblia. A passagem que inicia o livro se denomina “A Origem da Música” e é o primeiro trecho do livro dito acima.

Tradução da música Hysteria: https://www.letras.mus.br/defleppard/10228/traducao.html