E o Depois


O funeral de Bernard foi de comoção total. Era um dia de clima ameno, ameaçando uma ou outra nuvem escura. Tipicamente um dia paulistano de outono. Havia em torno de 30 pessoas, funcionárias, colegas de trabalho, amigos em comum de Michel e Bernard e uns 3 parentes mais próximos dele. Num canto mais reservado, eu, Samanta e Michel, com Miguel em seu colo assistíamos a despedida nosso velho amigo. Ainda era difícil acreditar.

Michel balançava a cabeça negativamente, mas não pronunciava uma palavra. Eu tinha medo de que caso ele falasse, voltasse a chorar. E o mesmo valia para Samanta. Miguel pediu para ir ao colo dela, e foi prontamente atendido. Quase em seguida Michel me abraçou. O seu choro baixinho me fez chorar também. Passei a mão por suas costas e tentei consola-lo, mesmo que naquele momento eu também precisasse de um colo.

- Malu...

- Eu sei, amor.

Segurei o rosto dele e selei nossos lábios. O brilho nos olhos verdes era intenso. Intenso e triste. Encostei minha cabeça em seu peito e segurei a sua mão, colocando ao redor do meu corpo, como num abraço. Em menos de 1 ano enfrentamos três mortes. Eu tinha medo de aquilo tudo não acabasse. De que a próxima perda fosse me destruir de vez.

O padre, o mesmo que esteve no funeral de Tainara, finalizou com um salmo que eu já conhecia, pois fora dito no enterro de minha tia.

“Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou".
Apocalipse 21:4


O caixão foi fechado lentamente. Michel me apertou em seus braços e fungou alto. Era estranho e bizarro pensar que eu nunca mais veria o sorriso de Bernard ou ouviria suas piadas horríveis sobre a cor do meu cabelo. Nunca mais o odiaria por debochar do meu relacionamento com Michel. Não teria mais conselhos sarcásticos e nem abraços desajeitados. Nunca mais lembraríamos do passado. Não teria mais o futuro. Não envelheceríamos implicando um com o outro, como foi durante toda a nossa vida enquanto amigos.

Bernard se suicidou e a única resposta possível que tínhamos eram em suas cartas.

Um a um dos presentes deixou uma rosa em cima do caixão, ou então se despedindo de Bernard reservadamente. Na nossa vez, Michel e eu fomos juntos. Segurei sua mão quando o vi ceder para a dor.

- Obrigado por tudo, meu melhor amigo. Mesmo que eu nunca entenda o porquê de você ter feito isso, nunca vou esquece-lo. Nunca. – As palavras de Michel fizeram um nó se formar em minha garganta.

- Não iremos esquece-lo. Eu prometo. – Murmurei, olhando para o caixão fechado.

Voltamos para o mesmo lugar, dando a vez a Samanta. Ela pôs a mão sob o caixão, trêmula. Miguel nos olhou, de longe e deu um meio sorriso. Eu tive inveja dele e de sua inocência mediante tudo aquilo.

- Eu amo você. E obrigada por tudo... Eu nunca pensei que seria capaz de sentir tanto por alguém.

Ela deixou uma rosa branca e uma vermelha sob o caixão dele. Numa interpretação livre, parecia querer que o homem que amava descansasse em paz. Por último nos despedimos de Bia. Mais uma vez Michel a abraçou e os dois choraram pela perda. A gente só se dá conta de algumas coisas quando as perdemos. Isso vale para praticamente tudo e se aplicava a mãe de Bernard.

Quando chegamos no apartamento de Michel, a mãe dele nos esperava com uma sopa e um afago para o filho. Samanta foi para o quarto de Miguel, onde poderia ficar sozinha com seus pensamentos, mas na companhia de alguém que estava inerte a toda dor de perder um grande amor. Eu fui para o quarto de Michel e me deitei na cama, completamente exausta.

“As respostas estão naquelas cartas.” – Pensei, me ajeitando nos lençóis de Michel. “Ele não escreveria três à toa. Bernard nunca gostou de cartas.”

Finalmente muito sonolenta para decidir se leria ou não a minha carta fui vencida pelo meu cansaço físico e adormeci logo em seguida. Tive sonhos confusos e desconexos. Vi duas crianças, uma menina e um menino correndo na praia. O menino corria de um lado para o outro, totalmente serelepe. A menina me olhava com um sorriso amoroso, como se estivesse feliz por me ver ali. Depois vi Elena os levando para longe e eu não conseguia impedir. Os dois gritavam a plenos pulmões implorando por meu socorro, mas demorei algum tempo para entender o que diziam.

As crianças me chamavam de mãe.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 13/11/2016
Reeditado em 31/07/2022
Código do texto: T5822453
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