Raízes do Sofrimento

Meu coração é um jardim, desde que eu tenho memória sempre me esforcei para deixar meu jardim seco, sem plantas, sem flores, sem vida, apenas a terra seca e árida, pois eu achava a aridez uma beleza inestimável.

Eu não gostava de terra fofa e úmida, pois eu preferia pisar na firmeza e rigidez do solo seco e ver o quão resistente se torna uma pedra naquele ambiente hostil, compreendia que a poeira seca que se formava irritava meus olhos toda vez que eu fosse visitar o meu jardim, logo eu passei a odiar o vento do meu jardim, pois por culpa dele a poeira fazia meus olhos lacrimejarem.

Mas eu sabia que com a terra seca e quente eu não poderia me deitar no solo do meu jardim e descansar a sombra de alguma árvore, pois não havia nenhuma árvore para fazer sombra, e também não poderia olhar muito para o céu, pois não haviam nuvens e o sol era muito forte, quanto a noite não me recordo que eu tenha visitado meu jardim seco a noite.

Assim eu pretendia manter meu jardim por todo o tempo que durasse a minha vida, de fato vocês podem pensar -que preguiçosa- seu jardim é seco não porque você goste dele assim, e sim porque não tem coragem para trabalhar nele e fazê-lo se tornar bonito, mas ai onde eu digo você fala que ele não é bonito pra você, mas o meu gosto e minha referência de beleza é diferente da sua, e pelo contrário não sou preguiçosa, como eu disse desde sempre eu me esforço pra manter o meu jardim seco, ou seja, manter o jardim sem vida diferente como possa parecer exige muito mais esforço do que permitir que a vida floresça no jardim.

É claro que meu jardim teve flores, é claro que teve plantas, é claro que teve um riacho, é claro que teve muita vida assim que eu tomei consciência dos meus atos, mas ao perceber que aquele jardim lotado de cores de seres vivos de diferentes formas, não era saudável para mim eu decidi me esforçar a máximo para não permitir que aquilo reinasse no meu jardim, por mais que uma planta nascesse eu a arrancava, por mais que o riacho se espalhasse eu impedia que a água chegasse as plantas eu ate definitivamente fechei a nascente do riacho com uma enorme pedra que me deu muito trabalho, eu realmente lutei e conquistei o direito de ter um jardim seco e árido.

Mas ao ver o jardim das outras pessoas, e ver que ninguém conseguia me entender e ver a beleza que eu via fiquei triste, eu queria a compreensão dos outros ou pelo menos sua admiração, então definitivamente me foquei em manter meu jardim o mais seco e sem vida possível, pois aquele seria a minha forma de dizer eu não sou como vocês eu não quero ser como vocês eu sou diferente e me orgulho disso e vocês nunca vão mudar minha forma de pensar e agir por mais que tentem.

Mas essa obsessão em manter meu jardim seco para mostrar aos outros que não dependo deles me fez esquecer o motivo que eu o tinha mantido até então pelo simples fato de eu ver a beleza no seco e árido. Por eu esquecer da beleza do meu jardim para mim mesma, fui negligente e esqueci que de água não existe apenas em cima da terra mas embaixo também, os lençóis freáticos abaixo do meu jardim aos poucos foram fecundando o viam pela frente, logo as sementes irrigadas brotaram, mas como elas sabiam que eu as perseguia, elas mantiveram-se brotadas ocultas por debaixo da terra.

As sementes cresceram horizontalmente e não mais verticalmente e sim sob a terra e não sobre a terra para não correrem o risco de serem mortas, na minha obsessão de independência dos outros eu somente podia ver aquilo diante dos meus olhos e nem sequer passou pela minha cabeça que eu deveria cavar ou remexer a terra para garantir que nenhuma vida mesmo oculta viesse a nascer.

Esse foi meu erro foi minha fraqueza, meu jardim continuava seco até onde eu podia ver, mas onde minha visão não alcançava estava de fato um enorme jardim em miniatura que estava tão dominante que já fazia parte do meu coração e eu não percebi, eu mudei e não me toquei da mudança.

Chegou o momento que eu não via mais a beleza do jardim seco e árido, pois de fato a obcessão me fez esquecer completamente aquele meu gosto singular, e quando eu percebi que a beleza fugiu do meu jardim eu também não queria mais manter um jardim que não mais me agradasse.

Então eu permiti um pouquinho que a vida entrasse no meu jardim pra ver se aquilo me agradaria, peguei um regador e bom poucas gotas fui regando aqui e acolá uma porção de terra seca, mas para meu espanto a mudança no meu jardim foi radical, devido ao jardim subterrâneo que até então não tinha conhecimento, ver que tinha chance de viver acima da terra as plantas se entusiasmaram as flores tiveram fé em mim, e a vida reinou com todas as forças no meu jardim que era seco.

Eu naquela época não sabia porque a vida tinha se manifestado de forma tão rápida e forte no meu jardim seco, achei que fosse para mostrar pra mim que realmente existe uma beleza na qual eu deveria apreciar mais do que o jardim seco e árido de antes, por isso fiquei feliz e literalmente me joguei de cabeça naquele jardim cheio de vida em busca da beleza que agradaria aos meus olhos.

Passou um tempo e eu fiquei feliz e satisfeita com um jardim cheio de vida, com tantos benefícios já que agora e podia descansar embaixo da sombra de uma frondosa árvore, o céu estava cheio de nuvens de todos os tamanhos formas e volumes na qual a cada nuvem eu via um retrato diferente, eu poderia em dias quentes me refrescar nas águas do riacho que eram calmas e agradáveis, eu podia admirar as cores e os diversos cheiros das flores, inclusive ver o voo dos beija-flores e borboletas.

Mas como eu havia sido negligente antes com a obsessão da aridez, eu também fui negligente depois, entorpecida pela euforia de ver a vida nascer em meu jardim, ao mesmo tempo que cresciam as plantas boas, cresciam as plantas ruins, do mesmo jeito que o cajueiro se enraizava mais e mais profundo no chão a erva daninha também se espalhava sob a terra e suas raízes se estenderam muito além do que meus olhos poderiam ver.

Também não me lembro de ter visto a noite no meu jardim cheio de vida, acho que nos nossos jardins só existe o dia.

Então de tão numerosa que estava a erva daninha não podia mais esconder a sua presença de mim, ela se manifestou com toda a sua crueldade e perversidade sobre o meu jardim, destruiu tudo aquilo que eu gostava, não permitia mais que eu desfrutasse dos benefícios do meu jardim cheio de vida.

Eu odiei essa maldita erva, fiz de tudo para exterminá-la arranquei com as mãos, com a enxada até com um trator eu arei a terra pra evitar que ela crescesse, mas ela me derrotou me desanimei, não importava o que eu fazia ela não desaparecia, suas raízes estavam tão profundas quanto os lençóis freáticos que começaram com tudo aquilo.

Da mesma forma que começou haveria de terminar, de tão repentina beleza, para tão repentino sofrimento e desgasto físico-mental para proteger o meu jardim com vida daquela erva maldita.

Agora a água que regava a terra não era mais a do regador era a dos meus olhos que de desespero e angustia gritavam por alguém, quando meu jardim se tornou com vida permiti que outros o viessem visitar além de mim, pois o que antes queria desprezo e independência dos outros, agora queria paz e harmonia com eles, pois antes a terra dura e seca dera lugar a terra fofa e úmida.

Era uma de minhas necessidades aproximar-se dos outros, antes desprezando, agora querendo ser amiga das pessoas, pois meu jardim com vida me fez necessitar de mais vida humana além da minha.

E percebi que as pessoas que visitavam meu jardim deixavam algumas de suas sementes na minha terra para que também germinasse, o que eu não percebi foi que algumas pessoas deixavam sementes ruins, eis ai a origem da erva daninha.

Acordei tarde demais pra realidade e por isso me encontrei em desespero e em angústia, coisa que nunca antes no meu jardim seco e árido eu tinha enfrentado, foi ai que eu me lembrei da beleza a muito esquecida pelo meu jardim seco e árido, senti saudades dele e me envergonhei, pois trai meus próprios princípios.

Fui negligente e fraca me deixei encantar e fui mais negligente ainda depois me fazendo hoje estar neste desespero e angustia.

Duquesa Liveiaro
Enviado por Duquesa Liveiaro em 17/11/2013
Reeditado em 19/02/2022
Código do texto: T4574041
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