[Original] We Are Young - Capítulo 1 - Parte 1

Capítulo 1 - Take me Out

- Se você não tivesse nascido eu seria bem mais feliz.

Isabel fitou Renata, sua mãe, sem acreditar no que ouvia. Sentiu a respiração falhar, o coração batia rápido no peito. Subiu até metade da escada, parou e olhou para a mulher congelada na sala:

- Se eu não tivesse você como mãe, eu também seria mais feliz.

[...]

Isabel Longhi

Olhei a caneta e o bloco de papel em meu colo sem saber como começar a me despedir de minha mãe. Veja bem, como a gente se despede da mulher que nos deu a vida?

Respirei fundo e peguei na caneta.

- Coragem, Isabel. – Murmurei a mim mesma. Talvez se eu me encorajar em voz alta eu consiga. – Você soube desde a morte do seu pai que ela não era mais a mesma mulher.

Coloquei a caneta e o bloco de papel ao meu lado na cama e fui até minha estante ligar meu aparelho de som, sintonizei em uma rádio qualquer e voltei pra cama. Um pouco mais confiante, dei início a minha carta:

“Quando ler essa carta, eu espero estar pelo menos bem longe de São Paulo, bem longe das lembranças que me cercam e principalmente, longe de você. Ontem, quando você me disse aquilo eu percebi que nossa convivência realmente foi por água a baixo e que não dá mais pra vivermos na mesma casa. Quem imaginava que um dia isso iria acontecer, mãe? Alias tanta coisa que eu paro e penso “quem diria?” isso inclui também o seu comportamento, seu modo de agir e o seu namorado/marido/caso ou sei lá o que. Eu no seu lugar teria vergonha de chamar um verme como o Max de “amor”, “bebê”. Mãe, você não tem mais 18 anos, não é mais uma menina e devia acordar em relação a isso. Eu sei que você vai rir ao ler isso e pensar que foi apenas mais um ato de rebeldia ou como é que você diz mesmo? “Isabel querendo chamar minha atenção”, mas dessa vez eu to decidida a mudar minha vida e já to começando saindo de casa. Não tenho um rumo, vou pra onde der e se um dia eu voltar pra São Paulo, será com condições de ter meu próprio lugar. Papai teria orgulho da minha decisão e é com esse pensamento que eu estou indo embora... Com as lembranças mais gostosas e inesquecíveis do meu pai... Pai mestre, pai guerreiro... Pai herói.

Espero que um dia você perceba o que esta acontecendo com a gente, com a nossa relação e espero também, que não seja tarde demais.

Até um dia.

Isabel.”

Obs: Rafaela e Iasmin não vão te contar pra onde eu fui. Sabe o que é fidelidade, mãe? Então.

No final da carta, o papel já estava cheio de pingos de lágrimas. Eu nunca pensei que seria tão difícil. Vai ver é porque eu não queria sair nessas condições.

- Ei garota! – Suspirei alto antes de olhar para a porta e ver Max me encarando com sua cara de vagabundo. Que nojo desse homem. – Cadê minha comida?

Eu o olhei com raiva.

- Eu por acaso virei sua empregada e ainda não estou sabendo? – Sorri seca.

- Muito bem humorada, como sempre. – Ele cruzou os braços, achando que iria aparecer algum músculo. Coitado, só a pelanca.

- Eu sei.

Dobrei o papel e guardei no bolso da minha calça jeans.

- Eu to falando sério, Isabel.

- VÁ NA COZINHA E VEJA SE A SUA MULHER FEZ COMIDA, PORRA! – Esbravejei descontrolada.

Max bufou e saiu das minhas vistas.

Sai da cama e peguei uma foto minha pequena com Renata e meu pai, nós estávamos no shopping, era natal.

Coloquei tudo dentro de um envelope e deixei em cima da cama, se ela entrar no quarto, irá ver.

Meu celular tocou e eu atendi prontamente sabendo que pelo horário era Rafaela me ligando.

“Casa de massagem, Isabel Longhi, boa noite!”

“Sua ridícula!” – Ela riu alto. “Ai Bel, eu tomei mó susto poxa.”

Sentei-me na cama rindo. Era bom falar com Rafaela.

“Pensou que era da casa de massagem, danada...”

“Ai, por favor... Se fosse, bem que seria a sua casa mesmo.”

“Uh, essa doeu.”

Contei a ela sobre minha decisão.

“Bel... Você não tá com medo de, sei lá... Te pegarem?”

“Tenho quase 19 anos, sou maior de idade.” – E vou viajar de ônibus... Não vão embaçar, espero.

“Opa, humilha meus 17 anos.”

“Desculpe... Eu vou para o Sul.”

“Porque você decidiu isso?”

“Vou entrar numa banda de Rock, ficar rica, comprar uma casa e esperar você e a Iasmin se formarem pra todas morarmos juntas no Sul.” Eu ri com minha declaração maluca.

Já Rafaela ficou muda no telefone.

“Faela???”

“Eu tenho medo de você, Isabel Longhi.”

“Eu to brincando!!!”

“Você falou com uma seriedade... Se ouça enquanto fala, sério!”

“Faela, eu sei tocar guitarra, mas você acha que eu entraria numa banda?”

“Vai saber?”

Ficamos as duas em silencio no telefone, provavelmente refletindo.

“Não... E nem guitarra eu tenho. O Tom me ensinou, mas foi o basico.’”

“Saudades de quando nós cabulávamos aula pra irmos à casa do velho Tom”

Nós (eu, Rafaela e Iasmin) estudávamos na mesma escola, eu me formei há um ano, e elas estão no 3º, ansiosas pra se livrarem dos estudos.

Antônio Medrado, ou simplesmente Tom, é um ex-guitarrista amigo meu e das meninas, nós o conhecemos em uma de nossas cabuladas de aula. Ele me ensinou a tocar guitarra faz 4 anos e diz que eu tenho futuro com uma banda. Eu nunca parei pra pensar nisso, veja bem, rock hoje esta uma coisa escrachada, qualquer um que decide criar uma banda acaba se tornando “rockeiro” e pra mim, rock é como um dom, poucos têm, poucos nascem com isso.

“Promete me ligar quando chegar... Seja lá aonde você for?”

“Prometo. E se tudo der certo, vocês irão morar comigo?”

“É claro. Se você for mesmo pro Sul... Meu Deus... eu sou pirada em gaúcho.”

“Você é pirada em qualquer ser que tenha um...”

“CALADA!!!”

Eu gargalhei alto.

“Vou sentir sua falta.”

Ouvi Rafaela suspirar.

“Eu também, muita. Você conversou com a Renata?”

“Não temos o que conversar.”

“Ai, Bel...”

“Vai dar tudo certo, eu tenho muita fé nisso.”

Nós conversamos por 1 hora, quando eu finalizei a ligação, fui checar se minhas coisas estavam ok.

Mochila:

Blusas de frio, lingeries, calças jeans, chinelo, coisinhas pra higiene e etc, etc e etc.

Eu resolvi ir com uma mochila só porque ninguém merece muito peso.

Por alguma intuição maluca ou sei lá o que, fui procurar no Google, bandas de rock no estado do Sul. Afinal, vai que rola mesmo esse negócio da banda? Carregou uma página bastante detalhada sobre o assunto, li algumas histórias sobre o assunto e me identifiquei justamente com uma que não queria garotas na banda.

Suspirei fundo.

Eu não perco essa mania de querer o mais difícil.

Li a descrição da banda sobre a seleção e revirei os olhos. Há duas linhas em negrito sobre não querer garotas na banda.

Que preconceito ridículo.

Anotei o endereço do local de seleção (Rio Grande do Sul – Porto Alegre – Bairro Sarandi. Nº 250) e pesquisei como chegar lá. De ônibus demora 2 dias e meio (com 2 paradas diárias), de avião é 1 dia e meio e de carro demora muito. Obviamente.

- Preciso falar com a Iasmin.

Peguei meu celular e disquei o número dela rapidamente.

“Amiga.” – Atendeu no primeiro toque? Milagre.

“Preciso de ajuda.”

“Manda.”

“Você sabe imitar voz de homem?”

(...)

- Rapaz, eu acho que não vou conseguir. – Iasmin às vezes me desanima.

- Vai sim. Vamos testar. – Ela se sentou na ponta da minha cama. Disquei o número dela. – Alô, eu gostaria de falar com o Emerson.

Emerson é o cara da seleção, segundo o que eu li, ele é o batera da banda.

- É ele. – Ela incorporou um homem, a voz grossa, porém, esquisitona. Eu ri alto. – Não ri, sua idiota!

- Desculpa. – Voltei a me concentrar. Testamos isso por uma hora, até Iasmin se sentir confiante pra ligar pro cara.

Eu estava roendo as minhas unhas de tamanha ansiedade.

“Sim cara, eu entendi. Anota meu nome ai agora: Marcos Belini de Sousa” – Eu arqueei a sobrancelha pra Iasmin. Toda machona, vai vendo. “Vou concorrer com mais quantos?” – Riu em deboche. – “Se eu fosse vocês, dispensava esses moleques... Porque? Simples, vocês não vão precisar.”.

- Iasmin, menos. – Sussurrei pra ela, que mostrou língua pra mim.

Mais meia hora de conversa e eu já estava roendo os cantos do meu dedo. Quando Iasmin finalmente desligou o celular, sorriu, parecendo satisfeitíssima consigo mesma.

- Que voz é essa, meu rei? – Murmurou com o sotaque fortíssimo de uma nascida na Bahia. Ela estava abanando a si mesma. – Amiga, por favor, se esse for solteiro, guarde pra mim quando chegar lá.

- Você não vale nada. – Ela riu. – E aí?

- A seleção começa quarta, hoje é sábado. Dá tempo de você chegar lá tranquilamente. Você vai de ônibus?

- Vou né. Nem se eu tivesse juntado dinheiro conseguiria ir de avião.

Iasmin franziu o cenho.

- Com que dinheiro?

- Meu querido padrasto vai me emprestar... – Sorri marotamente. - E eu já posso mexer na minha poupança. – Dei de ombros.

- E vai dar pra você se manter lá?

- Eu dou meu jeito. Você sabe que de fome eu não morro.

- Sei. – Ela balançou a cabeça, pensativa. – Que horas você vai embora?

- Eu comprei a passagem pra noite.

- Você não tá com medo?

Suspirei.

- Eu tenho que mostrar que a ela que sou capaz.

(...)

Lennon M. Dias

- Como tu aceita que alguém de São Paulo venha pra seleção sem nem me avisar? – Perguntei pasmo com a tamanha idiotice de Emerson.

Eu o deixei tomando conta da seleção pro novo guitarrista da banda, e ele como sempre, fez merda.

- Bah, e eu lá ia saber que não podia? Tu me deixou pra fazer o negócio e não impôs regras né. – Ele cruzou os braços, chateado. – Voz esquisita a desse piá, parecia que tinha uma bola de pelo na garganta.

- Que nojo. – Fiz careta. – São quantas pessoas até agora?

- 10.

- Cadê o Demétri?

- Foi na padaria. Tu disse que hoje ele iria cozinhar, daí...

Eu revirei os olhos. De todos da banda, eu sou o único que sei cozinhar.

- Espero que ele não venha com porcarias.

- Bah, lembra da ultima vez? Pelo o amor né. Nesses momentos faz muita falta uma guria na banda.

Senti todo meu corpo endurecer ao ouvir aquilo, logo me lembrei do motivo de não aceitar gurias na banda. Emerson me fitou e baixou a cabeça.

- Foi mal.

- Vamos lá pra sala arrumar os instrumentos. Quero começar logo a seleção.

(...)

Demétri entrou na casa da Nona (que é nada mais, nada menos que a casa de ensaios da banda, presente da mãe de Emerson, sim, ela é bem cheia da grana) quando estávamos fazendo os testes com um garoto da cidade vizinha, ele estava até indo bem, mas faltava emoção quando tocava.

- Tu foi bem, mas não sei, falta algo em ti. – Eu disse, sincero. O garoto baixou a cabeça, triste. De repente eu me vi nele há alguns anos atrás, levando vários “não” de gente madura no rock. – Mas não desanime. Gostei de ti.

Ele sorriu meio triste e logo se retirou.

- Posso chamar o próximo? – Perguntou Emerson. Depois de 5 piás, eu estava ficando meio sem esperança.

- Vamos dar um tempo. Demétri trouxe o que pra comer?

- Comprei comida. Eu sabia que se trouxesse pão tu ia me xingar, então né... – Sorri aliviado. Antes comida do que pão.

- Vamos almoçar galera, depois a gente continua. – Avisei, eles assentiram e fomos pra cozinha.

(...)

Isabel Longhi

Desci as escadas após ajeitar minha bolsa nas costas, tentei fazer o menor barulho o possível. Renata não estava em casa, o que facilitava muito, e Max como sempre, dormia no sofá todo largado e eternamente inútil. E por sorte, destino ou sei lá o que, a carteira dele estava em cima do sofá. Me aproximei sorrateiramente, peguei a mina de dinheiro (dinheiro da Renata, deixando claro) e a abri.

- Caralho. – Sussurrei ao ver o quanto estava cheia. Tirei metade e nem contei, só tem nota de 50, agora eu tenho mais certeza do que nunca que de fome eu não vou morrer no Sul.

Quando devolvi a carteira ao sofá e dei as costas a Max, o próprio estava acordado e segurou a minha perna esquerda.

- Me roubando?? Que bonito... Isso é o suficiente pra sua mãe te deixar de castigo até seus 21 anos de idade.

- Max, eu to indo embora. – Ele piscou duas vezes, incrédulo e processando a informação. – Qual foi, você quer se livrar de mim desde que começou a namorar com a Renata.

- De quanto você precisa para ir e não voltar?

(...)

Depois de Max me dar dinheiro o suficiente pra eu me virar no Sul, subi para o meu quarto e tranquei a porta. Daqui a 1 hora eu iria viajar sem saber o rumo que tomaria a minha vida. Dá um medo de me arrepender. Mais eu tenho que tentar. E eu vou conseguir.

As horas pareciam se arrastar e com isso meu nervosismo aumentava a cada segundo, eu já não tenho mais unha pra roer, então andei de um lado para o outro, extremamente ansiosa. Quando ouço o barulho de meu celular, pulo assustada.

- Merda. – Pego meu aparelho e vejo que tem uma mensagem de Rafaela, enviada a pouquíssimo tempo.

“Amiga, não consigo dormir.

Cara, toma cuidado, sei que você já vai sair e tudo mais...

Te amo tá? Qualquer coisa me liga!!!”

Sorri com a sms e guardei o aparelho no bolso. Quando eu estiver no Sul respondo.

Peguei minha enorme mochila de viagem e pela ultima vez, olho meu quarto sabendo que a partir de agora, eu não teria mais meu refúgio.

(...)

Chegando à rodoviária e já estava notável o tumulto típico do lugar. Procurei o ônibus que eu comprei a passagem e parei bem próximo de uma mulher com duas crianças.

Um tempo depois o motorista acabou liberando a entrada, porque tinha lotado de pessoas. Ele fez o bate de ver as passagens e sem muitas enrolações, nós entramos.

- Seja o que Deus quiser. – fiz o sinal da cruz enquanto sentava na poltrona de couro do ônibus.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 19/11/2012
Reeditado em 30/08/2014
Código do texto: T3994145
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