Reflexos. (Capítulo 31)
Lívia,sinto que tu vai gostar desse cap *-*
------------------------------------------------------------------
Capítulo 31 : As bodas.
Pode me chamar de anti-social ou do que mais quiser,mas a verdade é que são muito raras as festas que eu realmente gosto.Provavelmente devido ao número (nada pequeno,por sinal) de festas chatas de negócios e com um monte de gente velha,para as quais eu era arrastada quando menor.Depois que eu percebi que só tinha que ir pra manter a fachada de “família unida e feliz”, me revoltei.
Era mais ou menos o que estava acontecendo naquele momento.Minha vontade de ir a uma festa pra comemorar bodas de alguma coisa já era mínima,e,se é que é possível,se reduziu mais ainda quando eu escutei de QUEM eram as bodas.Ainda tentei argumentar,dizendo que era muito nada a ver eu ir,que ia ficar deslocada e etc.O único problema é que essa era uma das ocasiões que minha mãe só me deixaria perder se eu estivesse numa UTI de hospital. Além do mais, ela disse, “você vai ter a companhia do Henrique, ele não é da mesma idade que você?”. Lindo isso, lindo mesmo.
Infelizmente pra mim,ela virou pra subir as escadas,mais ou menos declarando “assunto encerrado”.Não mei dei nem ao trabalho de dizer que arrumaria o cabelo em casa mesmo. Não ia adiantar de muita coisa,fazer o quê?
Por uma grande ironia do destino,a manhã daquele sábado estava linda.Nem uma nuvem no céu,nah.O sol parecia querer brilhar com toda sua força,e soprava uma brisa leve,pra não deixar tudo muito abafado.Nada a ver com meu humor e muito menos com o sonho do qual eu acabara de sair.Não tinha nenhum demônio dessa vez,mas em compensação eu estava completamente perdida.Era um lugar como um labirinto.Algumas vezes as paredes ao meu lado eram de pedra,ou de mato mesmo,e alguns galhos roçavam no meu braço,deixando a horrível sensação de que alguma coisa queria me puxar.As paredes eram tão altas que não parecia haver céu,e eu já tava me sentindo claustrofóbica. Quanto mais eu andava,mais não sabia pra onde ir,e estava aterrorizada demais pra parar.
Quando acordei,a primeira coisa eu me veio à cabeça foi “qual a lógica disso?”.
A segunda foi “parece que eu vi uma alma”,assim que eu olhei pro meu reflexo no espelho (que ocupava quase a parede inteira em frente à cama).
-BOOOM DIA FLOR DO DIA!
-AimeuDeus,Gabe! – instintivamente dei um pulo da cama – Se o que você queria era me assustar,conseguiu com louvor – resmunguei.
-Mas por que,hein?Não viu o dia liiiindo lá fora?Dá até vontade de sair pra uma atividade ao ar livre e deitar na grama e... – ele parou assim que notou meu olhar “estou te fuzilando”.
-Hoje podia muito bem ter amanhecido chevendo,e chover até amanhã.
-Ora,mas por quê?
Resumidamente contei quais eram os planos para a tarde e a noite.
-E o pior de tudo – completei – é que meus pés AINDA ESTÃO DOENDO ,e eu simplesmente não sei como é que vou conseguir colocar uma sandália neles.Será que minha mãe deixa eu ir de havaianas?
-Claro que não.Veja pelo lado positivo,Alice.
-Que seria...? – aí veio um lampejo - Peraí,peraí,já sei:nada está tão ruim que não possa piorar?
-Não – Gabe fechou a cara – Porque, caso você já tenha esquecido, tem alguma coisa ruim lá,que provavelmente vai dar uma trégua hoje – os olhos azuis cintilavam – E você pode, finalmente, diga-se de passagem, se acertar com seu amor – ele piscou rápida e repetidamente.
-Acho que tem ALGUÉM pedindo pra apanhar – infelizmente,minha frase de efeito era acompanhada por um par de bochechas estupendamente vermelhas,o que só fez ele rir ainda mais.
Como eu não tava muito pra piadinhas,saí do quarto,descendo as escadas de dois em dois degraus,enquanto Gabe pedia desculpas:
-Peraí,Alice!Foi mal,foi só uma brincadeira! – ele parava as frases no meio pra tomar fôlego e tentar parar de rir - Não precisa fazer tempestade em copo d’água também!
Eu fingia que não escutava,só pra deixar ele mais irritado.Estava mais ocupada vasculhando os armários da cozinha à procura do meu cereal.Sério,sou fanática por cereal ,e tinha até uma camisa I <3 CEREAL só pra provar.Quando Gabe sentou numa cadeira e ficou me encarando, emburrei a cara pra ele e me concentrei em despejar o leite na tigela.
Passei direto,sem nem virar o rosto,mesmo a curiosidade corroendo pra saber se ele ficara irritado.Me joguei no sofá e liguei a TV ,parando num canal infantil onde tava passando Bob Esponja.Acho que ele só não começou a pular em frente à tela porque eu parecia muito absorta no que fazia.
Fiquei lá até a hora do almoço,que passou rápido demais.Muito a contragosto,tirei o moletom e coloquei alguma coisa decente pra passar uma tarde no salão (tarde essa que prometia ser, no mínimo,estupenda) peguei um livro e desci pra esperar minha mãe.Praticamente não se ouviu palavra no trajeto de 20 minutos até o salão.Lá,ainda tive que aturar a cabeleireira perguntando um zilhão de vezes porque eu não cortava o cabelo,enquanto eu tentava explicar que gostava dele naquele comprimento.Depois foi o puxa-puxa torturante pra escovar,que parecia não ter mais fim.Aí veio a parte fácil,que foi a manicure empurrando as cutículas,o que,é óbvio,não doeu NADA.Depois ainda teve a espera pela minha mãe,o que,juro,foi a pior parte.
Já eram quase sete da noite quando eu finalmente cheguei em casa.Vendo pelo lado bom,o dia já estava quase acabando.Vendo pelo lado ruim,aí vinha a pior parte dele.Parece que a revolta da manhã ainda estava viva,já que não vi Gabe em lugar nenhum.Subi pro quarto,pra escolher o que vestir.Nessas horas,pelo menos,minha mãe me salvava,já que ela teve a bondade de escolher vestido,sandália e bolsa (provavelmente porque tinha medo que eu vestisse um jeans e uma camiseta folgada,enfim). Acabou que ela escolheu um vestido preto e uma sandália de um prata envelhecido,e uma bolsa de mão também preta (e minúscula). Minha superprodução na área “maquiagem” foi corretivo e lápis.Rezando pra minha mãe não desconfiar,coloque o iPod na bolsa,e desci penando as escadas.Meu corpo ia se desintegrar, começando pelos pés.Maldita tarde de compras,e maldito salto.
Quando nossa família feliz finalmente chegou ao destino,meu estômago já estava fazendo uma apresentação completa de ginástica artística.Só faltam mais algumas horas,pensei.
Assim que entramos,fomo cumprimentados pela minha ex-sogra.Por mais incrível que pareça, ela era muito legal,e parecia mais feliz ainda.Olhou pra mim e deu um sorriso enorme,seguido de um abraço apertado.Sei lá porque,mas tinha alguma coisa errada com ela.Como se tivesse um não-sei-o-quê rondando,à espreita.Ninguém mais pareceu perceber.
A casa era enorme.Bote enorme nisso,era gigante.Talvez porque o pai do Henrique fosse dono do maior hospital da cidade.O salão de festas (sim,a casa tinha um salão de festas) fora meio que decorado,e havia mesas espalhadas por todo ele.Fique lá ainda um pouco,meio que esperando a hora certa pra agir.Depois de cumprimentar um monte de gente,meus pais decidiram sentar numa mesa.Disse que ia pegar um refrigerante e saí.
Dei a volta no salão e fui parar na cozinha.Saí por uma portinha lateral,indo parar no jardim dos fundos,entre a casa e a estufa.Ali,sentei num banquinho de pedra que ficava defronte a um pequeno laguinho artificial.Antes de qualquer coisa,desataquei as sandálias.Depois tirei o iPod e os fones da bolsa,e fiquei lá quieta no meu canto. Pelo menos,a probabilidade de alguém aparecer ali era mínima.
Acho que ainda não contei essa minha mania,então lá vai:quando eu tô sozinha,escutando música,tenho o hábito de “dublar” ela,no máximo cantando bem baixinho,fazendo caras e bocas,como se estivesse mesmo num show ou coisa assim.Isso acontece principalmente no banho,quando eu tô de bom humor.
Enfim,lá estava eu toda empolgada,sentada e no meio do refrão de Price Tag,quando um dos fones foi delicadamente puxado do meu ouvido.
-Quanto é que tá custando o ingresso?
OMG,não acredito que alguém me viu pagando um mico desses.Ou melhor,um king kong. Ainda bem que estava escuro,ou meu rosto,a essa altura provavelmente num tom vermlho-sangue,me denunciaria mais ainda.
-Ah,merda.
-Relaxa,Alice.Não vou sair espalhando pra todo mundo que você tava fazendo um show no jardim da minha casa – Henrique sorriu.
-É bom,mesmo.Mas,uhn,o que é que tu tá fazendo aqui?Tipo,não devia estar lá dentro e talz?
-Bem – ele suspirou – acho que gosto tanto desse tipo de festa quanto você.
-É.
E ficou lá,aquele silêncio constrangedor entre nós,porque,bem,ninguém sabia o que falar.
-Então – ele começou – Você já tá,bem,melhor?Sabe,sem desmaiar pelos cantos e tal...?
-Bem,na medida do possível.Não dá pra ficar 100% bem,mas,comparando com antes,eu tô bem mais normal sim.
Atrás do banco em que estávamos sentados tinha uma árvore,que encobria parcialmente aquele lugar de quem estivesse na cozinha.O contrário,porém,não era verdade.A cozinha ficava completamente visível se a persiana estivesse aberta,já que a janela era enorme. A mãe do Henrique apareceu por lá,provavelmente checando se estava tudo certo.A alegria dela podia ser notada mesmo de longe.Era aquela coisa meio de criança mesmo,que se diverte com qualquer mínima coisa.
-Quem vê ela assim,nem desconfia de nada. – Henrique comentou.
-Como é que é? – eu não tava entendendo nadica de nada.
-Bem,parece que você acertou – como meu rosto ainda estivesse contorcido numa expressão de dúvida,ele continuou – Sabe,daquela vez que você disse pra ter cuidado,que tinha alguma coisa por perto.Alguma coisa ruim.
-Sim – sinceramente,estava com medo do que ele diria depois.
-É a minha mãe,Alice – ele parecia lutar contra as lágrimas – Ela...ela tá com câncer.