Fan Fic Percy Jackson >> Decisões. (Capítulo 5)

Capítulo 5 : Pregando uma peça.

Ainda me revirei um bocado na cama antes de finalmente pegar no sono. Estava acostumado a dormir no escuro completo,numa cama fofinha, dentro de um chalé no qual o único barulho que se ouvia durante a noite era o respirar regular de Sam e Adam.O escuro ou, no máximo,a meia luz sempre reinavam no chalé 13.Exatamente por isso, aquele projeto de tenda me deixava perto de angustiado.O vento batia nas lonas – leia-se paredes - ,achando espaços minúsculos pra passar e fazer uma barulhinho baixo,e irritante de um jeito inversamente proporcional. O céu tinha passado do anil sem nuvens da tarde para um azul-cinza-borrado, estupidamente claro demais mesmo para uma noite de verão.A lua cheia tinha um brilho prateado,que somado à quantidade exagerada de estrelas, deixava tudo tão...claro.Era como uma conspiração silenciosa, como se a natureza tivesse escolhido exatamente essa noite pra não me deixar dormir.

A dor no ombro estava passando lentamente, mas ainda tive que me conter pra não dar um grito quando estava me virando e estralei o osso. Foi dor de um jeito que eu fui até o Mundo Inferior e voltei. Espera, deixa eu bater três vezes na madeira e três vezes na boca pra isolar. Não é um lugar pra o qual que pretenda voltar antes de, bem, muito tempo. Infelizmente, como diria o filósofo Jagger, “a gente nem sempre pode ter tudo aquilo que quer”.

Foi assim,depois de fazer conexões desconexas – e paradoxais,como a frase anterior – que finalmente apaguei.

Sabe,nenhum semideus gosta de ter sonhos.Principalmente aqueles em que aparecem pessoas reais,porque,provavelmente,é uma visão – ou previsão, depende do caso - .Pode-se dizer que é ainda pior quando o sonho é estupendamente confuso e você não entende nada.

Esse é um sonho que se encaixa na sub-categoria acima.Apesar de não gostar,meu sonho me levou a uma viagem curta pelo Mundo Inferior.Por isso foi confuso.Podia ser só meu subconsciente juntando fatos – não custa nada repetir – nada agradáveis,como eram todo e qualquer um que me lembrasse, de algum modo, Hades e minhas nada afetivas relações com ele.

Foi como uma visita guiada ao Mundo Inferior.O suposto guia era gordo como um urso,e talvez até parecesse com um. Usava um suéter de hóquei de lã vermelho desbotado,com muitos fios desalinhados; calças de moletom escuras e folgadas,que aparentavam ter sido feitas com alguns metros de tecido. De fato,cabia um James em cada perna da calça,e talvez ainda sobrasse espaço.O visual era completado por uma touca de couro preto,que provavelmente protestara ao ser enfiada na cabeça gigante,e fazia força pra sair dali,auxiliada pela oleosidade dos cabelos desgrenhados.O rosto era meio deformado, os olhos amendoados, nariz grande demais,a boca constantemente repuxada pro lado esquerdo,o que dava agonia de olhar quando ele balbuciava as coisas. Sim,porque era isso que ele fazia,balbuciava.Não sabia se era impressão minha, mas ele não falava direito as coisas.Só ficava repetindo algo como “Meu / nom / Cal” “Meu / nom / Cal” e, novamente, “Meu / nom / Cal” .Sério, encheu o saquinho.

Ele só me puxava pela manga da camisa,tentando me dizer onde estávamos, o que era muita idiotice da parte dele,já que eu obviamente cohecia o Mundo Inferior como a palma da minha mão. Só me continha pra não rir enquanto ele tentava,sem sucesso,me dizer o nome dos lugares e das coisas,abobado como uma criança rodeada por prateleiras cheias de brinquedos. A prova da criancice era tanta que ele tentou me levar pra dentro da caverna de Melinoe (n/a: deusa dos fantasmas; metade branca, metade preta, assusta as pessoas mostrando-lhes fantasmas de parentes mortos) ,e foi realmente difícil convencê-lo a não pular no Rio Lete (n/a : se você é atingido por uma gota de água desse rio,perde a memória). Difícil porque ele tinha a força de dez de mim, e saía correndo desembestado como um cachorro que vê o dono chegar.

Até que, finalmente,o sonho acabou. Simples assim,como tinha começado. Acabado com um mínimo raio de sol,que achou de bater exatamente no meu rosto.Pelo tamanho do meu cansaço, deviam ser os primeiros raios de sol da manhã.O relógio confirma as minhas suspeitas: pouco mais de cinco da manhã. Apesar de cansado,não queria dormir.A figura do cara do sonho era conhecida.Tinha a vaga lembrança de já tê-la visto em algum lugar,só não me lembrava onde. Fiquei repetindo milhares de vezes “Cal... Cal... Cal... Cal...” ,até que, alguns angustiantes minutos depois,veio o lampejo:Calais.

-Isso!

Calais,o anjo (muito)desajeitado,filho de Bóreas,deus dos ventos do norte. Abobado de nascença, com um problema grave de dicção que não o permite falar palavras com mais de uma sílaba.

Fiquei lá,olhando pro teto,desejando que meu cérebro voltasse a fazer as conexões que ele fizera na noite anterior.Por que danado eu tive aquele sonho?Sei lá,pareceu normal,mas alguma coisa teima em dizer que não é.

Embromei até o meio da manhã,esperando impacientemente Quíron aparecer pra dizer que eu já podia sair dali.Cada movimento que eu escutava, virava imediatamente pra abertura da tenda, pra depois desvirar desanimado ao perceber que era,no máximo,uma dríade rodando por ali.

Depois,escutei outro barulho.Virei de novo,mas nem um espírito da natureza era.Alguma coisa se mexendo,na verdade.Foi um milésimo de segundo pra eu notar que o barulho vinha do lado,e não da frente.

-O que é que...Onde eu – as palavras balbuciadas,típico de quem acorda depois de um tempão dormindo,seguidas por um esforço e um repuxar de lençóis.

-Enfermaria – respondi numa voz monótona – Bem vinda de volta,Annie.

-Enfermaria – num segundo esforço,ela conseguiu se sentar.Não fiz o mesmo,apesar de poder – Quanto tempo? – ela pegou um copo de água que repousava no criado-mudo do lado da cama.

-Uns dias.Pra primeira vez,acharam até que ia demorar mais.Tem alguma coisa doendo?

Experimentou mexer cada parte do corpo antes de responder – Não. Não parece – Só aí se deparou com o avermelhado da perna,a pele repuxada – O que foi isso????

-Ácido.Da próxima vez,lembre à sua equipe pra colocar a bandeira um pouco mais longe da Colina das Formigas.

-Myrmekos.Não sabia que era por ali.

Não estava nem um pouco animado pra perguntar como ela já sabia dos myrmekos,sendo uma novata.Talvez pelos pais.É,provavelmente.

-Obrigada.Por ter me tirado dali.

-Você lembra?

-Mais ou menos – ela revirou os olhos;parecia um pouco confusa – Mas deve ter sido você,já que não tinha mais ninguém lá – concluiu – Foi heroico da sua parte,enquanto podia ter simplesmente corrido.

-É – mais fácil concordar – Se bem que,pra primeira vez,você até que sabe se defender direitinho.

-Alguns anos de treino,por precaução.Nada muito pesado,claro.Mas minha mãe achou que eu podia vir a ter esse tipo de problema.De qualquer jeito,prefiro as facas.

Como assim,"prefiro as facas"?

-Você sabe se vai demorar pra alguém vir aqui? Tô morrendo de fome. – ela se remexeu inquieta na maca.

-Acho que não.Daqui a pouco chega algum sátiro,ou filho de Apolo,ou qualquer coisa do gênero.

Não deu outra.Algum tempo depois,Quíron irrompeu pela tenda, abaixando um pouco pra entrar.

-Ora,vejam só – abriu um sorriso quando nos viu acordados – Olha quem acordou.

Não sei se de propósito,mas tive que esperar ele fazer todo um exame nela,pra ver se tudo estava consertado e no devido lugar.

-Você só vai ter que trocar esses curativos uma vez por dia. – finalizou a frase dando um nó nas tiras de gaze que ele amarrara por cima da queimadura de Anne – E,como espero que alguém mais tenha aprendido, sem muito esforço nesses primeiros dias,certo? – foi uma direta.

Ele a liberou,e imagino que ela deva ter corrido pra o refeitório.Só depois ele veio ver como estava meu ombro.

-Voltou pro lugar.Vê se toma cuidado pra não ter que arrumar de novo.

-Beleza,Quíron.Sem esforço – imitei seu tom de voz repreensivo.

-Isso mesmo.

Passei o resto do dia assim.Vendo pelo lado bom,Kay foi uma companhia constante.Ainda se sentia culpada por ter indiretamente deslocado meu ombro,embora eu tivesse tentado convencê-la do contrário.Tenho que admitir que não tentei com muita força.É bom ser foco de atenção, principalmente da atenção de uma pessoa como Kay. Era uma boa companhia.Como toda filha de Afrodite, neurótica com organização e muito preocupada com a aparência,mesmo sabendo que era bonita até embaixo de uma armadura enferrujada.Acredite em mim, é difícil ficar bem numa armadura,mas ela conseguia.

Foi no final da tarde que soubemos.Todos tinham achado estranha a calmaria do chalé 5,sem pregar nenhuma peça na novata.Foi uma conclusão quase lógica que eles estavam se decidindo qual seria a melhor coisa pra fazer.

Foi bem bolado,tenho que admitir.Ousado também.Estávamos todos no refeitório,esperando o jantar ser servido.Comosempre,as mesas conversavam entre si,até que se ouviu um berro gigante vindo da mesa de Atena.

Claro que todo mundo virou,e teve uma confusão imediata,enquanto as crianças da mesa 5 quase rolavam no chão de tanto rir.Foi um escarcéu dos diabos,e mesmo Quíron demorou a entender o que tinha acontecido.

Em resumo:

A mesa de Atena fica exatamente embaixo de uma árvore.Cada semideus tem seu lugar específico naquela mesa.Quando Annie sentou, ativou algum tipo de mecanismo ( segundo Adam,um fio preso a uma pequena alavanca) que “derrubou” de um dos galhos da árvore uma caixa exatamente na cabeça dela.Era uma caixa de papelão comum, marrom, sem tampa,que por um acidente do destino espalhou seu conteúdo por toda a mesa 6 assim que caiu na cabeça de Annie.

Foi esse o motivo do pânico.Aranhas.Nem todas de verdade,algumas eram autômatos. Pequenas, grandes, peludas, de todos os tipos. Nenhuma devia ser venenosa,ou o problema seria muito maior para os filhos de Ares.O pânico que se instalou na mesa foi o suficiente.Só se viam crianças louras correndo para todos os lados,gritando.Tinham PAVOR a aranhas (n/a:só relembrando,e esclarecendo pra quem não leu ABdL,Atena teve uma briga com Aracne,e seus filhos todos tem medo/ nojo/ pavor de aranhas.)

Foi um caos.Alguns outros semideuses foram pra lá ajudar a dispersar as aranhas,que iam pra todos os lados.Outros foram só pra aumentar a bagunça.

O fato é que,quando eu me aproximei,Anne vinha na minha na minha direção,remexendo no cabelo,fazendo os dedos de pente,vendo se tinha alguma coisa lá.Foi o grito de Kay,que vinha na mesma direção,que a alertou:

-PÁRA.AÍ.E.NÃO.SE.MEXE.

Anne estancou.Kay se aproximou,e eu a segui.

Ela arrancou uma folha grande de uma árvore ali perto,enquanto ia se aproximando devagar de Anne,que continuava parada. Delicadamente, tirou uma aranha média que tinha ficado presa no suéter de Annie,na região da barriga.Mesmo vendo a aranha ali,ela ficou firme, tentando o máximo não se mexer pra não espantá-la.

Assim que a aranha ficou na folha,Kay a arremessou longe.

-Vá ser feliz na floresta,que é o seu lugar – concluiu,com uma risada. – Como você fez?

-O quê? – Anne ainda estava meio pasma

-Ficar aí,parada,com um bicho na sua barriga.

-Ah,sei lá – ela suspirou - Vai ver eu não tinha notado.

-Como assim,afilhada de Atena e não notar uma aranha?