Reflexos. (Capítulo 28)
Capítulo 28 : Avisando.
Sinceramente,ainda bem que o trabalho estava quase no fim.Aquela conversa,mesmo que curta,tinha me dado o suficiente pra pensar pelos próximos dias.Óbvio que eu me sentia extremamente tentada a dizer “sim,eu sei que não foi culpa sua,e fui uma idiota por não ter dito isso antes” ou ainda “eu preciso de você” ou mesmo “eu também te amo”. Mas sei lá, talvez eu só fosse me sentir pior se dissesse qualquer uma dessas coisas,e não só pelo fato de que deixava ele em perigo junto comigo.Não duvidava do que eu sentia pelo Rodrigo, mas, mesmo assim, não sabia se era o suficiente.Podia ser só confortável, ou qualquer coisa do gênero.
E,mesmo que eu não gostasse de admitir,ainda tinha o Henrique. Que, mesmo depois de tudo que tinha feito,meu subconsciente teimava em dizer que ele merecia uma segunda chance. Todos merecem,afinal de contas.Ou será que não?
Estava rodeada de retóricas,coisas sem sentido e mais um monte de coisas que me deixavam exausta só de pensar.Vendo pelo lado positivo ( o que quer dizer que todo o resto já estava tão ruim que não podia piorar ),amanhã é sábado.É,bem que eu podia sonhar com uma solução pra tudo aquilo,se não for pedir demais ( provavelmente é ).
Sem problemas,tudo vai se arrumar,mais cedo ou mais tarde.Fui dormir repetindo isso vezes e mais vezes ( não dizem que se você repete muito uma coisa ela se torna verdade? ) .Já estava na centésima sexagésima terceira vez quando eu finalmente apaguei.
Não sei nem porque,mas os sonhos dessa noite foram mais confusos do que o habitual.A única coisa simples e clara era que o Henrique estava presente em todos eles.E não simplesmente presente,mas sempre num situação complicada.Ele precisava de mim.
Essa foi a certeza com a qual eu acordei.
Mas por quê?
Talvez fosse só um teste.Ainda era difícil pra mim estar perto dele.Era como se fosse uma defesa automática,como se alguma coisa dissesse “Já me magoou uma vez.Mau” .Por outro lado, ainda era bom,quase tanto quanto fora há algum ( talvez muito,quem sabe ) tempo atrás.
Mas de novo,era como se eu não tivesse alternativa.Tinha sonhos como esses por dias e dias seguidos,e sabia que não devia tentar ignorá-los, doesse a quem doesse (no caso,a mim ).Era como se uma força magnética – e mais forte que eu,diga-se de passagem – me puxasse pra perto de onde ele tava,como se sussurrasse que eu tinha que fazer alguma coisa,que eu precisava ajudá-lo.Eu mesma sentia isso.Sentia uma aura escura e pesada constantemente sobre e ao seu redor.
Talvez por isso ele estivesse daquele jeito.Tão sozinho, taciturno, estranho até.Ele sempre fora do tipo simpático,com um zilhão de amigos ( e amigas também ) ,sempre rodeado por muita gente,rindo e conversando. Com um carisma de fazer inveja a qualquer político,era praticamente impossível não gostar dele,a não ser que ele não batesse com algum estereótipo pré-concebido.Apesar disso,andava cada vez mais sozinho.Chamavam ele pra se sentar nas mesas,ou jogar futebol, ou qualquer coisa.Mas ele educadamente recusava.Passou a ir cada vez mais pra o canto escondido atrás da quadra.Passava até um intervalo inteiro lá,sentado,um olhar fixo procurando só Deus sabe o quê.
Antes que você se pergunte “mas como é que você sabe”,a resposta é que,do mesmo jeito que fizera com Renata,estava fazendo com ele também. Ficava olhando de longe,e,de uma única vez que nossos olhares se encontraram,eu rapidamente abaixei o rosto e saí andando pra o lado oposto ao dele.
Sabia que devia fazer alguma coisa;só não sabia o quê.
Era como se ficasse com vergonha de perguntar o que estava acontecendo.
Até que desisti de seguir ele.Gabriel protestou veementemente contra essa atitude,dizendo que eu estava sendo “irresponsável,medrosa e estava só procrastinando uma coisa que sabia que,cedo ou tarde,teria que acontecer”.Depois desse discurso/sermão,a primeira coisa que eu fiz, claro, foi ir até o dicionário procurar o que danado significava “procrastinar”. Enquanto procurava, não pude deixar de pensar que seria uma boa palavra pra se colocar num jogo da forca ( é,eu tenho esse problema,procurar um lugar pra colocar as palavras ).Mas enfim,não era muito mais prático e me pouparia um trabalho de pesquisa dizer que eu só estava adiando as coisas?
Segunda coisa,essa sim foi pensar no que ele dissera.claro,eu sabia que estava empurrando a situação com a barriga.Todos os dias,dizia resolutamente algo tipo “hoje,vou tomar uma providência” .Mas,na hora,sempre voltava atrás com o rabo entre as pernas,como se estivesse com medo de alguma coisa estranha.
Demorei um tempão nesse vai-não vai.Acabei indo numa sexta-feira, uma manhã em que o sol parecia estar com preguiça de brilhar, deixando o céu meio escurinho,mas sem aquelas nuvens cinza horríveis. Só me decidi realmente quando notei que já havia quase um mês que eu vinha tendo o mesmo tipo de sonho,sempre avisando que eu tinha que fazer alguma coisa em relação àquele lindo ser humano chamado Henrique.Ainda fiz uma nota mental pra lembrar de dar uma resposta ao Rodrigo.Ok,ainda tinha que pensar num resposta,e sentia que também estava adiando isso.Ele me ligava às vezes,chamava pra sair e coisa e tal.Educadamente – ou assim eu tentava – recusava.Não podia deixar de notar a expectativa da voz dele se dissolver assim que ouvia minha resposta.Como uma bolha de sabão que simplesmente explode com um toque.Antes de resolver o problema número um,mandei uma mensagem pra dar início à resolução do problema número dois.Certo,sem adiar agora.Vamos ver o que é que o Henrique tem.
Hesitei ainda um pouco,até que enfim cheguei meio sem jeito no lugar em que ele estava passando o intervalo.
-Oi. – é sempre um ótimo começo.
-Oi,Alice – ainda achava muito lindo o jeito que ele dizia meu nome.Ao mesmo tempo,trazia muitas más recordações.
-Então,er,o que é que você tá fazendo por aqui,bem,sozinho?
-Nada – abriu um sorriso de canto de lábio,que,mesmo assim,pareceu um pouco forçado.
-Ótima resposta,muito esclarecedora mesmo.
-Se precisar,disponha,sabe disso né?
-Claro.
Não sabia como começar o assunto,como puxar alguma linha de raciocínio que me ajudasse a dizer o que eu precisava.Ele também não abria nenhuma brecha,só respondia às minhas perguntas idiotas e sem noção.
Ficamos nesse papinho - com grandes pausas entre uma frase e outra – até que o intervalo acabou,e,mais uma vez,eu não tinha feito absolutamente nada.
- Espera – falei enquanto ele virava pra voltar pra sala – eu tenho uma coisa pra falar com você.
- Então quer dizer que isso tudo foi só enrolação? – dessa vez,o sorriso não era tão forçado
-Mais ou menos – senti o sangue correr todinho pras bochechas.
-Fala,então.
-Então,são uns sonhos estranhos que eu tive e ...
- Tem algum problema com você? – não pude deixar de sorrir ao ouvir aquela voz.Com certeza,ele ficara preocupado.
-Não,não.Comigo não.Eu estou tão normal quanto posso ficar.O assunto é,bem,com você.
-Comigo?
-É.Eu,bem,eu não sei exatamente o que é,mas eu tive uns sonhos estranhos, e você tava neles – óbvio que não vou dizer o conteúdo nem a duração dos sonhos,não antes de cavar um buraco pra me enfiar depois – Não eram sonhos legais,Henrique,não mesmo.Então,só tenha mais um pouco de cuidado,ok?Tenta não fazer nenhuma besteira.
-Ah,certo,então,eu...eu vou tentar não “fazer nenhuma besteira” – ele fez as aspas com os dedos enquanto falava.
-Ótimo – ia virar pra ir embora,quando me virei de súbito – E,olha,se precisar de alguma coisa, sei lá...
-Você estará aqui – ele completou a frase pra mim.
-É, estarei. Ou pelo menos vou tentar.
-Obrigado. Mesmo.
E,meio que do nada,ele me abraçou.Como se quisesse ter certeza de que realmente havia alguém ali.No exto momento em que ele encostou em mim,me senti instantaneamente mal. Não por causa dele,mas sim por causa do que estava nele.Uma coisa pesada,escura,que deixou tudo à minha volta enevoado.Não sabia direito o que era,nem queria,na verdade,saber.Era como se tivesse medo de descobrir.
Fui chamada à realidade pelo meu celular,mais exatamente pelo toque avisando que tinha mensagem nova.Como se só então tivesse se dado conta do que fizera,ele me soltou,meio sem jeito,virou e foi embora.
Nem li a mensagem.Precisava falar com Gabe,urgente.O único problema é que ele não estava em nenhum lugar visível.Mentalmente,chamei-o. Nada. Sabia que ele estava ocupado, "procurando respostas", como ele mesmo dissera. Eu já me sentia suficientemente bem pra não precisar dele no meu encalço 25 horas por dia (e eu sei que o dia tem 24),então ele passava o tempo em que estava em lugares “públicos” (como a escola) fazendo algumas coisas que eu não me sentia tentada a perguntar o que eram,embora ele já tivesse tentado me explicar.
Merda.
Fechei os olhos com força,e me concentrei como nunca fizera antes. Pensei nele,como se estivesse procurando.Devagar,depois de um esforço bem grande,minha consciência vagou por uns lugares que eu não conhecia,até parar num que era até meio esquisito.Uma imagem fraca, mas ainda deu pra vê-lo numa salinha escura,abarrotada de livros e de poeira.O branco que ele era se destacava do escuro restante. Deu pra sentir o esforço que ele fazia pra estar ali. Estava com os olhos juntos,uma ruga entre eles,folheando um livro grosso, contorcendo o rosto a cada página que passava.
-Preciso falar com você,Gabe.Preciso – pensei – Dá pra me ouvir?
Ele abanou a cabeça,como se um zumbido estivesse ali.Tentei de novo. Dessa vez,parece que ele escutou alguma coisa,e se virou bem devagar.
-Alice?
Chamei-o novamente.Era como uma conexão de um rádio mal sintonizado, que fica chiando direto.Ainda deu tempo de repetir mais uma vez,antes de tudo desaparecer e sentir as pernas fraquejarem.