Reflexos. (Capítulo 23)

Capítulo 23 : Um estranho grito de socorro.

Dizem que você só percebe a felicidade quando ela vai embora.Esse foi mais ou menos o meu caso.Não sei se eu vivia exatamente feliz,mas nada que sequer pudesse ser comparado ao que acontecia agora.

Bem,não que minha vida fosse perfeita,mas eu tinha uma que podia ser considerada ao menos normal.Eu brigava com minha mãe,saía com minhas amigas,me ferrava nas provas de Física,virava madrugadas no msn,tinha um namorado,enfim.Agora,não.Sem amigos,sem paciência, com visões estranhas,sonhos estranhos e uma vida que tinha que melhorar muito pra poder ser considerada estranha.

Mesmo assim,eu ainda tentava ver um lado positivo.Mas tenho que admitir,não era fácil MESMO.

A primeira da sequência de coisas muito piores que estranhas que aconteceu foi o simples fato de eu prever a queda de um avião.Tipo assim,claro que TODO MUNDO já fez algo assim na vida,o que é que tem de estranho nisso,você certamente vai pensar.Foi mais ou menos assim,eu meio que tive um quase-desmaio de novo,e de novo assistia uma cena de cima.Um avião lotado de passageiros levantava voo.Até aí tudo normal,eu já estava me perguntando qual era a catástrofe que ia acontecer até que uma das turbinas explodiu e o avião começou a cair rodopiando,até eu escutar o tchibum no mar.Eu e minha boca grande, pra não dizer gigante.

Eu só percebi a burrada quando voltei ao normal.Tinha ficado tão absorvida com essa primeira visão de um fato meio que real que não tinha percebido o que realmente importava em tudo aquilo,ou seja: QUAL ERA O AVIÃO QUE IA CAIR. (n/a: era pra ter itálico no RL,vou começar um abaixo-assinado ^^).Não tinha prestado a mínima atenção,e só sabia que era um avião branco,fato que realmente ajudaria muito,já que há pouquíssimos aviões brancos ao redor do mundo.Tinha o pressentimento que não era no Brasil,estava meio que estranho pra ser.Fiquei alguns minutos frustrados tentando,em vão,lembrar a identificação na cauda do avião.Nada.Nadinha.

Esse pequeno fato ficou pesando na minha consciência o resto do dia,e ficou pior ainda quando saiu no jornal de noite que um avião tinha caído minutos depois de levantar voo na costa oeste da Austrália.

Meu consolo:Gabe dizer que,a partir desse dia,eu iria sempre prestar atenção aos detalhes das visões.

-Ajudou muito mesmo Gabe,valeu.

-Foi a primeira vez,não tinha como você saber no que tinha de prestar atenção.

-Mesmo assim,eu VI que o avião ia cair e não fiz merda nenhuma.

-Alice,você não é Deus. - ele pontuou - não dá pra fazer sempre tudo por todo mundo.Eu sei o quanto é frustrante ver uma coisa assim acontecer bem na sua frente e não poder fazer nada.Mas você vai ter que entender que,por melhor que seja,sempre vai ter uma hora que você não vai poder fazer nada,vai só assistir impotente enquanto tudo acontece à sua volta.

-Isso não vai acontecer.

-Vai,sim.Todos estamos predestinados a passar por isso várias e várias vezes. - ele olhava pra mim de um jeito complacente - Agora,por favor, será que dá pra você se concentrar nas prioridades?

-Ok,vamos tentar de novo.

E voltamos a testar minha concentração e tentar ver os limites da minha visão.

A cada vez que esses "testes" terminavam,eu estava a ponto de implorar por um lugar pra descansar.Ficava completamente exaurida,e todas as minhas forças se esvaíam nas minha tentativas - as vezes frustradas - de me concentrar pra ver o que ia acontecer sem ser pega de surpresa.Raras vezes eu conseguia,e mesmo assim,só por alguns segundos.Não era o cansaço físico,era o mental.

Eu já meio que tinha conseguido parar de "ler" as emoções dos outros. Pela definição sistemática do meu anjo da guarda nerd, " a hipersensibilidade era um sintoma que podia ser associado à clarividência,já que os indivíduos que a possuíam eram fisica e mentalmente alterados a fim de suportar tudo o que acontecia, podendo, assim,desenvolver alguns outros dons paranormais,tais como telecinese,telepatia ou até mesmo teleporte."

-Claro,em vez desses dons legais que podem ser pelo menos úteis,eu ganho de presente um que só me estressa e me deixa louca. Decididamente,tem alguém por aí que tem um problema bem grande com a minha pessoa.

-Você vai acabar vendo que essa sensibilidade pode ser mais útil do que qualquer outra coisa - odiava aquele ar de "você vai ver que eu tô certo no final",junto àquele "estou segurando o riso".

-Ah,claro,como eu não pensei nisso antes?Lógico que,se eu tiver que lutar com um demônio,vai ser muito mais útil sentir o que ele sente do que poder sair dali ou pelo menos arrancar os braços dele sem ter que chegar muito perto,óbvio - a cada dia que passava,meu sarcasmo ficava mais aguçado.Talvez fosse a influência do Henrique,sei lá.

E assim os dias passavam.Se você me permite o comentário,os dias eram chatos e monótonos,as noites é que eram legais.E,se você tem alguma deficiência na área hipocampal do cérebro,saiba que a frase acima foi a mais sarcástica de todos os tempos.

Foi numa noite,por exemplo,que eu andava calmamente pela rua quando tudo ao meu redor ficou escuro e vazio.Estava descalça, pisando em alguma coisa molhada e fria.Lama.Alguns metros à frente, ouvia uma voz.Ela gritava desesperada,mas não dava pra saber quem era.É claro que eu fui ver.Deu que quase que eu caía num buraco, que, descobri,era de onde vinha a voz.Olhando pra baixo,vi um reflexo da lua,que batia no rosto da pessoa.

Acordei,tendo um estranho pressentimento que algo de muito ruim ia acontecer,e que eu precisava urgentemente falar com a pessoa que acidentalmente caiu num buraco.