Butala, butala

Mais velho de uma irmandade de 4, Hélio Lúcio tinha duas unanimidades em torno de si: era um menino bonito, moreno, duns traços simétricos, e era também perturbado.

Vivia pelo quintal que compartilhava cerca de tela conosco e nunca interagia, nem com os próprios irmãos Onésimo, Célio Lúcio e Elisabete, a caçulinha. Mas zanzava sempre e, dos raros sons que emitia, claramente, só compreendíamos butala, butala.

A pouca comunicação verbal era compensada fartamente pela energia e se deslocar de um ponto para outro, sempre ocupado com alguma intenção que não lográvamos discernir.

Dizia-se, a boca miúda, que aquele estado seria decorrente de uma queda em bem tenra idade que lhe havia afetado a cabeça. Incúria parental, acidente, nada se esclarecia para a gente.

Heluço, como o chamávamos não atendia a chamadas nossas nem dos próprios irmãos. Babava com frequência e não parecia ter tenência ou continência em se desfazer das calças com que se buscava cobrir seu corpinho moreno e bem proporcionado..

Duma feita foi visto cortando em pedaços miúdos a corda de bacalhau que prendia o sarilho da cisterna ao balde. Doutra, após trepar a uma amoreira esguia plantada por mamãe junto à cerca de nossos quintais, descera duma escorregadela só, esfolando o corpo. Sem chorar, sem ao menos dizer butala. Por vezes, jogava uma pedra, sem muita noção de alvo, ou de distância.

As hemorróidas salientes, por vezes, agravavam a noção de que a perturbação não fosse somente da cabeça. Nunca o víramos franquear a porta de entrada de sua casa. Das poucas entradas nossas lá, uma para ver o altar de Dona Lia, sua mãe, onde entre santinhos e velas, ostentava-se um retrato do avô, pai de Dona Lia, Heluço nunca deu sinal de afetividade ou agressividade. Mas não deixamos de tremer um tantinho.

De sua morte prematura, no começo da adolescência vimos a saber depois de já nos termos mudado do Brumado, em junho de 1958.

Tentei associar butala, butala a algum rito oriental, indu ou tibetano, mas não logrei descobrir elo qualquer, a não ser na sonoridade Mandalas.

O Dalai Lama que fugiu da ocupação chinesa do Tibete em 1959, quiçá pudesse ser metido na causa para se desvendar algum significado. Mas ele anda muito protegido, e nunca pintou no Brumado, ou em Pitangui.

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Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 16/12/2016
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