CINCO HISTÓRIAS DA ÍNDIA

CINCO HISTÓRIAS DA ÍNDIA

Baseadas em Folk Tales and Fairy Stories from India – Sudhin N. Ghose

Octetos de William Lagos – 24-28 set 2016

OS QUATRO ERUDITOS ... ... ... 24 SET 16

A PRINCESA MAYA ... ... ... 25 SET 16

O CASAMENTO DE MAYA ... ... ... 26 SET 16

A FORTUNA DE MAYA ... ... ... 27 SET 16

O PANELÃO DE ARROZ ... ... ... 28 SET 16

OS QUATRO ERUDITOS I – 24 SET 2016

Em Vishnupur, quatro austeros eruditos,

a gramática estudaram por doze anos

e as Escrituras por mais doze, sem enganos;

já nos Quarenta por miséria sendo aflitos...

Pelo saber encontravam-se benditos,

mas do lado material sofriam danos,

as suas heranças gastas nos afanos,

pela pobreza e pela fome já malditos...

Em vão pediram ajuda aos comerciantes

e já se achavam num triste mendigar,

incapazes de comprar sequer comida!

Mas viam nobres a montar seus elefantes

e nem os monges dos templos do lugar

se dispunham a aliviar-lhes mais a vida...

E comentavam, estudando as Escrituras,

em documentos muitas vezes milenares,

que deveriam ir buscar outros lugares;

em Vishnupur somente achando agruras!

Querem os ricos adquirir as formosuras

de dançarinas, por centenas de dinares,

ou lutadores contratar para os azares

de suas vastas apostas em loucuras!...

Enquanto os pobres só as rinhas assistiam, (*)

ou aprestavam jumentos em corridas,

a classe média aparelhando os elefantes,

(*) Brigas de galos.

ou javalis caçavam e comiam,

nessas tolices a dispender suas vidas,

sem se importar com sábios tão brilhantes!

Disse o mais velho: “Deixemos a cidade,

noutro lugar melhor fortuna encontraremos.”

Falou o mais moço: ”Primeiro consultemos

Baraka, a curandeira, que tem sagacidade.”

Os demais concordaram, com facilidade.

“A consultar a bruxa então iremos,

mas acredito que nosso tempo perderemos;

é um mulher ignorante, na verdade!...”

Mas no momento em que entraram na cabana,

ela os saudou: “Cavalheiros, a ciência

de nada vale onde não há a inteligência.”

Nisso Bissakha, o mais velho, já se inflama:

“Ela nos quer submeter a zombaria:

nada de novo para nós cá se acharia!...”

Porém Baraka lhes disse que a fortuna

se encontra muita vez no logradouro

em que tivemos o nosso nascedouro,

mas só o esforço a riqueza coaduna...

“Bela a sentença, mas em nada é oportuna

para quem sente da fome o mau agouro...”

Baraka riu-se, bateu palmas com estouro:

Com vinho e alimento da cozinha serva ruma...

“Eu agradeço,” disse Bissakha, satisfeito,

“mas alimento é só alívio temporário...

Pode, de fato, nos indicar orientação?...”

Baraka percebeu o seu despeito...

“Pois muito bem, indicarei o itinerário...”

Mandou trazer-lhes quatro plumas de pavão.

OS QUATRO ERUDITOS II

“Segurareis estas plumas firmemente;

e no lugar em que no chão tombarem,

fortuna existe, caso o acreditarem,

porém no gelo há dor e fogo, finalmente...”

Bissakha a obedeceu, meio impaciente;

um a um, os três outros aceitaram

e em direção ao norte então marcharam,

esperançosos... Mas Bissakha descontente.

E quando ao longe avistaram o Himalaya,

caiu a pluma de um dos eruditos

e em picareta a seguir se transformou.

“É a minha fortuna!” – clamou o austero Gaya,

picando o chão e logo os outros deram gritos:

“É um veio de cobre que você achou!...”

“Caros irmãos, aqui há cobre suficiente

para o sustento de nós quatro toda a vida!”

Disse o mais velho: “Prosseguirei na lida.”

Seguiram dois com ele para a frente...

No outro dia, a pluma de Yarlida

no chão tombou, com retinir plangente.

O erudito achou um veio, facilmente,

de pura prata, sob a relva escondida.

“Meus irmãos, essa prata aqui é bastante

para nós três!... Fiquemos por aqui...”

Porem Bissakha disse: “Não me basta!”

E com um só companheiro segue avante,

embora a fome já os perseguisse ali...

O par de amigos da vereda não se afasta...

Então tombou no solo uma terceira,

transformada de imediato em alvião.

Karama, o dono, bem veloz cavou o chão,

achando mina de ouro bem certeira!...

“Por que seguir a escalar essa ladeira?

Fique comigo, aqui há riqueza em profusão!”

Porém Bissakha recusou dar-lhe atenção.

Será de jóias a mina derradeira!...

E para a frente seguiu com a própria pluma,

ainda bem firme na palma de sua mão,

sem que sequer por um momento ela oscilasse.

À sua frente um planalto então se apruma,

pedras de gelo recobrindo todo o chão,

calor de dia, embora à noite, congelasse!

De sua fortuna já se desesperava:

Fiz muito mal em confiar na feiticeira;

a pluma jogo fora e retorno à derradeira

parada, em que Karama me esperava...

Mas no instante em que no chão lançava,

transformou-se em corrente a pluma inteira

a sua cabeça a enrolar, cobra ligeira;

com esse peso, já no chão tombava!...

Então um homem muito magro apareceu.

“Eu lhe agradeço pelo seu desdém:

a minha pluma lancei no chão também...”

“A sua prisão minha liberdade concedeu.

Por outro tolo deverá esperar agora

que a própria pluma da fortuna jogue fora!...”

A PRINCESA MAYA I – 25 SET 2016

O Rei Mandhara de Sravasta estava velho,

muito orgulhoso de duas filhas que tinha:

Madry, a mais velha, realmente bem quietinha,

a maquiar-se o dia inteiro frente ao espelho.

Maya, a mais moça, agitada, sob o relho

da inquietação que a cada dia lhe vinha;

já falecera a sua mãe, a boa rainha,

não tinha mais a quem pedir conselho...

Cada manhã, as filhas iriam saudar

o rei seu pai... Madry logo proclamava:

“Vida longa para meu pai e monarca!”

Porém Maya limitava-se a falar:

“Bom dia, meu pai. A sua vida muito abarca:

pois lhe conceda tudo que merece!” – desejava.

O Rei Mandhara começou a se irritar:

“Por que deseja que eu tenha o que mereço?

Igual que praga tal saudação eu meço!

Talvez de fato eu a deva castigar!...”

Porém Maya fora em Benares estudar,

com o irmão de sua mãe, Aparavesso

e com ele aprendera o dom travesso

de as falas de animais interpretar...

O que de fato ela queria, era partir

de qualquer modo. Sentia-se oprimida

e o vasto mundo desejava conhecer,

coisa que o pai não iria nunca permitir,

salvo se fosse como noiva oferecida

a quem por certo saberia dar prazer.

Certo dia, o rei Mandhara despertou,

ao escutar de sua filha gargalhada;

sua longa sesta havia sido profanada!...

Fizera troça porque seu pai roncou!

Mandou chamá-la e a seguir Maya chegou.

“Não, senhor pai. Eu sei que dei risada,

mas da conversa de formigas escutada;

foi divertido o que uma então falou...”

“Ah, sim, sim... Teu tio dizes te ensinou...

E que tipo de conversa então interpretou?”

“Uma formiga reclamava de seu rei...”

“Ele tinha duas filhas e não as casava,

mas que um banquete finalmente dava,

dois belos genros a escolher, conforme a lei...”

Com tal história o rei mais se ofendeu:

Essa atrevida quer-me dar uma lição!

Para casá-las não chegou ainda ocasião:

Minha boa vontade inteira ela perdeu!...

Seu Grão-Vizir mandou chamar então,

que bem depressa ante o rei compareceu.

“Meu conselheiro, veja o que me aconteceu!”

O acontecido lhe narrou com emoção...

“Qual o conselho que me dá agora?

Que tipo de castigo ela merece?”

“Majestade, este assunto é delicado...”

“Não é melhor que a case, sem demora?

Ao mesmo tempo que lhe atende a prece,

Terá ocasião de dormir mais descansado...”

A PRINCESA MAYA II

Porem Mandhara, embora rico, era avarento.

“Se a casar, um belo dote esperarão:

meu tesouro esgotará nessa ocasião!

Será um prêmio pelo seu atrevimento!...!

“Bem, Majestade, talvez seja o momento...

Ela é de fato bela; quem sabe a aceitarão,

sem vasto dote a lhe exigir então,

se a algum plebeu a der em casamento!”

“É a sua filha Madry a real herdeira;

precisa um noivo de mui alta condição:

qualquer rajá dar-lhe-á então assentimento...”

Porém a cólera do rei era certeira...

E nessa noite, com total satisfação,

teve um sonho, que interpretou como portento.

Em seu sonho, ele a vira mendigando,

pelas estradas caminhando a pé,

desde a planície até o alto sopé

das montanhas, sua beleza desgastando...

Pela janela do palácio contemplando,

notou um mendigo, muito magro até...

Será esse o seu noivo, por minha fé!...

Ao pobre homem foi depressa convocando.

Chamou então de volta o Grão-Vizir.

“Vês o mendigo sentado na cozinha,

com apetite realmente extraordinário?”

“Faça que em trajo nupcial o vão vestir.

Será o noivo de minha princesinha,

sem precisar dar-lhe um dote perdulário!”

“Providencie você mesmo o casamento.

Não irei dar-lhe banquete nem um dote,

nenhum festejo, sequer um convescote:

esse é o castigo pelo seu atrevimento!...

Para o Vizir foi grão constrangimento.

“Majestade, não será um infausto lote,

que a uma vida de pobreza hoje a devote?”

“Diga-lhe apenas ser meu mandamento.”

“Que o “Rei das Formigas” decidiu,

sem ser preciso algum banquete preparar

e que seu noivo já foi alimentado...”

“Só isso, Majestade?...” – o outro inquiriu.

“Essa atrevida entenderá quando o falar,

será o castigo por seu pai ter maltratado!”

A pobre Maya ficou muito surpreendida,

mas aceitou com humildade o seu castigo.

Tinha até boa aparência o tal mendigo,

Limpo, vestido e cheio de comida...

A cerimônia foi às pressas conduzida.

Um velho brâmane a resmungar consigo,

só obedecendo por temer algum perigo,

Madry assistindo, bastante compungida...

Logo a seguir, Maya deixou o castelo,

levando apenas as suas jóias e vestidos,

seu noivo um saco sopesando de alimento...

Mostrou Mandhara ter coração de gelo

em seu desdém e rancores incontidos,

sem ir, ao menos, assistir ao casamento!

O CASAMENTO DE MAYA I – 26 SET 2016

Mas dias depois, sentiu arrependimento;

mandou de novo convocar o Grão-Vizir.

“As minhas ordens totalmente fez cumprir?”

“Sim, Majestade, foi realizado casamento.”

“O noivo demonstrou contentamento

por uma esposa tão bela conseguir;

somente um saco de comida foi pedir

e os dois partiram, sem ressentimento.”

“Porém Maya... Ela não reclamou nada?”

“Falou que o quanto recebera... mereceu;

e o senhor meu pai receberá o que merece...”

“Mas novamente essa frase amaldiçoada!

Foi uma praga a me rogar, feito má prece?”

“Não, meu senhor, ela até lhe agradeceu...”

“E realmente, não falou mais nada...?”

“Disse, senhor: ‘Melhor casar-me com mendigo

que sofrer minha solidão em rico abrigo

e por meu pai sentir-me desprezada...”

Ficou o rajá com a mente perturbada.

“Acho melhor ir procurá-la, meu amigo...”

“Senhor, já encontrá-la não consigo,

que os dois partiram pela longa estrada...”

“Melhor assim... Maya estudou demais.

Dar não devemos às mulheres instrução;

cuidar da casa e ter filhos sua função...”

“Talvez conselhos lhe deem os animais...

Porém Madry, que jamais estudou nada,

sempre mostrou ser uma filha dedicada...”

O esmoler Govinda mostrou-se carinhoso,

mas vendeu logo o rico trajo nupcial;

com seus andrajos se sentia natural,

ainda que fosse sempre limpo e caprichoso...

O casamento completou, muito amoroso,

por sobre a grama, junto a estrada vicinal.

Para Maya um evento quase triunfal,

a libertá-la de um passado desastroso...

Só havia entre os dois algo de estranho:

comia Govinda de uma forma desmedida

e parecia emagrecer cada vez mais...

Mas demonstrava por ela amor tamanho

que lhe cedia a sua melhor comida,

mesmo o apetite sem se aplacar jamais...

Assim de um templo para outro andava,

por pobres monges a ser alimentado,

que julgavam-no faminto e esfomeado...

Mas no terceiro dia, se afastava...

Seu apetite nunca se abrandava,

porém sabia estar comendo demasiado;

talvez algum tivesse até jejuado,

enquanto ele a si locupletava!... (*)

(*) Comia até quase estourar.

Logo o dinheiro do trajo nupcial

foi gasto inteiramente em alimento,

sem que ele engordasse uma só grama.

Maya sentia algo de sobrenatural

em seu marido, por certo encantamento

a dominar aquele jovem que já ama...

O CASAMENTO DE MAYA II

Govinda, às vezes, a olhava envergonhado,

no momento em que uma joia ela vendia,

que em poucos dias ele mesmo consumia,

sem que sua fome tivesse se amainado... (*)

(*) Na Índia não é estranho que uma rica jovem acompanhe um asceta.

Então lhe confessou, muito acanhado,

ser o Príncipe-Herdeiro de Avantiya

a quem tal terrível fome acometia,

após ter vinte e um anos completado...

Durante uma caçada adormecera,

tranquilamente, junto a um formigueiro,

para acordar com essa ânsia que o consome...

E desde então, insólito comera, (*)

emagrecendo ao mesmo tempo bem ligeiro,

em consequência da insopitável fome...

(*) Muito além do normal.

Aos melhores doutores consultaram,

sem conseguirem desvendar a causa;

ainda comia, quase ser dar pausa

e diagnósticos tão só se embaralhavam...

A então famoso brâmane convidaram,

que procurou provocar-lhe muita náusea,

com emético e purgante que lhe abrasa,

porém nenhum resultado demonstraram...

E sentindo-se o tal brâmane despeitado,

ao ver falhada a sua famosa medicina,

declarou que no berço o haviam trocado.

Não era um homem o príncipe esfomeado,

mas de ser filho de Asura tinha a sina (*)

e deveria assim ser exilado!...

(*) Os Asuras eram gênios opostos aos Devas, os gênios do bem.

“Coitadinho! Então seus pais o expulsaram!...!

“Bem ao contrário. Expulsaram o charlatão,

sem a tal hipótese absurda dar razão;

meus pais nem por momento desconfiaram!”

“Porém senti que os cortesãos me olharam

com certa desconfiança, desde então,

mal conseguiam esconder a superstição

e tantos rumores à nação prejudicaram...”

“Então fugi, numa noite bem escura.

Levei comigo dinheiro suficiente,

porém gastando muito mais do que pensara.”

“Meus ricos trajos vendi então, sem compostura,

a indumentária a adotar da pobre gente,

até o dia que em Sravasta me encontrara...”

“Assim cumpri o meu castigo, sem pecado,

até seu pai ordenar seu casamento,

quando senti genial pressentimento

de que minha cura em você havia encontrado.”

“Mas já me encontro há três meses do seu lado,

sem que a moléstia sofra impedimento;

de amor eu sinto por você o sentimento...”

“Tenho certeza de que não foi trocado...”

“Se fosse assim, a sua voracidade

desde seu berço se acharia manifesta

e não no ano de sua maioridade...”

“Mas a sua esperança é verdadeira

e contra ela nada mais contesta,

que encontrarei a sua cura na verdade!...”

A FORTUNA DE MAYA I – 27 SET 2016

Um dia chegaram junto a um formigueiro.

Disse Govinda: “Perto estamos de Avantiya;

vamos dar volta, pois nunca pretendia

retornar a meu antigo paradeiro...”

“Está certo,” disse Maya. “Mas primeiro

precisas descansar.” A vasta fome persistia...

“Vou à cidade, a vender joia que trazia;

deite-se ali, pois retorno bem ligeiro...”

Maya vendeu seu bracelete de ouro

por muitas rúpias e comprou comida;

quando voltou, encontrou-o adormecido...

Parou um pouco longe. Bom agouro

que ao sono permissão desse acolhida...

Sentou-se a vinte passos, sem ruído...

Mas de repente, para seu total espanto,

abriu-se a boca do Govinda adormecido;

ela julgou ter um ressonar ouvido,

mas língua negra apareceu num canto...

Logo viu mamba, com seu negro manto, (*)

se projetar, lançando olhar comprido

a seu redor, mas sem tê-la percebido,

com a língua o ar provando, no entretanto...

(*) Cobra negra semelhante à jiboia, que mata por compressão.

Logo a seguir, o réptil se esticou,

saindo inteiramente para fora,

quando engordou desmesuradamente...

Do formigueiro outra mamba se lançou,

porém sem engordar na mesma hora,

fitando a outra com seu olhar dolente...

E como a língua das cobras compreendia,

seus silvos todos ela interpretou:

“Seu patife! Até que enfim se apresentou!

Está tão gordo que mal o conhecia...”

“Mas como ousou fazer tal mesquinharia?

em hospedeiro esse jovem transformou

e o que comia quase tudo devorou,

nos anos tristes em que a mendigar seguia!’

“Você é mais mesquinho que uma enguia!

Até uma lesma sua nutrição procura,

mas você se transformou num parasita!...”

“Não se envergonha da maldade que fazia?

Em breve morre esse rapaz e a sinecura, (*)

irá perder, quando na pira o fogo o agita!...” (+)

(*) Emprego bem pago sem qualquer trabalho ou obrigação.

(+) Na Índia é costume cremar os mortos.

“Ora, Mamãe, como pode me acusar?

Sei que você amealhou grande tesouro,

e o armazenou sem o menor decoro,

nessa cova em que gosta de morar!...

Diariamente essas formigas a matar,

sem conseguir estufar nunca o seu couro;

está esquelética para seu desdouro,

das formigas o extermínio a provocar!”

“Que tem você a ver? Bem podia partilhar!

Causei a morte de muitos viandantes,

comi sua carne e armazenei seus bens!”

“Esse é das mambas o direito milenar!

A minha função ainda cumpro como dantes

meu tesouro tem valor e nada tens!”

A FORTUNA DE MAYA II

“Tu te contentas em te locupletar

até a morte de teu pobre hospedeiro;

as minhas vítimas eu caço bem ligeiro,

tal não faria deixando-me engordar!”

“Tu deverias era me acompanhar,

um viajante a engolir inteiro,

por mais de mês a digerir primeiro

antes de um outro precisar matar!...”

“Querida mãe, essa é bem maior vileza

dessa que eu fiz durante cinco anos:

meu hospedeiro está magro, mas saudável.”

“O que a senhora sente é avareza:

quer é aumentar o seu tesouro sem enganos,

para enroscada dormir sono inefável!...”

“Não passas de um ingrato. Pois vou te delatar

ao primeiro ser humano que apareça

que um punhado de mostarda negra peça,

para na boca desse príncipe jogar!...”

“Não somente isso o faria vomitar,

mas no momento que para o solo desça,

sua barriga maior ainda cresça

e por sua gula finalmente vá estourar!”

“Pois eu mesmo à princesa vou contar,

no momento em que ela retornar,

como minha própria vingança ela consagre!”

“Basta que vá no formigueiro derramar,

pelas alças firmemente a segurar,

uma panela fervente de vinagre!...”

Mãe e filho continuaram a discutir,

Porém Maya não quis saber mais nada!

À cidade retornou, bem apressada,

para a mostarda negra adquirir

e um panelão de vinagre conseguir...

Ao ver a discussão já terminada,

uma fogueira acendeu, tranquilizada,

logo o vinagre fervendo de ebulir!...

E agarrando pelas alças, com cuidado,

as duas mãos por panos protegidas,

no formigueiro o derramou inteiramente!

Triste assobio a escutar, depois chiado;

e de Govinda, as comissuras separadas, (*)

de mostarda encheu-lhe a boca incontinenti!

(*) Os cantos da boca.

Os resultados não se fizeram esperar:

as duas cobras saíram, estrebuchando,

com seu cajado a morte enfim lhes dando,

vendo Govinda calmamente despertar!...

“Maya, querida, será que estou a sonhar?

Sinto minha fome totalmente dissipada!...”

“Não, amor meu, sua doença foi curada;

se está forte, venha agora me ajudar...”

Com os dois cajados abriram o formigueiro

e ali encontraram um tesouro incalculável,

que até as formigas ajudaram a retirar.

E agradecidas, repartiram bem ligeiro

de cada mamba seu cadáver execrável,

com tantos restos o formigueiro a prosperar...

EPÍLOGO

Uma carroça compraram, pondo nela

os sacos em que guardaram a fortuna,

logo chegando até Avantiya, a bela,

sendo Govinda acolhido com festejos;

Maya, orgulhosa, em tal festa se apruma,

Com o marido a comentar, em alegria:

“Enfim eu tive o quanto merecia!...”

Porém em Sravasta, o rei Mandhara

Madry casara com um jovem nobre,

sendo avarento, a lhe dar pequeno dote,

do qual o noivo nada reclamara;

mas certa noite, o genro lhe recobre

o rosto, após lhe dar felino bote,

para seu trono herdar, como queria:

Teve Mandhara assim o quanto merecia!

O PANELÃO DE ARROZ I – 28 SET 16

Em Benares, jovem brâmane vivia,

cujo nome era Savarakipana,

que mau agouro desde o berço lhe proclama:

“Nasceu para ser pobre” é o que dizia!...

Sendo um brâmane, realmente não podia

o solo cultivar; somente a chama

da cultura ou religião em vasta gama:

trabalho físico a lei não lhe permitia!

Desde modo, passava fome algumas vezes;

mesmo esmolar também lhe era proibido,

embora em bela casa ele morasse;

mas muitas vezes se passavam meses

sem um donativo que lhe fosse oferecido,

embora dos pais belas vestes ainda usasse.

Certo dia, tendo servido de juiz

numa querela entre dois camponeses,

sem que cobrar pudesse a seus fregueses,

um panelão de arroz um deles quis

lhe trazer como presente, porque diz:

“O outro juiz prejudicou-me algumas vezes;

aqui tendes o que comer por vários meses.

Vazio notei lhe estar o almofariz...” (*)

(*) Recipiente em que se mói cereal com um pilão.

Comovido, agradeceu Savarakipana,

que não podia receber dinheiro

por suas decisões de mais ninguém.

E o panelão pendurou sobre sua cama,

seu conteúdo praticamente inteiro,

depois de bela refeição fazer também!...

É que em sua casa se abrira um formigueiro

e como ele à Ahimsa obedecesse, (*)

não as podia matar, pois mais sofresse

desses insetos o roubo costumeiro.

(*) A doutrina da não-violência: matar nunca!

Mas sobre a cama o panelão inteiro

estava protegido o mais que desse,

que alimentá-lo assim muito pudesse,

sem que as formigas o furtassem bem ligeiro!

E nessa noite, sua reserva contemplando,

o pobre brâmane não parava de pensar:

Se fome em meu país reinasse agora,

muitos viriam... e meu arroz comprando,

no mínimo cem rúpias iria juntar

e cabra e bode compraria sem demora!

sem recordar que, caso houvesse fome,

as cabras custariam bem mais caro...

Com os cabritos, teria rebanho a meu reparo,

sem precisar trabalhar, que capim come...

Com o dinheiro que tal venda logo some,

vaca e touro compraria com bom faro

e com os bezerros, um animal mais raro,

dois zebus em compraria, que outro dome...

E com as crias dos zebus, eu compraria

uma parelha de dois lindos cavalos,

que certamente me dariam bons potrilhos;

então os belos cavalinhos venderia,

gordos e fortes depois de bem tratá-los,

o dinheiro a me chegar em ricos trilhos...

O PANELÃO DE ARROZ II

Naturalmente, como ainda sou juiz,

continuaria recebendo donativos

dessas partes com rendimentos mais ativos,

agradecendo as decisões que então fiz.

Não sou juiz venal, como se diz,

apenas sugestões faria aos divos (*)

que alguns presentes aceitaria mais vivos,

sem recusar quando alguém me ajudar quis...

(*) Ricos.

Enquanto isso, me crescia a cavalhada

e poderia contratar um empregado,

que bom de fato fosse um tratador...

Minha fortuna assim bem encaminhada,

talvez escrava já tivesse do meu lado,

submissa e gentil ao seu senhor...

Meus cavalos colocaria nas corridas

e bons prêmios depressa ganharia;

dos vencedores, quando houvesse cria,

as venderia a pessoas bem supridas...

Esta casa eu herdei, que há tantas vidas

aos meus antepassados pertencia;

porém há anos seus móveis já vendia,

minhas refeições pelas vendas conseguidas...

Estando então já bem mais remediado,

de novo compraria o mobiliário

e alguns tapetes de cores bem vistosas

e poderia contratar outro empregado

de religião diferente, sem que tal santuário

matar proibisse essas formigas perniciosas!

Já tendo a casa bem limpa e adornada,

convidaria o Vice-Rei para jantar,

com minha nova riqueza a impressionar,

bela amizade então seria iniciada...

Muita causa me seria encaminhada,

os donativos chegando sem parar

e finalmente, eu poderia desposar

a sua filha e herdeira mais amada!...

Um magnífico dote ela traria

e logo teríamos um saudável filho,

que Saramasaman se chamaria...

Por seu avô ele seria protegido,

da carreira militar seguindo o trilho

e com os saques se enriqueceria...

Nesse momento, seu joelho levantou!

Seu panelão de arroz se balançou!

A corda velha num instante rebentou!

E todo o arroz pelo solo se espalhou!...

Savarakipana ergueu-se à toda pressa,

mas tudo em vão! Milhares de formigas,

já de há muito suas juradas inimigas,

o arroz levaram ainda mais depressa!

O pobre brâmane olhou os cacos da panela,

sem grão de arroz sequer sobre sua cama,

nem sobre a colcha velha que a cobria!...

Partido o sonho por sua má estrela,

a lamentar-se assim Savarakipana:

Nome bem triste! Nasci para ser pobre!