O ALFAIATE VALENTE

O ALFAIATE VALENTE

(Folclore alemão, versão portuguesa de Viriato Padilha, recontado

em versos por WILLIAM LAGOS, 31 out 13.)

O ALFAIATE VALENTE I

Era uma vez um alfaiate, que se chamava Ruy;

trabalhava noite e dia e era muito habilidoso,

bastante conhecido e com vasta freguesia

(nesse tempo não havia ainda máquina de costura)!

Conheço essa cidade, que lá em sonho eu fui

e o alfaiate encontrei, era bastante caprichoso,

cada peça feita a mão, com grande formosura,

que agulha e linha firme por gola e cós corria!...

Um dia, estava ele sentado sobre a mesa,

conforme era costume em séculos passados,

casaco a completar, com pontos cuidadosos,

quando escutou na rua a voz de vendedora

“Creme de leite novo!... Não vai querer, freguesa?”

anunciava a boa mulher. “São potes bem pesados!”

Chegou Ruy à janela e ao ver essa senhora,

logo lhe apeteceram os cremes saborosos...

“Aqui, minha senhora, venha até minha oficina!”

E subiu-lhe os degraus a forte vendedora,

o cesto sobraçando com potes numerosos,

as tampas de bom vidro, mas cada pote argila.

Sem pressa, o alfaiate fez sua escolha fina:

para cheirar os potes levou mais de meia-hora!

Querendo enfiar o dedo, pôs os potes numa fila

e a mulher não quis deixar, os dois quase furiosos!

Depois de pensar muito, finalmente decidiu:

“Este é o melhor dos potes. Quero duas colheradas!”

“O quê?” – disse a mulher – “Só vendo o pote inteiro!”

Mas Ruy enfiou o dedo, para a compra garantir...

Trouxe uma canequinha que no armário descobriu

e a pobre vendedora mediu-as, compassadas;

o preço ainda precisou com o alfaiate discutir,

cuidadoso com despesas, mesmo sendo ainda solteiro...

O ALFAIATE VALENTE II

A infeliz vendedora foi-se embora, resmungando,

enquanto o alfaiate desfazia do produto,

como fazer costuma um bom pechinchador!

De Ruy todo o trabalho era de boa qualidade,

porém os pagamentos os clientes iam adiando...

Desculpas por dois meses eu quase sempre escuto!

A clientela me chega até de outra cidade,

gasto com pano e linha e espero que é um horror!

Mas assim que a vendedora pelas costas ele viu,

que o alimento era bom ele logo reconhecera

e se ajoelhou depressa, a Deus agradecendo,

que o creme o abençoasse com força e mais vigor!

Então seu armarinho mais uma vez abriu,

pegou um naco de pão duro que já amanhecera:

era resto da antevéspera, com um tantinho de bolor,

mas pelo menos fome não estaria padecendo!

Cortou o naco ao meio e o creme foi passando.

Vou deixar repousar para ir amolecendo...

Primeiro vou acabar de costurar este casaco...

Subiu de novo ao tampo, conforme seu costume

e muito calmamente foi o pano costurando...

Mas o odor do creme no ar foi recendendo

e chegaram muitas moscas atrás desse perfume,

cobrindo devagar o creme e todo o naco!...

Então, o alfaiate, seu casaco completado,

desceu de novo ao chão e a roupa pendurou

num prego da parede, que era o seu cabide...

Mas nem com o movimento as moscas levantaram!

O pobre Ruy, coitado, ficou horrorizado:

“Malditas moscas! Quem foi que as convidou?”

Passou a mão por cima e elas adejaram,

mas seu pouso outra vez direto ao pão incide!

O ALFAIATE VALENTE III

Sem querer estragar o creme e sua comida,

as moscas a voltar, apesar de sua insistência,

um pano ele agarrou de dentro da gaveta;

levantou depressa o pão, mas pousaram no seu prato!

Com um golpe do seu trapo, levou-as de vencida!

Tem bicho que só entende a voz da violência!

Pois é assim que eu faço, dou um golpe e mato!

Talvez alguma aprenda e comigo não se meta!...

As moscas levantaram, em grande revoada

e Ruy, bem satisfeito, pôs-se a comer seu pão...

Depois, limpando a boca, o prato foi lavar:

havia sete moscas de patas estendidas!

Mas olhe só!... Parecia não ser nada,

mas eu sou realmente um grande valentão!

Com uma só batida, acabei com sete vidas!

Uma façanha dessas não vou deixar passar!...

E para que soubessem de sua grande valentia,

pegou um resto de pano que tinha na gaveta,

uma legenda bordando com seda bem dourada:

MATEI SETE DE UM GOLPE! Sentia-se guerreiro;

uma faixa na cintura logo depois prendia;

foi levar o casaco, mas com a missão secreta

de à vila inteira então mostrar-se bem faceiro,

a faixa colorida na barriga atravessada!...

Recebido o casaco, ficou o cliente satisfeito:

“Venha cobrar mês que vem! Gostei do seu trabalho!

Vou encomendar colete para o Dia de Natal!...”

Ficou desapontado por não receber nada...

O trabalho que faço reconhecem ser perfeito,

mas custam a pagar e nada eu amealho!...

Metade é para o pano e forro destinada,

tenho de comer fiado e assim eu passo mal!

O ALFAIATE VALENTE IV

Mas sou baixo e franzino e aqui não me respeitam!

Foram sete de um só golpe! A todos mostrar vou!

E andava pelas ruas, vaidoso a se exibir...

“Sete pontos de uma vez? Assim vai descosturar!...”

dizia o povo da vila. Mas eles nem suspeitam

que sete de um golpe eu realmente fui matar!...

Não me merece essa gente! Vou depressa me mudar

e minha fama é na cidade que haverá de reluzir!...

Procurou pela oficina um farnel para a viagem,

porém só encontrou pequeno e velho queijo;

abriu uma gaiola e pegou um canarinho,

meteu os dois no bolso, outras roupas pôs num saco.

Foi até a mercearia e disse, com coragem,

que iria viajar, talvez por longo ensejo;

que cobrassem sua conta do dono do casaco:

fizera a obra inteira com o máximo carinho!...

“Olhe só, sete de um golpe!” – troçou o merceeiro.

“Tirou sete fiapos de cima de sua mesa?”

O alfaiate até então lhe pagara fielmente

e achou que ia à cidade comprar mais material;

mas antes que pedisse um farnel, falou ligeiro:

“Seu Ruy, meu amiguinho, lhe digo com certeza,

sete cobres de um golpe não me fariam mal

para acertar comigo a continha finalmente...”

Seguiu o alfaiate pela estrada, empertigado,

até que se encontrou na próxima cidade...

Mas ninguém levou-lhe a sério a faixa na cintura;

mesmo sendo conhecido, ninguém lhe deu emprego.

“Sete de um golpe? Ora, Ruy, seu abusado,

foram cravos que espremeu de seu nariz, verdade?”

“Sete voltas deu na linha para fazer nó cego?”

“Ou mentiu sete vezes em uma só aventura...?”

O ALFAIATE VALENTE V

Tampouco aqui ninguém me dá valor!

pensou o pobre Ruy, desapontado.

Vou correr mundo e hei de achar lugar

em que meu mérito será reconhecido!...

E abandonando a cidade, em seu ardor,

seguiu caminho, ainda entusiasmado;

e após uma montanha ter subido,

encontrou um gigante a cochilar...

Pensou primeiro que fosse só um rochedo

e encostou-se do seu lado, a descansar...

Sentia fome e não tinha o que comer...

Mas, de repente, o gigante se acordou

e o alfaiate ficou louco de medo!...

“Camaradinha, eu vou te devorar!...”

“Você não faz ideia de quem sou!...”

disse o alfaiate, seu terror a esconder.

Mostrou-lhe a faixa que trazia na cintura.

“Matei Sete de um Golpe!” – proclamava.

“E que me importa se mataste essa gentinha?

Pelo que vejo, não tens porrete ou espada!”

Ruy assumiu com arrogância uma postura:

“Não necessito de gládio e nem de clava!

Tenho minha força e não preciso de mais nada!”

“Força tens tu, com essa figurinha...?”

O gigante caiu logo em vasta gargalhada:

“Veja se podes fazer algo parecido!”

Pegou uma pedra do chão e apertou-a bem:

a pedra esmigalhou e pronto virou poeira!...

Porém Ruy conseguiu se livrar da trapalhada:

lembrou do queijo velho que no bolso havia trazido;

pegou e apertou, correu soro em pingadeira:

“Veja se pode fazer isto também!...”

O ALFAIATE VALENTE VI

“Bem, tirar água da pedra eu não consigo,

mas outra eu jogo na maior distância!...”

E de fato, outra pedra ele lançou;

caiu bem longe, quase que invisível...

Lembrou-se Ruy do canarinho seu amigo

e o tirou de seu bolso sem tardança.

“Ficar no ar a sua pedrinha é impossível,

mas veja a minha, está lá em cima e até voou!...

Ficou o gigante muito impressionado

e não quis mais atacar o adversário,

porém disse: “Quero ver ser levas peso

do mesmo modo que o jogas à distância.

E se achegou a um carvalho derrubado.

“Para a fogueira da caverna é necessário,

Portanto, ajuda-me a levar, mostra constância.”

“Tudo bem,” disse o alfaiate, muito teso.

“Pegue o tronco você, que é menos pesado...

Fico com os galhos e mais toda a ramada!”

O gigante concordou e ergueu fácil o lenho;

O alfaiate, ao contrário, sentou numa forquilha!

Foi o peso inteiro assim pelo gigante carregado

e mais o do alfaiate, que não pesava quase nada...

Mas já perto do final da árdua e longa trilha,

falou o gigante, com dor franzindo o cenho:

“Eu não aguento mais! Vou descansar!”

E o alfaiate pulou depressa ao chão...

Viu o gigante que não estava nem suado

e o esperto Ruy ainda troçou do companheiro:

“Para o corpo que tens, não tens força de espantar!”

Virou o tronco o gigante num único puxão:

“Agora, eu pego as ramas!...” E bem ligeiro,

sem se dar conta, deu-lhe as costas, descuidado.

O ALFAIATE VALENTE VII

De novo atrás, Ruy nas raízes se agarrou...

Pobre gigante! Para trás nunca ele olhava!

E então chegaram na boca da caverna...

“Não queres frutas?” – indagou o gigante.

De cerejeira um galho ele curvou;

quando o soltou, de um golpe, Ruy voava!...

“Mas o que é isso, para pegar não és possante?

É só um galhinho? Não tens força nessa perna?”

Mas Ruy falou: “Você não ouviu o tiroteio?

Para este lado está atirando um caçador!

Pulei na árvore para escapar da bala!...

Pule depressa aqui para o meu lado!...”

O gigante tentou, sem achar meio;

muito alta a copa para o seu valor...

“Meu pobre amigo, já vi que está cansado!”

O gigante, bem confuso, então se cala...

Dentro em breve, vieram outros três gigantes,

trazendo quatro ovelhas e umas perdizes...

Explicou-lhes o primeiro a situação

e disse Ruy que uma perdiz só lhe bastava,

que não comia mais igual que dantes...

Quando em batalha, sim, pedia bises,

pois muito mais energia então gastava,

seus inimigos a matar de sopetão!...

“Matei Sete de um Golpe!” – disse ele,

mostrando a faixa que trazia na cintura

e os gigantes, preocupados, se entreolhavam...

Após jantarem, uma cama mostrou o primeiro

E Ruy escutou todos quatro a falar dele

e se enfiou contra a parede em uma fissura,

pondo sob o cobertor o travesseiro,

pois os cochichos suspeitou que o ameaçavam!...

O ALFAIATE VALENTE VIII

À meia-noite, achando que dormia,

os gigantes, armados de bastões,

o travesseiro surraram sem piedade,

pensando assim se livrarem do perigo...

Mas no outro dia, ao verem que saía,

completamente ileso e sem rasgões,

fugiram dele, qual de feroz inimigo,

temendo que os matasse de verdade!

Saindo da floresta, finalmente,

saciou-se Ruy com as frutas de um pomar

e se deitou à beira de uma estrada.

SETE DE UM GOLPE! – proclamava sua cintura;

causou a faixa medo em muito gente

que esse caminho andava a palmilhar...

Ao rei foram dizer que estranha criatura

chegara ao reino, um guerreiro de nomeada!

Após ser avisado, o rei achou melhor

convidá-lo a em seu exército engajar.

Ruy aceitou a proposta de imediato

e entrou na tropa já como capitão.

Mas os oficiais acharam bem pior:

“Não poderemos com esse homem disputar,

Caso surja uma briga ou discussão:

Sete de nós matará, sem espalhafato!...”

Foram então juntos se apresentar ao rei

E lhe pediram dispensa do serviço:

“É perigoso demais o forasteiro!...”

Não quis o rei ficar sem os oficiais

e lhes falou que estudaria a lei,

para arranjar outra função ao tal noviço,

em qualquer posto separado dos demais,

uma armadilha a lhe aprontar ligeiro!...

O ALFAIATE VALENTE IX

Pois tinha medo de mandá-lo embora:

vá que o matasse e roubasse sua coroa!

Então chamou o alfaiate à sua presença

e lhe falou de um bando de gigantes

que assolava seu reino à toda hora:

caso os matasse, seria coisa boa!...

“Estou disposto, pois já os enfrentei antes

e se esconderam de mim na mata densa!...”

“Mas que recebo em troca da tarefa

que a seu reino trará tanto benefício?”

“Eu lhe darei minha filha em casamento

e como dote, de minhas terras a metade...”

Apresentaram a Ruy Dona Josefa,

que era baixinha e feia como o vício!

Também sou baixo e a passar necessidade

e essas terras me darão bom provimento!”

Então o rei lhe destacou cem cavaleiros;

mas chegados à orla da floresta,

Ruy lhes disse que por ele ali aguardassem,

que ele sozinho daria conta dos gigantes!

Os soldados concordaram, bem ligeiros,

que monstros enfrentar não era festa!

Deixou o cavalo e a pé seguiu, como dantes,

Espada e um saco já eram armas que bastassem!

“Se dentro de três dias eu não voltar,

é que morri no meio dessa luta...

Mas em breve vocês terão notícias minhas!

Matei Sete de um Golpe! Eram menores...

Porém já pude esses gigantes assustar,

só tem tamanho, são covardes na conduta!

Por qualquer coisa, já se enchem de temores,

tremem de medo do pio das avezinhas...”

O ALFAIATE VALENTE X

Ruy foi encher com pedras o seu saco,

seixos rolados recolhidos de um ribeiro

e entrou na mata sem fazer agitação,

encontrando os gigantes adormecidos;

virou do avesso as calças e o casaco,

que tinham forro das cores de um pinheiro

erguido acima dos gigantes encolhidos;

subiu-lhe à copa com toda a precaução.

Tão logo lá em cima se instalou,

abriu o saco e começou a jogar

as suas pedras na barriga dos gigantes;

logo um se acordou e protestou:

“Ugarto, por que essa pedra me jogou?”

“Mas não fui eu! Decerto é o Ugomar!”

“Eu que não fui! Não foi o Ugogou?”

“Nem eu fiz nada! Tá louqueando, ó Ugolantes?”

Ora, o golpe nenhum deles assumiu

e resmungando, voltaram a dormir.

Ruy jogou noutro, direto na cabeça!

“Ugolantes, por que a pedra me jogaste?”

“Tava dormindo, Ugarto, tu não viu?”

“Ugomar, és tu que estás a me iludir?”

“Ugogou, essa pedra me atiraste...?”

“Tá doido, Ugarto, não me prega peça!”

Mas assim que todos quatro se acalmaram,

Ruy jogou mais um pedra no terceiro.

Foi nova briga e custaram a parar,

ameaçando pontapés e bofetadas...

Ruy esperou até que cochilaram

e neles esvaziou o saco inteiro!...

Desta vez, não ficou em brigalhadas,

já começaram os quatro a se soquear!...

O ALFAIATE VALENTE XI

E logo usavam clavas e porretes,

sangue jorrando de múltiplas feridas!

Já um deles arrancou uma aveleira,

para quebrar a cabeça de um colega!

As folhas revoavam em confetes;

outras puxaram, em fúrias incontidas;

morreu primeiro um nessa refrega,

depois um outro, depois a turma inteira!...

Ruy pulou bem depressa para o chão,

para cravar nos gigantes a sua espada

e com cuidado, cortou cada pescoço;

com a roupa toda ensanguentada ele ficou!

Os soldados escutaram o barulhão,

mas não tiveram coragem para nada,

até que mata a fora ele marchou:

“Já terminei com todo esse retoço!...”

“Agora venham, não há mais perigo,

que os gigantes é preciso carregar;

os bandidos até árvores arrancaram,

mas eu sou ágil e nunca me atingiram!...

Um a um, fui destruindo o inimigo,

deixando uma sangueira de assustar!

Só tive medo quando quase me fugiram,

mas meus golpes todos quatro derrubaram!”

“Mas, e o senhor? Não está muito ferido?”

“Nem um só fio de cabelo me arrancaram!”

Entraram pela mata os cavaleiros

e amarraram com cordas os gigantes;

já arrastar foi um trabalho bem sofrido,

mas vinte deles a cada um puxaram!...

À capital retornaram, triunfantes,

Ruy aceitando como chefe esses guerreiros!

O ALFAIATE VALENTE XII

Mas quando Ruy reclamou sua recompensa,

naturalmente tendo medo de negar

(quatro gigantes expostos numa praça!)

impôs-lhe o rei uma segunda condição.

“Preciso antes que você me vença

um javali que se encontra a devastar

dos camponeses cada plantação!

Mate-me o bicho, por favor, faz-me uma graça!”

Levou consigo vinte batedores

e uma matilha de cachorros bravos,

para expulsar o javali das plantações,

até o encurralar em uma ravina...

Ruy então dispensou os caçadores,

levou consigo uma alavanca e vários cravos,

deixando a tropa à entrada, em malha fina,

enquanto ele galgava os barrancões.

O javali se acoitara bem no fundo;

Ruy derrubou um penhasco com a alavanca

e com os cravos soltou pedra em saraivada,

ficando o bicho totalmente preso;

chegou por cima e deu-lhe um talho bem profundo,

como agulha em roupa grossa, de retranca,

Saiu depois de dentro, todo teso,

levando a língua na ponta de sua espada!

Fizeram aclamação os caçadores;

foram as pedras da ravina retirar,

louvando muito a esperteza do rapaz,

porque na caça o que importa é o resultado,

não é preciso duelar feito os senhores,

mas a presa simplesmente derrubar!

Pelos campônios foi Ruy muito louvado,

como sendo protetor e muito audaz!

O ALFAIATE VALENTE XIII

Mas quando foi pedir sua recompensa,

o rei impôs-lhe terceira condição:

“Há um unicórnio a devastar toda a região:

Vá e me traga o chifre dessa fera!...”

Mas desta vez, mais o alfaiate pensa,

pedindo ao rei uma audiência em solidão,

quando indagou se a princesa ainda era

uma donzela, como reza a tradição...

Que um unicórnio se submete a uma donzela!

Mas o rei confessou que era viúva,

seus dois maridos mortos em combate...

“Ora, que pena! Mas sempre há outra solução.

Mesmo viúva, para mim sua filha é bela

e o casamento me servirá como uma luva...

Porém me jure que não há quarta condição!”

Envergonhado, o rei jura e não se abate...

O alfaiate levou corda e um machado,

e pediu mais uma serra aos caçadores;

então na mata novamente se embrenhou:

quando o unicórnio avistou, correu-lhe à frente,

para depressa dar um salto para o lado!

O chifre se enterrou, com mil tremores,

em uma árvore de tronco bem potente;

por mais que o bicho se esforçasse, não soltou!

Ruy serrou-lhe então o chifre, calmamente,

e sem o corno, o unicórnio se amansou;

os caçadores o levaram a cabresto,

enquanto Ruy, com o machado, foi cortando

o tronco, até a aspa, inteiramente

retirar e nem a ponta lhe quebrou!

O animal foi ao rei apresentado,

num resultado que lhe foi meio indigesto!

O ALFAIATE VALENTE XIV

Foi assim celebrado o casamento,

mas o rei não queria as terras dar!

Mandou à filha que deixasse o quarto aberto:

“Faça um sinal depois que ele adormeceu!

Os meus guardas irão aí nesse momento

e do teu noivo vão depressa te livrar!”

Chorou a princesa, porém obedeceu;

mas um soldado ouviu, que estava perto...

E igual que os outros, mais os caçadores,

os camponeses e até muito cidadão,

aprendera a respeitar esse guerreiro,

sem saber que era, de fato, um alfaiate!

Contou a Ruy que escutara os tais rumores;

Ruy viu nos olhos da princesa compaixão;

seu coração, porém, em nada se abate

e só fingiu adormecer, ligeiro...

Quando o barulho escutou no corredor,

falou bem alto, como tendo um pesadelo:

“Anda, rapaz, a hora está avançada!

Degolei bem depressa um javali,

Matei Sete de um Golpe, sem temor,

quatro gigantes, um unicórnio em pelo;

sete homens estão vindo para aqui,

bem fácil presa para a minha espada!...”

Tiveram os guardas medo de enfrentá-lo

e a princesa correu a fechar a porta...

O rei tentou espancar os seus soldados,

que, revoltados, abateram o rei malvado!

Buscaram Ruy e como rei foram aclamá-lo,

com toda a honra que a dinastia comporta.

O casamento dos dois foi abençoado

E muitos filhos tiveram, muito amados!...

EPÍLOGO

Mas mesmo sendo um reino bem pequeno,

Ruy trouxe a paz e justiça fez também;

Dona Josefa lhe confessara o plano,

porém Dom Ruy importância não lhe deu

e respondeu-lhe, com o olhar sereno:

“Tudo está bem, quando tudo acaba bem!...”

Só as moscas sabem o que de fato aconteceu,

sem denunciarem esse bravo soberano!...