Felídeos Aprendendo com a vida

Existe um lugar no mundo diferente de tudo o que se pode imaginar. Um lugar livre para fazer o que quiser. Não tem nome, apenas descrevo como terra dos felídeos.

Foi onde nasci ao lado de meu irmão Kimu.

Meu nome é Wailly e essa é a minha história e começa aqui, neste mundo verdejante de folhagens e águas cristalinas, contada apenas por uma lágrima caída do passado obscuro de minha vida, no qual eu me lembrarei pelo resto da vida o erro que cometi.

Era uma linda manhã de sol. O vento soprava forte em nossos pelos sedosos e lisos e levava consigo as sementes das árvores para brotar nova vida em outros lugares.

Nossas casas eram tocas dentro de troncos velhos das árvores já então caídas sem vidas. Nossas mães enfeitavam as entradas com folhas e o mato ajudava, crescendo em volta com bastante precisão.

Nós felídeos, éramos de três tipos: os mais peludos de orelhas cortadas, os menos peludos listrados coloridos e os velozes peludos de manchas. Eu era um tipo raro, albino de olhos verdes com algumas manchas pretas pelo corpo e um dourado na cabeça e no dorso. Certamente, cada um de nós fomos feitos para possíveis tarefas. Eu me tornaria rei ao lado de meu irmão gêmeo kimu.

Kimu não era albino como eu. Ele era marrom com manchas pretas e olhos azuis. E o rei Apollo parecia gostar muito mais dele do que de mim, embora Kimu e eu fossemos seus filhos. Quando eu não estava com meu irmão os dois estavam juntos conversando alguma coisa sobre o reino. Às vezes não me sentia bem ao vê-los. Então mamãe Zelda chegava ao meu lado, carinhosa e me consolava.

- Não chore querido. Estou aqui. – Ela era tão linda, dourada de olhos azuis e a melhor mãe do mundo.

- O que aconteceu para que você ficasse assim tão infeliz?

- Meu pai. Ele não gosta de mim não é?

- Isto não é verdade. Ele ama você e Kimu. Tudo o que tem a fazer é chegar mais perto dele. Vocês são tão distantes um do outro...

- Mas e se ele não quiser? E se eu não for bom para ser rei?

- Você será um bom rei querido. Seu pai vai coroar vocês dois não se preocupem com isso agora. Divirta-se com os seus amigos por ai. O tempo passa depressa e se não aproveitar enquanto é filhote, irá se arrepender no futuro.

- Está bem mamãe, não vou mais falar nisso.

Eu entendi o que ela quis dizer, e tirei da minha cabeça aquele medo de não ser rei e do papai não gostar de mim. Era ridículo pensar nisso.

Em uma noite quente, Kimu e eu fomos para perto de um lago. Chegando lá encontramos três irmãos. Um era cinza, o outro preto e terceiro era dourado. Eles correram em nossa direção feliz.

- Olá! Nós somos Ed, Colin e eu sou But. Moramos por aqui. E vocês quem são?

- Eu sou Wailly e este é o meu irmão Kimu.

- Os futuros reis? Nossa!

- O que foi? - Eu fitei os três felídeos, que nos olhavam medonhos.

- Acontece que, não podemos nos misturar. Eu e meus irmãos não podemos brincar com vocês.

- Porque não? – Disse Kimu.

- Porque o rei não deixa.

- Mas nós somos príncipes e vocês podem brincar conosco.

Kimu estava autoritário. E eu também. Ainda éramos filhotes e não entediamos as regras de nosso reino. E porque não podíamos fazer amizade com outros felídeos vindos de longe de nosso reino.

Brincamos por muito tempo no lago, nadamos e comemos frutos das arvores e nos empanturramos com os peixes. Mas foi só até eu sentir um cheiro conhecido. Meu olfato era esplêndido. Poderia sentir qualquer cheiro carregado pelo vento á uma grande distância. E Kimu não tinha esse benefício. Ele só escutava melhor do que eu.

O rei estava furioso e vinha ao nosso encontro.

Os três irmãos se encolheram de medo, um colado no outro, tremendo.

- Vocês aqui de novo? Sabem que são de outro reino, não podem vir em no meu território.

- Sim. Nós sabemos senhor.

- Senhor? Tem que me chamar de vossa majestade!

Mas antes que o rei fosse para cima dos filhotes outro bando de felídeos cinzentos apareceu. O rei Mony. Era nosso tio exilado pelo seu próprio irmão. Construiu o seu reino longe do nosso.

- Você? Rugiu o rei Apollo.

- Oi maninho. Prazer em revê-lo. Voltei para pegar meus filhos. E peguei você com as garras afiadas para matá-los.

- E eu mataria você também se fosse preciso.

O rei avançou com toda a sua raiva para Mony, seus olhos ardendo como o calor do sol. Mas eu entrei na frente e tentei impedi-lo.

- Não! Não vai machucar ninguém. Ele não fez nada para você. – Eu não percebi, quando parei na frente de meu pai sem ao menos pensar que estava errado. Um príncipe nunca deve desobedecer ao seu rei. E numa fração de segundos, fui atingido na cara por uma coisa cortante, que me fez um machucado merecido. Meu pai me feriu. Eu me abaixei temendo outra patada. Mony rugiu para Kolle:

- Eu nunca pensei que você fosse capaz de machucar seus filhos. Eu já devia saber o quanto você é selvagem, um monstro!

- Saia daqui, antes que eu acabe com você Mony.

- Como quiser majestade.

Mony deu meia volta com o seu bando e sumiu pela floresta adentro.

O rei nos levou para casa. Kimu ficou ao meu lado me ajudado a andar, pois meu olho doía muito e acabei ficando tonto.

Mamãe se assustou a me ver ferido daquele jeito. Eu fui parar em seus braços maternos e acolhedores.

À noite pude ver Apollo e Zelda entrando em uma briga, não daquelas em que a gente vê sangue... Foi apenas uma discussão. Kimu me culpou por isso, mas eu não me importei com os rugidos ferozes dele.

- Está vendo o que você fez? Tudo isso é sua culpa! Se ficasse pelo menos uma vez quieto... Mas não sabe. Nunca será rei assim. Só eu porque sou bom e obedeço a papai.

- Sim, ordens. È só o que sabe fazer. E começamos a brigar feio. Nossos pais nos ouviram e nos separaram.

Foi o pior dia e a terrível noite que passei. Eu estava cansado do meu irmão e fiquei com raiva por ele ter me ferido ainda mais.

Todos os dias enquanto me recuperava da surra e ia caminhar, eu via papai conversando com Kimu. Eles estavam se divertindo tanto sozinhos e como sempre sem mim. Mas não ia ser por muito tempo. Eu tive uma idéia que ia fazer todos os meus problemas acabarem. Seria esta noite.

Fui até o reino dos cinzentos e sem que o rei Mony me visse, pedi ajuda aos seus súditos. Eles aceitaram a troco de quando eu fosse o rei lhe daria o melhor de comer. Claro eu aceitei e iria cumprir.

Na ultima noite quente de verão eu aproveitei para colocar meus planos em ação. Estava tudo certo. Agora era só torcer para dar tudo certo.

Andei pelo reino o dia todo para ver se encontrava Kimu. Consegui achá-lo no campo sozinho. Andei até ele e meio sem jeito...

- Me desculpe irmão. Sei que errei. Você pode me perdoar?

- Sim. Eu perdôo, mas não faça aquelas coisas mais... Pode prejudicar você. E eu também quero pedir desculpas por ontem.

- Tudo bem eu aceito suas desculpas. Agora, você quer andar comigo? Estamos a tantos dias brigados.

- Sim, eu vou.

Consegui convencer Kimu ir comigo para uma emboscada, que eu mesmo preparei. O lugar era bem longe, para que ninguém de nenhum reino nos conhecesse.

Quando chegamos, reconheci os felídeos, súditos que eu pedi para ajudar em meu plano. Eu fiz com que Kimu chegasse à linha do x. Justamente onde ele iria cair na armadilha. Tudo iria dar certo.

- Pronto! Eu rugi para que eles começassem o seu trabalho.

- Oras Kengi. Olhe só o que temos aqui. – Disse um dos súditos.

- O que? Não, esperem. Eu não fiz nada para vocês.

- Não. È verdade. Não a nós, mas ao seu irmão.

- Wailly, foi você. Armou tudo para mim. Como? Eu sou o seu irmão. Eu amo você.

- Acho que era o meu irmão... E não me venha com essa de amor, porque amor não significa nada!

- Peguem-no!

Eu estava explodindo de ódio pelo meu irmão. Nunca sentira isso na vida, mas eu não conseguia mais parar de pensar, que meu pai foi o culpado de tudo isso ao alegar que Kimu seria o rei de direito. E eu por ser tão brincalhão não teria essa chance.

Agora, só me restava esperar. Eu pude ver Kimu morrer de uma só vez. Ele ainda era filhote, assim como eu. Mas estávamos um pouco crescidos. Seus olhos azuis fitaram os meus antes de esmaecer. Como se agonizasse de dor e estivesse a me implorar para ajudá-lo. Eu não ajudei. Fiquei olhando cada minuto de seu ultimo dia como príncipe.

Depois voltei para o reino. Não o meu, mas o reino de Mony.

- Então, o que quer aqui meu jovem sobrinho?

- Quero fazer parte de seu reino.

- Por quê? Seu reino não é mais o mesmo?

- Não. Eu vou falar. Fiz uma coisa ruim.

- O que fez de tanto ruim?

- Armei uma armadilha para ele. E agora está morto.

- Eu não sei se posso deixar um assassino morando comigo em meu reino, mas você é da família, embora o seu pai tenha sido um tolo comigo... Tudo bem pode ficar. Mas que isso seja esquecido. Entendido?

- Sim vossa majestade.

Naquela noite caiu uma tempestade tremenda no reino de Morrow. E era a primeira chuva na vida que eu via. Tão assustadora e desafiante que eu temia. Sozinho, sem minha mãe, na toca da árvore sem a proteção materna eu não conseguia dormir. E não parava de pensar em Kimu. No seu olhar pedindo minha ajuda. Uma lágrima desceu daquele verde paraíso e um nó em meu estomago surgiu como se a lasca de uma madeira, ou espinho entranhassem cada vez mais fundo, até o coração.

Foram dias em que fiquei sem comer e beber. Estava quase morrendo. De angustia, arrependimento e ódio pelo ciúme bobo que tive de Kimu e papai. Este seria meu castigo, morrer assim isolado dentro da toca, morto de fome e sede. E não adiantariam que os outros me trouxessem comida, nada iria me levantar dali.

Foi quando um dia em que nevou que eu senti com muita dificuldade um cheiro bastante familiar. E cada vez se aproximava de minha toca.

Um hálito quente surgiu ali dentro e eu tentei abrir os olhos quase sem vida. Um som conhecido ecoou em minhas frágeis orelhas.

- Querido? Você está morrendo. Venha eu vou levá-lo.

Eu mal consegui ouvi-la. Sabia que era mamãe. E estava me tirando daquele lugar frio. Tentei rugir, falar alguma coisa, mas tudo o que consegui foi...

- Mãaae... Ki-muu... Ele...

- Eu sei querido, Mony me contou tudo. Agora nós iremos para casa. Vai superar isso.

Acordei depois de muito tempo. Eu havia perdido quase toda a minha vida. Agora estava virando um adolescente. E de volta ao meu reino com os meus pais. Já havia superado um pouco a dor, mas Kimu nunca mais sairia de minha memória. Apollo me pediu desculpas por tudo o que fez.

- Meu filho, eu nunca lhe dei um afeto, nunca lhe dei valor, nada que um filho gostaria que o pai fizesse por ele...

- Pai eu perdôo você. Todos nós erramos como mamãe me disse uma vez. E temos que concertar esses erros. Eu errei mais do que você poderia pensar. Não sou perfeito. Sou eu quem devia pedir e implorar perdão pelo que fiz.

- Sua mãe te perdoou. E eu também. Sei que fui tão grosso e mal com você. Um rei não devia fazer essas coisas. Deveria dar conselhos, ajudar aos outros e proteger o seu reino e sua família. È o que importa.

- Eu não vou me tornar rei. Sabe pai, estou indo embora. E quem sabe talvez algum dia nós nos reencontramos por aí?

- Vai voltar a morar com Mony?

- Não. Só vou dar um tempo em minha vida. Além do mais é hora de encontrar alguém e formar um reino em algum lugar. Estou indo agora pai, adeus.

Mas antes de ir, tinha de ver minha querida e linda mãe. Ela estava deitada, pois já havia se desgastado demais nos últimos dias em que fora me procurar.

- Oi querido. È bom ver você de volta. Sabe, parece que não vou durar muito tempo. Então deixe eu te abraçar só mais uma vez.

- Mãe, não fale assim. Vai ficar bem assim como eu. Sabe, Kimu disse que do outro lado é o paraíso.

- Você o viu?

- Sim. Ele disse que ama você papai e a mim também. Ele me perdoou e entendeu o que eu fiz.

Se for a hora de ir mamãe, ele estará lá para recebê-la.

- Obrigado querido. E boa sorte em sua jornada.

Ela me deu o seu ultimo abraço carinhoso e quente, como só uma mãe poderia ter. Nunca iria esquecê-la e nem ao papai.

As estações lavaram a dor e o ódio. E a vida me ensinou e me deu uma lição. Lição que eu jamais irei esquecer. O ciúme pode causar danos á família e provocar situações horríveis dentro dos nossos corações, que não conseguimos controlar.

Eu passei por esse período em que o ciúme e o ódio tomaram conta de mim, mas o amor me trouxe de volta a realidade. O que eu nunca enxergava. E graças ao amor de minha mãe, que continuo vivo aqui para contar essa história. A história de um filhote de felídeo, que se tornou um jovem ao descobrir a existência do amor. E aprender com a vida.

Para o meu irmão Kimu.

Bruna A S
Enviado por Bruna A S em 09/01/2012
Reeditado em 01/06/2017
Código do texto: T3430237
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