A FORMIGA BEETHOVEN

Vovó Corina contatava que a fada do sono visitava as crianças de todas as partes do mundo. Tocava com a varinha mágica na testa daquelas que, durante o dia, assistiam a filmes de terror na tevê. Elas não conseguiam dormir. Fechavam os olhos e os monstros apareciam fazendo diabruras em suas mentes.

Ravana tinha apenas cinco anos e se lembrava muito bem de quase todas as historinhas que a vovó contava para fazê-la dormir. Passava a mão em sua cabeça dizendo palavras que soavam como mágica: “Durma, Ravanita, durma... Vou retirar os monstros dos teus olhos. Pode dormir agora. Eles já se foram!”

Dormia, não sem antes reclamar:

—Eles estão voltando, vovó! Os monstros estão em meus olhos e não me deixam dormir... Conte uma historinha, vovó!

— Posso contar outra vez “A lagoa encantada?”

— Não, aquela não! Tenho medo da carimbamba...

— Já contei todas que sabia!

— Pode ser inventada, pode ser inventada!

— Todas as estórias são inventadas, minha filha!

— Então invente uma!

E a vovó contou:

Era uma vez, uma formiga albina. No dia em que ela nasceu, houve um eclipse no sol. Tudo escureceu na colônia das formigas. Era um sinal do céu...

A fada da sabedoria foi convidada para uma reunião que deveria acontecer nos primeiros dias de vida da menina. A pequena formiga nascera com sífilis. Estava, portanto, fora dos padrões do formigueiro. Ficaria cega e surda. Seria um fardo para as saúvas. Por isso, não poderia viver na comunidade das formigas, deveria ter sido arrancada do ninho quando ainda era ovo e jogada fora.

Naquele dia, o Primeiro Ministro Fortunato Formicida, abriu a sessão com um pronunciamento solenemente fúnebre: “Augustos e digníssimos representantes da Corte Marcial da Grande Saúva de Bengala, hoje nasceu em nosso meio uma formiga predisposta a tornar-se deficiente. Não será capaz de assumir as funções de guarda ou de operária; assim, diante da presumível incapacidade para o trabalho e como está escrito em nosso código: “Quem não vive para servir, não serve para viver”, minha proposta é que ela seja sumariamente exterminada ou banida para sempre do formigueiro...

O destino da formiga albina estava prestes a transformar-se num exílio de vida ou numa pena de morte, mas, por sorte, a fada madrinha postou-se no meio da assembleia e vaticinou: "Esta menina será frondosa como uma palmeira. E quando soprar o vento Norte, ela criará asas como pássaro, navegará os sete mares e será muito aplaudida... Seu nome é Ravenala, árvore-do-viajante. O mundo para ela não terá fronteiras. Toda a Terra conhecerá seus feitos. O som de seu trompete será um acalanto para a alma de quem dela se aproxima."

Houve um profundo silêncio no mundo encantado das formigas. Em seguida, a rainha decretou: “A partir de agora, Ravenala comporá músicas para a corte. Tocará para a rainha e seu nome será BEETHOVEN . Providenciem uma orquestra... organizem o coro, quero ouvir uma sinfonia”.

A partir de então, a música passou a fazer parte do cotidiano da grande colônia de formigas que já não precisava mais contratar os serviços da cigarra para cantar nos dias de festa.