O SAPO QUE NÃO PARAVA DE COAXAR

 

 

Era uma vez um sapo que coaxava muito. Coaxava atrás da mata, na beira do lago. Era um tanto quanto estabanado, eis porque vivia sozinho, pois os outros sapos ficavam furiosos quando ele afugentava os insetos para não serem devorados.

Ele era assim, desse jeito, diferente dos outros. O que podia fazer! Por vezes, passava fome por não querer comer aqueles pequenos bichinhos com ossos ou sem ossos.

Talvez, essa fosse a razão pela qual coaxava demasiadamente. Coaxava tanto que o som do seu coaxo entrava pela janela e ecoava por toda a cabana, não deixando Gabriel dormir.

Um belo dia, Gabriel decidiu pegar um saco e ir até o lago onde morava o sapo.

Esperou o sol se esconder por detrás das montanhas para que ele não testemunhasse sua pequena maldade e foi chegando de mansinho, bem de mansinho... até que conseguiu prender o sapo no saco.

O coração de Gabriel pulava tanto quanto o endoidado sapo de olhos esbugalhados dentro do saco.

- E agora, pensava ele, o que fazer com o sapo?

De súbito, o sapo deu um coaxo bem alto e falou. Isso mesmo, falou:

- Oi, sou conhecido como Sapo Cururu e você, que tipo de sapo é?

Refeito do susto, o menino endireitou seu corpo, respirou fundo e respondeu:

-Não sou sapo. Sou um menino e minha família me chama de Gabriel. Dizem sempre que este nome significa ‘mensageiro de Deus’. E eu me sinto importante por isso. Mas você, um simples sapo, fala?

- Normalmente eu só coaxo, contudo, quando me vejo acuado, com muito medo, desato a falar como vocês.

- Está com muito medo, agora? Perguntou Gabriel.

- Claro que estou! Aqui dentro é muito escuro e apertado. Mesmo com esses olhos grandes e esbugalhados não posso ver nada, nem mesmo a lua que logo virá mergulhar no lago. O que você vai fazer comigo?

- Eu ainda não sei, Sapo Cururu, o que sei é que você não me deixa dormir por causa do seu coaxo.

- Ora, Gabriel. Pessoas falam e sapos coaxam, não é mesmo? Assim a natureza foi criada. Sabe o que mais, nós os sapos cururus possuímos duas glândulas de veneno na parte superior da cabeça, continuou ele...

Gabriel deu um pulo para trás, largou o saco que abriu suas portas para o sapo e ficaram assim, olhando um para o outro por algum tempo, até que o Sapo Cururu prosseguiu:

-Então Gabriel, não se assuste, nós só usamos esse veneno para nos defendermos, por exemplo, de uma serpente. Uí! Até me arrepio quando falo dela.

- Mas cobra gosta de comer sapos?

- E como! Mas quando uma cobra chega perto, nós levantamos as patas, ficamos mais esticados, parecendo bem maiores do que realmente somos e nos inclinamos como se oferecêssemos as glândulas para que ela as mordam. Na maioria das vezes esse nosso jeito de lidar com a cobra funciona, pois mesmo que ela nos morda, perceberá um gosto desagradável, devido ao amargor do veneno e por esse motivo acaba nos soltando. E, com certeza não terá mais vontade de se alimentar de sapo cururu novamente. Falando isso, não resistiu e deu uma boa gargalhada.

- Gabriel ainda estava mudo. Agora, era ele que se sentia assustado, como o sapo estivera dentro de saco. Mas algo na gargalhada do sapo tocou seu coração. Aquele sapo tinha a pele diferente da sua, mas pareciam tão iguais!

Interrompendo o silêncio, olhando em direção ao menino, Sapo Cururu, falou docemente:

- Não podemos ser amigos? Há muito estou solitário nessa mata imensa. Só a lua é minha amiga e vem me visitar todas as noites, tão logo o calor do sol se esvai das folhas.

- Mas você é um sapo e tem a pele tão diferente da minha! Como podemos ser amigos. Amigos costumam ser semelhantes.

- Afinal, não somos todos iguais? Indagou o sapo. O que é uma pele, além da aparência. Penso que o que está dentro vai importar mais. Essa sempre foi minha grande diferença em relação aos demais sapos. Nunca concordaram com esse meu jeito de pensar. Diziam até, que sapo não foi feito para pensar. Leve-me para sua casa, Gabriel, prometo não mais coaxar.

Gabriel levou seu novo amigo, o sapo que se chamava Cururu. Nem precisou do saco. Caminharam lado a lado conforme os amigos costumavam fazer.

Durante três dias, no quarto de Gabriel, o sapo falou de sua vida na água enquanto girino e da sua vida na terra, enquanto sapo. Durante três dias permaneceu sem coaxar.

Gabriel sorria largo pela cabana. Tinha agora um amigo de pele diferente da sua, mas um grande amigo. Sentia não conseguir abraçá-lo, pois em todas as tentativas, o sapo escorregava e pulava. Era de sua natureza, ele entendia.

Na quarta noite, Gabriel foi desejar bom sono para o Sapo Cururu, mas percebeu-o diferente. Tinha se transformado num boneco de fios verdes, macios com enorme sorriso na cara. Os olhos esbugalhados, os mais doces que já vira em um boneco.

Desde então, todas as noites, depois de conversar com seu anjo da Guarda, Gabriel dá um abraço bem apertado no seu verde e lindo amigo Sapo Cururu, que não mais escapava de suas mãos e que ouvia num respeitoso silêncio, todos os seus segredos.

Sabem o que mais? Ele só voltou a coaxar quando percebeu que Gabriel precisava ouvir uma nova história.

E podem crer: essa história que acabo de contar é a mais pura verdade. E essa verdade se assemelha ao sorriso que coloco no traçado do meu rosto quando vejo a primavera florescer.

heleida nobrega
Enviado por heleida nobrega em 31/07/2010
Reeditado em 04/08/2010
Código do texto: T2410858
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