Verso e reverso

Na toalha do restaurante o rapaz rabiscou com sua caneta:

Vivo de brisa / E me alimento de ar. / Não bebo champanhe / Nem como caviar. / Dispenso o almoço / E não sou de jantar, / Mas sem poesia não consigo passar.

Chamado pelo dono do estabelecimento o policial quis saber:

Por que o senhor escreveu esses “versos” justamente na toalha do restaurante se nem mesmo tinha intenção de jantar ali?

O rapaz: intenção eu tinha, o que eu não tinha era dinheiro para pagar a conta depois. É a velha distância entre intenção e gesto, no caso, bolso. Bolso vazio.

O policial: pois fez a coisa errada. Devia ter pedido o jantar, bebida, sobremesa e café. Depois alegava não ter dinheiro, ia preso por não pagar a conta e danificar bem privado - as toalhas dali são de linho egípcio, muito caras -, mas ao menos estaria alimentado.

O rapaz: pensei que aqui na delegacia iriam me dar ao menos um lanchinho, nem isso?

O policial:

Nem isso, as despesas estão em contenção / além do que você vive de ar, não?

Mas posso dizer alguns versos de minha autoria / para matar sua fome de poesia.

Continuo?