Hagiografia – Zé bebinho - Davy Almeida

Hagiografia – Zé bebinho

Havia um homem nas regiões de Itaquaquecetuba, Próximo da terra

prometida. Regiões tenebrosas de Itaquá. Este homem acordava todos os

dias com a cara inchada. Tinha ele cirrose hepática. Bêbado profetizava.

Ajudava as velhas na feira a carregarem suas compras e ganhava umas

moedas para comprar seu merecido corote.

Havia ali próximo um casal de servos, Pastor Pastorzinho e Dona Crente

Cretina. Lavavam dinheiro de peças de carro roubadas em sua pequena e

humilde igreja. Quando alguém lhes disse: “ se vós sois servos de Deus

porque não acolhem e ajudam Zé Bebinho, homem bom e da cara

inchada?” colocaram o casal contra a parede. Filhos de uma puta. Leva

essa cachaceiro para tua casa! Pé de cana! Vagabundo e safado !

O piedoso casal levou Zé bebinho para sua casa. A filha do casal

Senhorita Santinha Frescurinha só pensava em matar aquele pinguço.

O Zé bebinho até que se comportava bem, no começo. Compraram terno e

roupa social. Fizeram lhe a barba. Ele profetizava. Zé Bebinho parecia

estar curado. O negócio funcionava mesmo. Aproveitaram o nome e os

documentos de Zé Bebinho para lavar dinheiro em contas bancarias e abrir

empresas de fachada em seu nome. As vezes Zé bebinho cantava musicas

da Umbanda e do candomblé, porque ele fora criado em terreiro. A família

não gostava, talvez preconceito religioso. Sei lá. O importante é que Zé

bebinho ajudava na lavagem do dinheiro. Até aqui tudo bem.

Decorridos algum tempo. Zé Bebinho teve uma recaída. Voltou a beber, a

cerveja do Pastor Pastorzinho. O pastor bebia as escondidas. O cara ficou

bravo. O problema é mesmo amar ao próximo. Esse é o maior problema de

toda a vida humana: amar ao próximo. Pensa que é fácil? É fácil amar aos

bons. Amar aos doidos, malucos, drogados, cachaceiros, vagabundos,

ladrões, vadios, putas, vadias, preguiçosos, preguiçosas, doentes mentais,

pobres, mendigos e toda a sorte de desvalidos da sociedade é difícil. Cara,

brother, man, meu amigo não é nada fácil. Negócio de amar ao próximo é

bonita poesia. Poucos idiotas vivem isto. O que todo mundo quer é

dinheiro no bolso.

Cara o que eu é quero é carro bom, casa boa, faculdade boa, fim de semana

em Ilha Bela, bons estudos, boas roupas, muito sexo, saúde, sorte e quero

que esse deus me de tudo isto. Religião é só fachada. Negócio é dinheiro e

prosperidade. Deixa a cruz para os otários e retardados carregarem. Os

outros que se fodam eu quero do bom e do melhor. Quero cagar em vaso

sanitário de ouro e sair com minha caranga domingo. Foda-se o meio

ambiente, morram de fome os pobres. Quem tem pena é galinha. Eu sou

um bom cristão. Pago meu dizimo e minhas ofertas. Ainda dou dinheiro

para esse deus.

Zé bebinho chegava tarde. Era um escândalo. Ai daqueles porque vem os

escândalos. Como bom profeta voltou a criar barba. Chegava bêbado e

quebrava tudo. A gota d' água foi quando ele chegou bêbado certa noite e

mijou no sofá da família. Um sofá caro. Dona Crente ficou puta com

aquilo. - “ Meu sofá todo urinado” e urina de bêbado tem odor muito

forte. Jogaram o sofá fora. Um sofá que custava em torno de cinco mil

reais. Aquilo não tinha perdão. Negócio era matar aquele pinguço.

Contrataram os capangas que espancaram o Zé bebinho até a morte.

Acontece que ao morrer Zé bebinho foi ele levado pelos anjos ao céu dos

alambiques. Zé bebinho era um carinha legal. Podia ele ter sido

canonizado? Está Zé bebinho entre os profetas? O que vale mais o

coração puro ou a cara inchada?

A policia investigou o caso. O casal foi preso durante 30 minutos. Depois

foram passar férias na Suíça. Para igreja eles falaram que iam evangelizar

na Suíça. O povo da Suíça precisa conhecer o evangelho. Depois de muitas

décadas o casal também morreu em ditosa velhice. Foram conduzidos ao quinto dos

infernos onde viraram churrasco ou barbecue, como dizem os americanos.

FIM.

Poema ao Zé bebinho

Se eu bebo, é com meus trocados

se você não bebe é porque tens inveja

bebida não fala mal da vida dos outros

se você é hipócrita, a cachaça não permite hipocrisia

cachaceiro fala a verdade, mesmo que o bafo seja terrível

se você julga a fraqueza alheia

és juiz e árbitro de futebol

bebida gera emprego

veja quantos trabalham nas cervejarias

é a indústria. É o comércio

se você não sabe beber, tem culpa eu?

Se tenho a cara inchada

mas meu coração é puro

lavado com álcool.

Álcool não permite bactérias e vírus

o álcool é usado em hospitais como anticéptico

jogam eles bilhar e carteado nos bares

comem fígado de galinha frito nos bares e botecos

jogam dominó em mesa de bar

não incomodam ninguém

escutam músicas bregas, samba e forró

dançam eles rala bucho e rasta pé

aqui nesta mesa de bar todos são iguais

na sociedade nem todo mundo é igual

igreja é comercio

boteco e bar entram no campos das relações sociais.

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Second part ( segunda parte – para os leigos)

Zé bebinho, Zé bebinho meu bom cachacerinho

toma dois copinhos, duas doses com carinho

fígado já não tens, mas tens um coração bonzinho

ajuda as velhas na feirinha, ajuda os velhinhos

ajudas as crianças e ajuda os amiguinhos

água ardente não queima mais do que a língua alheia

tu não olhas a vida de ninguém.

Te chamam de pé de cana, alambique e pinguço

tu não ofendes ninguém.

Ajudas a carregar outros amigos bêbados no bar

em carrinho de pedreiro.

Quando bêbados caem pelas ruas tu os cobre com lençol

Limpas a cidade recolhendo recicláveis

para vender no ferro velho

assim pagas suas contas

és trabalhador. És um homem bom

é sempre gostoso fígado de galinha frito de bar

temperado com vinagre e um bom conhaque.

Davy Almeida
Enviado por Davy Almeida em 03/04/2024
Reeditado em 06/04/2024
Código do texto: T8033896
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