MENTIR OU NÃO, EIS A QUESTÃO

Estou em Pium, Tocantins, a quase duzentos quilômetros depois de Palmas e situada no planalto entre os Rios Tocantins e Araguaia.

Quer saber?

Estou aqui a ganhar a vida; ainda trabalho.

Até há dois meses atrás nunca tinha ouvido falar de Pium.

Hoje praticamente moro aqui, não sei por quanto tempo, já faço parte da sociedade, conheço quase todo mundo e, se tirar a aliança do dedo da mão esquerda, arrumo uma namorada.

Sentado à frente da Pousada, bebo uma Itaipava.

As outras opções são Crystal, Skin e uma outra de lata verde cujo nome não recordo. Se quiser beber de outra marca tenho que ir até Paraíso do Tocantins, distante há uns cem quilômetros.

Quando fui comprar a cerveja fui sincero, disse à vendedora que as marcas que ela vendia eram ruins... Ela não gostou. Dizer a verdade nem sempre é bom para as relações sociais.

Pois bem, sento na varanda da pousada e abro minha cerveja.

O dono da pousada, adversário político do prefeito reeleito, e que desde o dia das eleições anda com fisionomia de contrariado chega até mim e diz:

__ O prefeito só ganhou a eleição e foi reeleito porque fugiu com duas urnas nas costas...

Ele vem insistido comigo com essa conversa, ( esquecendo-se que hoje as urnas sao eletrônicas), como se eu pudesse fazer alguma coisa.

De fato, a diferença de votos entre o vencedor e o vencido foi pequena, e a contagem de duas urnas fariam muita diferença.

Ele insiste:

___ A polícia ainda não o encontrou. Assim que encontrar a gente reverte o resultado da eleição...

Não é bom contrariar.

Então concordo e ainda excito:

___ Se a polícia tiver sucesso ele vai perder a eleição e ainda vai ser preso. Fugir com as urnas é crime.

O dono da pousada fica satisfeito com minha resposta.

E vai embora repetindo a frase:

___ Sim é crime... Vai perder a eleição e ainda vai para a cadeira o filho da puta !!

Suspiro e volto a atenção à minha cerveja.

Mas por pouco tempo, porque meu vizinho de quarto, que tem evitado socializar comigo, aproxima-se com uma latinha da cerveja haineken, que por certo encontrou em Palmas.

Parece bem satisfeito e diz:

___ Trump acaba de virar a eleição nos Estados Unidos. A justiça de lá reconheceu que houve fraude e na recontagem ele venceu.

- E acrescenta com um suspiro de alívio - Graças a Deus !

De pronto fico atordoado. Não sei o que responder. Para ganhar tempo digo:

___ A eleição americana é muito esquisita. A contagem de votos não termina nunca...

Ele responde:

___ Se o Biden ganhasse ele iria invadir a Amazônia.

Finjo espanto:

___ Nossa ! Seria uma guerra...

___ É, mas nosso presidente é muito esperto. Já tem nossos militares de prontidão. Não vai faltar bala. Os gringos não são bestas de dar as caras por aqui.

___ Sim, nosso presidente é muito valente; graças a Deus !

Ele gosta de ouvir minhas respostas.

De minha parte, fiz o melhor que pude !

Pode parecer besteira, mas não é.

A questão entre mentir e dizer a verdade já foi assunto de dois grandes iluministas: Kant e Benjamin Constant, (não senhora... nosso Benjamin Constant é outro, refiro-me ao filósofo francês...).

A mentira, sendo ação recorrente nos relacionamentos humanos sociais, pode ser até útil em determinados momentos, apesar de ser uma ação atentatória ao dever moral.

Dito isso, podemos nos utilizar da mentira em benefício próprio? Em quais situações é aceitável mentir?

De minha parte tenho me virado dessa forma: quando ouço uma mentira, conto outra.

Pode não ser muito honesto, mas no mundo atual esse meu comportamento conserva a tranquilidade e possibilita que eu possa degustar uma cervejinha em paz.

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Sajob 12/12/2016 + 4