ESPELHO MEU: HÁ ALGUÉM MAIS ”NO SELF’ DO QUE EU?

Crônica/humor

O meu tema surgiu por aí, num desses encontros fortuitos em que alguém desperta a nossa atenção pelo casual não tão usual.

Nessa era algo narcísica em que vivemos, parece que existe duas vidas mesmo: uma real da qual não podemos fugir, e uma virtual para a qual queremos voar, a que nos permite tudo-ou quase tudo!- para que nos atenuemos da primeira, e tal, é só meu modo de enxergar o que dizem ser a evolução tecnológica da contemporânea era digital.

E em tempos de tantas transformações sociais, as ciências humanas correm atrás de observar, decifrar, catalogar e disciplinar os novos comportamentos, tal acontecendo principalmente com a Sociologia, a Psicologia, Antropologia, o Direito e também com a Medicina.

Mas nunca chegamos a tempo de voar na velocidade das transformações do tempo que voa bem mais que os Homens.

Todavia, um fato é fato: se dizem que de perto ninguém é normal, hoje nos fica bem difícil diferenciar o normal do anormal, não é mesmo?

E longe de mim ser um "ser normal", voo longe dessa “doença” que gera tanta discriminação, apenas descrevo que ela, naquela sua circunstância, ganhava de mim na tal “anormalidade normal”.

Assim, certa hora nos cruzamos, momento em que ela gentilmente me disse assim:

”oi,prazer, você tiraria uma foto minha daqui dessa linda paisagem?”

Claro, e como não?

Pediu para a pessoa certa! Como não tiraria uma foto se sou uma fotógrafa algo “no self” na expectativa de um dia me tornar uma self fotógrafa de verdade?

Entrei em êxtase para fazer e melhor foto “self no selfie” junto àquele belo mundo selfizíssimo!

E assim seguimos , vez ou outra nos encontrando pelos caminhos dali.

Certa hora, de longe, percebi que ela tentava fazer a melhor selfie, algo bem self de si mesma mesmo, no melhor enquadramento possível para quem ainda não tem a última tecnologia narcísica a seu dispor: um legítimo e imprescindível “pau de selfie”.

Descervo que o que vi era algo torturante, tanto a ela quanto a mim...

Contorcionava-se em frente à tela do celular mais que uma artista do Soleil, a chamar a atenção de qualquer ser anormal que tivesse um mínimo de "self espírito científico" mais anormal que aquilo tudo.

Fiquei preocupada com tantos movimentos giratórios do pescoço-aquilo era um perigo para quem já passou dos cinquenta!- dos quadris, braços, das pernas em flexões nada ergonômicas, dos agachamentos esdrúxulos para se enquadrar nas selfies; preocupada fiquei com tantas mímicas que poderiam gerar rugas de expressão, profundas e para sempre, mas encantada com tantos gestos que faziam aquela franja , colorida e exótica, voar pelos ventos do além mar...

Quem me lê pode até não acreditar, mas, contei suas quarenta tentativas de "selfies no selfs" em pouco mais de trinta minutos.

Não, aquilo mereceria um registro para a posteridade científica, decerto que valeria.

Nem que fosse numa crônica...

Pensei com meus botões:

”Seria, tipo, uma T.O.C. SELFIE NOT SELF?- uma nova modalidade bem contemporânea de T.ranstorno O.bssessivo C.ompulsivo, que desafia os já conhecidos padrões de checagem, repetição e de contagem?

Então, num ato de profissional da saúde- e já quase das imagens!- me ofereci para lhe tirar mais uma foto, ALGO BEM MENOS SOFRIDO, mais tranqüilo, mais centrado no self interior ao exterior, tudo na honesta intenção de lhe poupar uma luxação nas suas selfs articulações, e ali, já pensando em aliviar seu cérebro daquele extenuante trabalho compulsivo aos neurotransmissores, o daquela INSISTÊNCIA na sua melhor auto projeção tão sofrida, numa verdadeira " self not selfie".

Ela adorou a idéia e, meio sem jeito por perceber meu incômodo, logo a mim se justificou das suas tantas vãs tentativas, aonde senti uma certa exaustão"selfie not self”:

”é que eu estava tentando pegar a gaivota...lá no fundo”.

Confesso que lembrei de Fernão Capelo Gaivota, um dos primeiros livros que li com inspiração poética.

Estava perdoada!

Sim, afinal, voar sempre é preciso e havemos de buscar por asas perenes, nem que for na imaginação de voos selfies, not selfs ao mundo à nossa volta.

E continuei...

Click, click, click!. Olha o sorriso...click! Mais um click! Ok, perfeitamente self!

Percebi que eu também não me contentava com as fotos que fazia dela.

Queria voar mais e mais, mesmo em auto projeção NOT SELF minha, já pelo self dela!!

Aquilo poderia ser coisa compulsiva e contagiososa.

Resolvi parar.

“está bem assim?-gostou dessas que fiz de você?”- lhe perguntei orgulhosa, já meio exausta daquele self ensaio de nós mesmas.

E ela, numa atitude nada self, examinou uma a uma das fotos no espelho de si mesma a tentar me convencer de que já estava curada:

“Claro, muito obrigada, as fotos estão ótimas e o que importa é a paisagem...”.

Verídico