-EPA, CÊ TÁ VIVA?!

Dia desses, dentro dum “horti-fruti”e já no final dum dia exaustivo, nos esbarramos na barraca das bananas.

Eu, extremamente fisionomista e acredito que ele também, olhei para ele, fui retribuída, senti que ambos assumimos a expressão facial do “te conheço?” e depois de muitos “será que é do trabalho?” ,“da faculdade?” ,“do cursinho? ,”do congresso”?, "do bairro" ,enfim, nos encontramos lá atrás, nas bancadas dum concurso.

E claro, todos sabemos que basta pouco tempo para que aprendamos que envelhecer não é muito fácil...mas é super lúdico.

Sempre achei...até esse meu reencontro.

E quando deixamos rastros fisionômicos para um (ainda que dificultoso!) reconhecimento facial possível saímos comemorando.

“gente, ele me reconheceu!”. Parece elixir de juventude!

Digo que o primeiro vocativo “senhor(a)” da vida da gente, a gente nunca esquece:”é comigo?”.

Sim é, e dali para frente...sempre será.

Tenho amigos de turma que dizem que nas festas de reencontro temos que colocar os crachás para facilitar a identificação e eu finjo que não é comigo...vou com a cara e a coragem possíveis.

Lúdico mesmo é fazer aniversário, sublimar o pensamento no espelho “ah, mas ainda estou algo jovem” e justo no dia da festa ouvir dentro do elevador: “por favor, senhora, pode passar" por parte dum educado cavalheiro nonagenário.

Aí...é patognomônico mesmo: o tempo passou de verdade e nem lhe avisou.

E não temos espelho interior, ainda bem.

E essa coisa de terceira idade?

Tem gente que se ofende de verdade!Parece palavrão!

Eu uso muito o termo profissionalmente, até, tenho culpa se é um marco sócio-político de ganho cidadão, com estatuto que o valha?

EXPERIMENTE DAR SEU LUGAR NA FILA DE SUPERMERCADO A ALGUMA MULHER COM IDADE “BODERLINE” AO DIREITO PREFERENCIAL: A COISA PEGA.

Já aconteceu comigo...e não tem perdão nem pedindo desculpas.

Você quer ajudar e acaba ofendendo.

Já os homens brigam por cada pedacinho do Direito, podem observar.

Ultimamente nem entro na fila preferencial que é para não correr o risco de me darem o lugar precocemente, claro.

Não é a toa que a idade do " preferencial" vai ser a partir dos setenta anos. Viram isso?

Ah que alivio...gostei desse legislador.

Concordei com a lei.

Como “preferenciar” tanta gente preferencial, não é mesmo?

E esse meu reencontro no sacolão, mais que lúdico, foi hilário e me valeu essa crônica.

O diálogo:

-Ah, que legal, você lembra de fulano?-perguntei toda animada, interessada mesmo.

-Morreu e faz um tempão, não sabia?!

-Como assim? -perguntei a levar um baita susto de vida-parecia sempre tão forte....

-Sempre “quando”? Já faz um tempão que ele parecia bem.

-E o ciclano- perguntou ele- ainda tá vivo?

-Claro que está-respondi-ele é só da nossa idade!

-Mesmo? Já tem tudo isso? Tem certeza? Acho que não...é , pode até ser...mas...

-Claro que é , somos super jovens ainda , e ele fez concurso com a gente!

-Jovem, cê só pode estar brincando. O concurso foi há mais de trinta anos ...e eu fui chefe dele um tempão e el já nem era tão novo...

Levei um susto! Nem parecia tanto tempo assim e ele não precisava me fazer aquele choque de memória...o universo feminino não agüenta isso.

-Lembra da fulana?-perguntei atemporalmente, num ato heróico de representação de vida.

Ele lembrou. Ah que alivío...

- Aquela bonitona cheirosa? -.ah , claro, lembro sim, aonde ela está, está viva, ainda?

Comecei achar que aquele meu reencontro estava mais morto do que vivo.

Começava a me desconcertar. Senti que ele precisava dum terapeuta urgentemente. Mas fiquei quieta.

Envelhecer até pode ser lúdico, mas não com a gente, claro.

Confesso que fiquei meio preocupada com meus conceitos sobre, aqueles que oriento há um tempão..

E assim nos despedimos sob o selamento dele:

-Ah, foi um prazer, viu? Espero te ver em breve...

Gelei.

Logo me benzi em pensamento: ”eu também espero, me ver sempre em breve, aliás, bem viva, a comemorar daqui a poucos aninhos o que chamam de melhor idade”.

Mas não a preferencial ainda, ok? Podem pegar meu lugar ao sol das filas...não vou reclamar.

Afinal, vamos combinar, melhor idade...onde?

-Cê tá vivo? ou...

-Cê tá louco?