De quando o fazendeiro Querencio buscou mulher para casar

A fazenda se estendia além do horizonte. Capim alto, plantação bonita e o lago com aquele tanto de peixe só para a sua pescaria. A manhã já se adentrava, tantas que eram as horas da madrugada.

Sentado, cigarrinho nas mãos, Querencio olhava as miudezas ao redor, tentando buscar respostas para o interrogatório que zumbia dentro da sua cabeça. Sentia aquele perfume exótico misturado aos outros perfumes, permanência da noite anterior. Era sempre assim no dia seguinte do baile. As moças o cobiçavam.

Partidão! Aqueles olhos bonitos de tão verdes confundiam quem lhes fixava. A idade já não era nova. Tinha dobrado os 50, mas era todo esperança. Se lhe custava o ajustar na vida e estabelecer ninho de família, era porque os encargos eram muitos.

Mas era sobre isso que matutava. Sabia um mundão de coisas, e cadê criança pequena para passar ensinamentos? Cadê mão feminina guirlando a casa com rendas ou enfeitando a mesa? A casa era de macho e tudo só no necessário. Que pensamento que virou perseguição e aquele perfume que não o largava! Queria casório, festas, mas e a noiva, gente! Onde achar? Só conhecia mulher dama que não apetecia ser do lar.

Foi de longe na estrada que avistou seu bamboleio. Silhueta contra o céu, tudo firme em seu lugar. Levava cesta de frutas equilibrando na cabeça, e a criança pequena marchando firme ao seu lado.

No dia seguinte, o galo lhe acordara no escuro da casa grande. Nem água pôs para ferver, tamanho o apressamento. Vestiu roupa de sábado e entrou na tocaia a esperar. Umas horas depois, surge de novo à mesma visão de antes, passo firme a caminhar, vestido estampado de alegre, cantarolando lindezas, pássaro a mais a trazer encanto de mulher.

Aproximou-se. Na mão, flores colhidas ali mesmo. Parou surpreso.

O semblante que o olhava não era das graças da juventude. Não era donzela que almeja a vida ainda chegando. O rosto ainda bonito trazia em si um tempo longo do passado sem desesperança, pois o brilho do olhar era de menina à espera de grandes feitos. Mas o corpo esse sim, era de amadurecimento feito nas lidas da vida. Não era de se enganar. Conhecia o feminino, das vivências acumuladas nas horas guerreiras da noite.

E agora o que fazer? Passo em frente ou recuado? Resolveu pela peleja.

“É neto?”, apontou meio indeciso para o pequenino. “É”, ela responde com voz aveludada e macia, dessas cativantes de coração esfriado. “Mora comigo e ensino-lhe tudo que sei”.

Tudo passa em sua mente em rodamoinho de minuto. É disso que precisava. Mulher nova para quê? Quer coisa melhor no mundo do que encomenda já pronta, e acrescentada com um maroto travesso o olhando todo de banda, já prontinho para aprender e matutar ao seu lado em manhã de pescaria?

O casório foi dos grandes. Encomendas de comilança e até a igreja recebendo reforma, pois não ia pôr botina nova, terno de feitio para usar em piso velho de cerimônia.

A fazenda? Já sentia a mão da dona nova já nem tão nova assim, agora em mudanças de feitio, toda faceira.

Quanto a ele, embobo-se. Fica sempre por ali, olhando aquele feminino do requebrado, e a casa agora só com um perfume único. O cheiro do amor!

Heloísa Mamede
Enviado por Heloísa Mamede em 09/05/2017
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