- MAS ISSO É UM “FAKE”, PAI!

O propósito dessa minha crônica é levar ao leitor nuanças engraçadas e verdadeiras da vivência virtual, nesse atual panorama de TRANSFORMAÇÃO SOCIOLÓGICA rumo ao mundo digital que muitas vezes já abduz os seres das suas vidas reais.

Assim, dia desses, estávamos numa roda de churrasco e dei por falta dum amigo que não vejo há anos, mas cujos filhos, pequenos netos e ex-esposa tive a satisfação de reencontrá-los.

Ali confirmei um fato já evidente e não apenas fruto da superficial observação de gente que escreve: conforme vamos na estrada da vida tudo muda e como já escreveu um filósofo do tempo : “ a única certeza é de que tudo irá mudar” mesmo que tentemos nos convencer a nós mesmos de que nada mudou.

Até o que já mudou nos tornará a mudar e assim segue a vida no gerúndio infinito do “mudando”. O que não significa dizer que as mudanças são para pior, em absoluto!

E como a vida mudou, ultimamente...

Assim, saudosa, perguntei do meu amigo para os filhos dele.

“Ara, nem te conto, meu pai está lá, super mudado, vivendo das redes sociais”.

Achei aquilo esquisito por demais, porque quando o conheci era ele alguém avesso às mudanças, quaisquer delas; se nem as mudanças do clima ele as aceitava numa boa, o que dizer dessas da era digital!

Lembro-me que ainda “curtia” uma clássica maquininha de escrever da marca “Remington” que o pai advogado lhe deixara como “herança cult”, “nada de modernidade de escritas elétricas”,- me dizia ele- que então passou a ser uma chique peça retrô a decorar seu escritório; um homem compenetrado com a realidade bem realística do mundo ainda não tão surreal como o de hoje, um homem das ciências “humanas mas pragmáticas” como fazia questão de explicar,- “ comigo, nada de chorumelas!”- e que entendia ser o computador algo muito impessoal e virtual demais para alguém que como ele gostava de”olho- no- olho”, admirador da interpretação da linguagem corporal, blá –blá- blá, e claro, rapidamente me fez deduzir , pela lógica do arrazoado,que a convivência íntima com a era digital não lhe seria nadinha compatível com o seu perfil bem “ pé no chão”, o que mais combinaria com sua realidade inabalável “ de carne e osso” para se comunicar visceralmente com os seus iguais.

E deu para perceber nas entranhas daquele churrasco: pelas notícias até o meu amigo, imutável aos avanços da tecnologia, seguiu mudando por aí...

E segundo seus filhos, um casal super presente na vida do pai, “ tipo, tinha ele mudando pra caramba!”.

Mudou e adquiriu novos amigos virtuais que ele coleciona com o maior orgulho dessa vida.

Como sei disso? Pelo que me foi relatado pelos jovens, quase em tom de ”consulta de emergência de vida”, na tentativa de resgatar o antigo pai das malhas das redes virtuais; filhos que agora seguem mudando de olhar sobre o pai, preocupadíssimos com a mudança daquele realístico ser "ex-real", agora um já assumido ser virtual. .

E um fato deflagrou a preocupação principalmente do rapaz mais velho: É que não faz muito tempo o pai animadíssimo o procurou dizendo:”filho, você nem imagina quem curtiu o meu post de hoje!”

Sim, antes uma breve pausa para a explicação das modernidades virtuais: é porque agora, mais entusiasticamente, não adianta mais só se ter “ x elevada à enésima potência” de amigos na rede e ser curtido “n” vezes: tem que ser curtido por um ser do outro mundo que não seja o mundo real da vidinha da gente...

É que vida é vida! Sempre difícil, seja a real ou a virtual...entenderam?

Então, meio “tipo bem devagar” e já temendo a resposta, o filho quis saber:

“Quem te curtiu, pai?”

“Você nunca iria imaginar, filho!”

“Pai ,diz logo, quem te curtiu?”-ali senti um veio explicitamente desesperado.

“ A Madona, filho, a Madona me curtiu!”

“Pai, madona mia, mas isso é tipo um fake!”- explicou-lhe o filho apavorado, na língua da WEB.

“ Fake, o que é um fake, filho?”

“Pai, pelo amor de Deus, um fake é alguém que é sem nunca ter sido, uma página falsa, pai, um termo na língua inglêsa”.

“ Mas filho, era ela mesmo. Eu olhei bem olhadinho! Tipo, tinha até foto dela e tudo mais! Reconheci cada curva daquele corpo dos shows feitos aqui no Brasil! Por que, você por acaso, tipo, acha que seu pai não merece ser curtido pela Madonna? Qual o problema? Se ela gostou do meu selfie na praia! E tem mais: vários dos meus ídolos me curtiram junto com ela: o Elton Jonh, a Shakira, a Claúdia Leite, A Meryl Streep, a Beyonce, O Caetano Veloso, todos lá , em carne e osso pra quem quiser ver...vocês estão é com inveja do meu sucesso na rede, de não serem curtidos como eu pelos famosos do mundo!”

E claro, o filho me relatava que a cada nome que surgia daqueles famosos e assíduos curtidores do seu pai lhe dava um novo frio na barriga...porque percebia nitidamente que seria impossível retirar seu pai do mundo FAKE das famosidades das redes, daquela perigosa irrealidade dos falsos perfis da WEB, ainda que fosse para devolvê-lo aos perigos da vida real.

E conversa vai conversa vem, churrasco vem churrasco vai, a filha certa hora lembrou alto: “ ô mãe, o pai faz aniversário logo logo, precisamos fazer uma festa pra ele!”.

E o irmão, ato contínuo, nos perguntou agoniado:

“Como fazer a festa, se o pai, tipo, agora só tem amigos fake na rede?”

E eu, numa postura bem profissional, super sincera e imparcial, juro mesmo, com a única finalidade de ao menos não retirar subitamente aquele pai tão feliz, “superegóico”, ali do seu mundo sublimatório e compensatório da realidade tão dura, sugeri então que se convidasse para a festa todos os amigos fakes. Depois se pensaria na complicada logística para o aniversário acontecer na realidade...mas aí já não seria comigo.

Porque aqui confesso: profissionalmente e a despeito de tudo, eu também acredito ser o FAKE um mundo ainda bem mais verdadeiro... menos perigoso.