Dona Bernardina não quer dar descarga
Assistindo à TV, outro dia, deparei-me com uma declaração midiática muito comum de se ouvir: “A Terceira Guerra Mundial ocorrerá em decorrência da escassez de água no Planeta Terra. É necessário que economizemos água pra que não falte em 2044”.
Vamos aplaudir... a falácia!
É fácil compreender que o desperdício acarrete em racionamentos em determinadas regiões. Desperdiça-se hoje e arca-se com a consequência nas semanas seguintes. Mas esta água desperdiçada será aquecida pelos impetuosos raios solares, ocorrendo, assim, o fenômeno da passagem do estado líquido pro estado gasoso. Nuvens negras inundarão o céu e choverá, devolvendo a mesma água.
O ralinho do meu banheiro ainda não escoa o sagrado líquido pra outra dimensão nem pro Gigante Atlas, pros quatro elefantes e pra forte tartaruga que, juntos, sustentam o medieval mundo achatado.
Esclareça-se aos tendenciosos à confusão genérica que poluição dos rios não tem nada a ver com os chuveiros que ficam abertos além do necessário.
Putz, cara, é sério? E quem tem didática suficiente pra explicar isso pra dona Bernardina? Ela acreditou! E está falando pro seu marido e pros quatro filhos que não é necessário dar descarga toda vez que se faz xixi. Duas gotinhas de Pinho Sol despejadas no vaso sanitário resolvem o problema. De dez em dez xixis, ela permite que se dê a tão sonhada descarga. Mas toda vez, não. De jeito nenhum! Cocô tudo bem, mas xixi não.
O filho mais novo da dona Bernardina questionou:
– Mãe, não é melhor só deixar de dar a descarga, se o xixi sair branquinho, e dar a descarga, se o xixi sair amarelinho?
Mas a dona Bernardina é dura na queda:
– Cala a boca, moleque. Não é você quem paga "as conta" (SIC).
E não é que um renomado jornalista de uma famosa rádio ecológica da capital paulista fez o favor de visitar a dona Bernardina e colher o seu depoimento, que se espalhou pelos ares e agraciou os aparelhos de rádio dos paulistanos.
Donas Bernardinas proliferaram-se como coelhos por todo o município de São Paulo e as humildes residências ficaram com o cheirinho do boteco do Sebastião.
E qual não foi a satisfação das donas de casa quando descobriram que, além de economizarem um trocadinho na conta de água e, no mesmo ensejo, contribuírem pra prevenção da Terceira Guerra Mundial, também teriam mais os seus maridos dentro do lar, pois eles não precisariam atravessar a rua pra deliciarem-se no bar do Sebastião. O sentido olfativo já dava a sensação de estar lá.
E o repórter emendou:
– Dona Bernardina, além de controlar o fluxo de água em seu próprio lar, também cobra dos vizinhos que façam o mesmo.
Dona Bernardina! Dona Bernardina! Além da senhora fazer porquice na própria casa, ainda enche o saco dos vizinhos, dona Bernardina! Vai assistir a previsão do tempo pra ver se vai chover no Saara, dona Bernardina!
Se em 2044 vai haver Terceira Guerra Mundial, eu não sei, mas a Colgate Palmolive Company não achou ruim, não. Só o retrógrado Sebastião achou ruim.
É, Bastião... com uns oito fregueses a menos, vai ficar difícil pagar a conta de água...
Já encomendei uma engenhoca pro Professor Pardal: um silenciador de descarga. Assim, a discípula da dona Bernardina que mora aqui do lado não toca a campainha da minha casa pra encher o meu saco.
Deixa eu dar a minha descarga em paz!
Ei, dona Bernardina! Sabia que deu na TV que comer bosta faz bem pra saúde? E a senhora vai matar dois coelhos com uma cajadada só: vai beneficiar a sua saúde e dar menos descarga ainda!
Texto publicado na Revista Literária da Lusofonia – Vigésima Primeira Edição – agosto de 2016 – Página 50.
Marcelo Garbine (Mingau Ácido) – @mingauacido – mingauacido.com.brVamos aplaudir... a falácia!
É fácil compreender que o desperdício acarrete em racionamentos em determinadas regiões. Desperdiça-se hoje e arca-se com a consequência nas semanas seguintes. Mas esta água desperdiçada será aquecida pelos impetuosos raios solares, ocorrendo, assim, o fenômeno da passagem do estado líquido pro estado gasoso. Nuvens negras inundarão o céu e choverá, devolvendo a mesma água.
O ralinho do meu banheiro ainda não escoa o sagrado líquido pra outra dimensão nem pro Gigante Atlas, pros quatro elefantes e pra forte tartaruga que, juntos, sustentam o medieval mundo achatado.
Esclareça-se aos tendenciosos à confusão genérica que poluição dos rios não tem nada a ver com os chuveiros que ficam abertos além do necessário.
Putz, cara, é sério? E quem tem didática suficiente pra explicar isso pra dona Bernardina? Ela acreditou! E está falando pro seu marido e pros quatro filhos que não é necessário dar descarga toda vez que se faz xixi. Duas gotinhas de Pinho Sol despejadas no vaso sanitário resolvem o problema. De dez em dez xixis, ela permite que se dê a tão sonhada descarga. Mas toda vez, não. De jeito nenhum! Cocô tudo bem, mas xixi não.
O filho mais novo da dona Bernardina questionou:
– Mãe, não é melhor só deixar de dar a descarga, se o xixi sair branquinho, e dar a descarga, se o xixi sair amarelinho?
Mas a dona Bernardina é dura na queda:
– Cala a boca, moleque. Não é você quem paga "as conta" (SIC).
E não é que um renomado jornalista de uma famosa rádio ecológica da capital paulista fez o favor de visitar a dona Bernardina e colher o seu depoimento, que se espalhou pelos ares e agraciou os aparelhos de rádio dos paulistanos.
Donas Bernardinas proliferaram-se como coelhos por todo o município de São Paulo e as humildes residências ficaram com o cheirinho do boteco do Sebastião.
E qual não foi a satisfação das donas de casa quando descobriram que, além de economizarem um trocadinho na conta de água e, no mesmo ensejo, contribuírem pra prevenção da Terceira Guerra Mundial, também teriam mais os seus maridos dentro do lar, pois eles não precisariam atravessar a rua pra deliciarem-se no bar do Sebastião. O sentido olfativo já dava a sensação de estar lá.
E o repórter emendou:
– Dona Bernardina, além de controlar o fluxo de água em seu próprio lar, também cobra dos vizinhos que façam o mesmo.
Dona Bernardina! Dona Bernardina! Além da senhora fazer porquice na própria casa, ainda enche o saco dos vizinhos, dona Bernardina! Vai assistir a previsão do tempo pra ver se vai chover no Saara, dona Bernardina!
Se em 2044 vai haver Terceira Guerra Mundial, eu não sei, mas a Colgate Palmolive Company não achou ruim, não. Só o retrógrado Sebastião achou ruim.
É, Bastião... com uns oito fregueses a menos, vai ficar difícil pagar a conta de água...
Já encomendei uma engenhoca pro Professor Pardal: um silenciador de descarga. Assim, a discípula da dona Bernardina que mora aqui do lado não toca a campainha da minha casa pra encher o meu saco.
Deixa eu dar a minha descarga em paz!
Ei, dona Bernardina! Sabia que deu na TV que comer bosta faz bem pra saúde? E a senhora vai matar dois coelhos com uma cajadada só: vai beneficiar a sua saúde e dar menos descarga ainda!
Texto publicado na Revista Literária da Lusofonia – Vigésima Primeira Edição – agosto de 2016 – Página 50.
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