EDUCAÇÃO PAGA A ROLHA?

Eu já os havia notado no dia anterior, ali, no espaço de lazer do hotel, quando em meio à piscina, as crianças lhes sacudiam os ossos e a geladeirinha de isopor que os pais carregavam consigo, a fazer forte e injusta concorrência ao comércio do bar do deck.

"Mãe, agora quero sodinha...e eu quero guaraná, mãe!"- "aproveita abre a nossa cerva, mô" - falavam as crianças e o maridão, de bocas transbordadas de batata palha, ele já meio "alto" , enquanto sacavam de dentro da cozinha ambulante de isopor uma fartura imensurável de iguarias.

A cena era contrastante com o ambiente refinado...

Não que eu estivesse ali para reparar nos hóspedes, muito menos no seu menu ambulante, longe disso.

É que, hoje em dia, existem tantas situações tão nítidas à perplexidade da falta das boas maneiras de antigamente, que acabam por fazer história.

E aquela mulher e companhia, acreditem, decerto que faziam história!

E eu estou aqui para contá-la em pormenores nessa minha crônica.

Tudo verdade!

Enquanto os garçons elegantemente passavam pelas mesinhas oferecendo o cardápio em várias línguas, as crianças, ali do quarto andar do deck, despertavam os hóspedes lá do vigésimo quinto andar com suas gritarias e peripécias frente às guloseimas que lhe escorriam pela face, vindas dos olhos maiores que a boca.

O pai e marido, esticado ao sol do meio dia na madeira fervente do deck, roncava ruídos estremecedores, e de barrigão derretido , sob o filtro solar umedecido, as crianças lhe escalavam e deslizavam pelo o abdômen obeso sem que ele apresentasse sinal algum de que despertaria tão cedo.

"ô mãe, o papai tá derrentendo no sol"-gritava o menorzinho.

E claro, ele tinha toda a razão.

Mas a mãe não largava o celular fazia horas...e se tal acontecia, seria apenas para mastigar mais um daqueles isopores amarelos que lhe inchavam as tantas tatuagens.

De repente uma criança se colocou no caminho do garçon que nela tropeçou a voar alto, levando consigo a bandeja com tudo que tirara duma mesa.

Quase fui atingida e confesso que me assustei um pouco, nada que me fizesse arrepender daquele feriado justamente ali, naquele nosocômio algo manicômio, afinal, tudo passou logo...e confesso, eu já me interessava incrivelmente pelo final daquela minha histórica saga já protagonizada no deck.

Em meio ao ruído ensurdecerdor dos ultimos cacos da bandeja ainda consegui escutar o garçon se desculpando só por ter atrapalhado a reinação das crianças.

Percebi que a mãe, pessoa de parcas palavras e de poucos olhos, não gostou do ocorrido e decerto que num mundo como o nosso o garçon correria sérios riscos de ser despedido se ousasse lhe pedir desculpas já "indesculpáveis" por mais uma vez.

Afinal, todo mundo ali estava pagando bem.

"Filhinho, vê se não vai se cortar aí, hein?"-dizia ela mais preocupada em postar algo da piscina.

O marido, impressionantemente ainda a roncar.

Lá para tantas, já no final da tarde, se recolheram os quatro do deck, vermelhos como pimentões, deixando atrás de si um cenário de guerra que sequer um mutirão de limpeza profissional daria conta em poucas horas...

"mãe, o papai parece um camarão frito".

Concordei com o moleque. Parecia mesmo.

Na manhã seguinte nos encontramos no café da manhã, e claro, não foi difícil notar que estavam de saída. Fiquei inquieta.

Levaram para o recinto gastronômico todas as malas e matulas e mochilas e brinquedos e os assentaram sobre o chão.

Percebi que faltava o marido e fiquei aguardando o próximo garçon tropeçar na vida deles.

Ela, ainda no celular, atingida de súbito por algo estranho às vias respiratórias, deu um espirro sobre a mesa que mais parecia um tufão.

Os guardanapos voaram longe.

"Mamãe, você espirrou de boca aberta e nem colocou a mão no nariz, isso é feio, mamãe" tentou argumentar o menorzinho esperto como ele só. Todos concordaram com ele. Notei uma senhorinha "lady", que ao seu lado arregalou os olhos e não acreditava no que via...

Eu também não.

Foi quando apareceu o marido carregando nas mãos os travesseiros e os edredons das crianças, onde mal se via sequer a sua face.

"Pai, dá aqui, esse é meu , eu quero me cobrir, tô com frio, papai"-e o pequeno " papai, eu quero sentar no meu travesseiro pra ficar bem alto...".

O relógio rodou, dei graças!- e em breve se ajeitaram no carro e tomaram o destino de volta para casa.

Percebi que o restaurante se aliviou...inclusive os garçons que jamais perderam o sorriso complacente da boa vizinhança. Finíssimos.

Não pagaram a rolha da bagunça, obviamente que não.

Terminei meu café da manhã a lembrar da toda razão irrefutável, mais que justificada, a dum amigo que sempre me diz: "Pagar hotel hoje em dia?- Prefiro ficar em casa...e não correr o risco de pagar a rolha."

E seria eu a discordar dele?