História de pescador – Blog de 30.11.2009

 

                João pescador tinha um vira-lata, companheiro bom danado, melhor do que esses de raça que vivem por aí mordendo todo mundo, capazes até de matar. Pra onde ia levava o animal na coleira, mas de vez em quando o soltava e ele o acompanhava. Era amor pra muito tempo. Atendia só com um olhar não precisava gritar e nem ameaçar o amigo. E isso o prendia demais ao seu dono, a quem dedicava toda a sua fidelidade. Chamava-se “Veludo”, embora tivesse pouco pelo, mas pela doçura merecia esse nome. Uma de suas grandes qualidades era correr, ninguém o pegava, um raio da “gota serena”.

            Pescador e peixeiro de mão cheia, sempre o levava consigo em sua jangada mar adentro. De vez em quando um peixinho para o lanche da “criança”, que também significava certa tranquilidade contra elementos perniciosos que até dentro d’água procuram fazer o mal, roubar, o que lhes der na cabeça. Olha, gente ruim tem em toda parte, isso é inevitável.

            O dia amanhecera bom para a pesca, ainda mais para colocar suas redes nos lugares decorados, demarcados “de cabeça”, não havia necessidade de “radar”, nem de “GPS”, esses equipamentos modernos de que os ricos se utilizam. Era tiro certeiro, sempre voltava com o balaio repleto, peixes pequenos e médios, claro, mas saborosos. E ele sabia do nome de todos e de cada um. Era pegando da rede e jogando num samburá especial feito por ele próprio. Opa, uma cioba, um dourado, um bagrinho. Gostava de colocar o dourado dentro d’água, preso a um pequeno pedaço de linha, a fim de que com isso pudesse manter o cardume por perto. Inteligente o rapaz. Não raro, inventara um nome qualquer...

            Morando perto do cais do Recife, dali era fácil enfrentar mais um dia de pesca. O porto estava cheio de navios e à espera para atracar estavam alguns, ao largo, digamos assim. Todo o cuidado seria pouco, até porque as autoridades da alfândega não gostavam de permitir que embarcações da espécie sem muita estrutura atravessassem a boca da barra. O perigo era iminente.

Aproveitando-se de uma “brecha” deixada de propósito pela turma da segurança, que já o conhecia, colocou os apetrechos na jangada, o cachorro ao lado, e se pôs a navegar. Tinha um pequeno motor de popa, de cinco cavalos, que suportava muito bem a viagem e, além do mais, era bastante econômico, muito mais do que um “fusquinha” dos antigos.

Lá se vão o senhor João e seu estimado “Veludo” tranquilamente. De repente, ao passarem por um navio de tamanho médio, funcionando, o cachorro tomara um susto, escorregou e caíra na água, fato normal porque esses animais sabem nadar e muito bem, não havia perigo nesse aspecto. Problema foi que ao passar perto das hélices do navio, eis que o pobre é apanhado de surpresa e fora “torado” bem no meio, ficando seu corpo agora dividido em duas partes. – “Mas que azar! Logo hoje que pretendia fazer uma boa pescaria! O que eu faço meu Deus me ajude! Ô pega”!

Diante da situação, alternativa não lhe restava senão pular e pegar seu camarada o mais depressa possível. Na sua “bagagem” de pesca levava sempre consigo uma latinha, um tubo, ou um vidro de cola, dessas que depois que seguram ninguém mais retira, como tal de “superbond”, não importa o nome. Pegara o animal, subira na jangada, o corte ainda estava “fresco”, o sangue ainda não havia coagulado. Pegou o vidro da cola e trêmulo, nervoso, abobalhado, danara-se a aplicar nas duas partes com muito cuidado, para evitar mais sofrimento. Juntou-as e pressionou, a cola era de secagem rápida, produto importado. Colou... Um sucesso... que bom!

Pois bem, contente com o feito, não se deu por conta de que havia colado errado, isto é, duas pernas pra cima e duas pra baixo. Agora não tinha mais jeito, isso é a peste... cortar novamente...jamais! Deixou assim mesmo, desistiu da pescaria e foi direto pra casa aperreado, mas o importante era que seu companheiro não morrera, estava vivinho “da silva”.

Problema era o cão se acostumar com a situação... Aos poucos se habituaria, claro... Não deu outra... Todo animal é inteligente... Falam do “burro”, porém sem razão, porquanto é o único quadrúpede que conhece as cinco vogais e as repete sempre quando relincha: a, e, i, o u... E completa:  "Ipsilone". Pois bem, todo o dia bem cedinho levava “Veludo” para correr na beira mar, a fim de que pegasse logo o traquejo, precisava de preparo físico, estava magro, mas tinha saúde, a competição anual do bairro viria por aí...

Por onde passavam ouviam-se “cochichos”, “mangação”, “gozação”. A tudo seu João suportava calado, ”rir melhor quem ri por último” já dizia o ditado. Chegara o dia do grande conclave anual que faziam na sua rua. Inscrevera o cachorro assim mesmo, já estava habituado e a vitória seria como que favas contadas. Mas só ele acreditava nessa hipótese, os outros riam a valer.

Dado o sinal de partida os dez competidores se lançaram a correr. Ora “Veludo” ia à frente ora em segundo lugar. Ainda não havia colocado em prática sua grande arma! Faltando uns quinhentos metros para a chegada, cansado de correr com duas pernas, virara e foi como se a corrida tivesse começado naquele instante. Disparou na frente para regalo de seu dono e tristeza dos outros proprietários criadores. Quando cansava era só virar de lado e prosseguir normalmente. Vitória com larga margem. Há males que vêm para o bem.

Aqui termina mais uma história “verídica” de pescador...

Por hoje é só.

ansilgus
Enviado por ansilgus em 30/11/2009
Reeditado em 30/11/2009
Código do texto: T1952029
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