Blog de 17.08.2008                         

                              
TOMAR A PROVIDÊNCIA !

       No início dos anos setenta grande seca assolou o nordeste, causando enormes prejuízos ao povo do campo, não só aos pequenos, mas também aos médios e grandes produtores. O meu amigo Nobre, que fora um cavaleiro andante no Banco do Brasil, estava prestando serviços nessa época na agência de Cuité, na Paraíba, cidade que fica numa serra íngreme a mais de 700 metros do nível do mar e a uns 300 km do Recife, sua terra Natal. Há épocas de frio intenso na região.

            Fora chefiar a  Carteira Agrícola.  Nunca se viu tamanha desorganização, nem arquivo tinha. Conta-se que o chefe anterior, na única vez que teve a chance de substituir o gerente, fez um empréstimo para ele mesmo, através de uma nota promissória, mas arranjou um “laranja” para assinar e outro para avalizar. No fim foi liquidada. Sabe-se que o tal chefe teria feito uma viagem para Goiás e nunca mais dera notícias, eis que teria sido devorado por índios.

             Cuité vivia da agricultura tradicional de algodão, milho e feijão, para subsistência, mas a principal mesmo era o “sisal” ou “agave” lavoura semi-permanente bastante resistente às secas. Só precisa “chuviscar”, a fim de que suas folhas se ergam e possam produzir, num beneficiamento primário, fibras para a indústria de tapetes, cestas, cordões, tecidos e muitos outros objetos. O criatório de bovinos, geralmente destinado à produção de carne e leite ainda era incipiente. Aqui e ali um pecuarista mais adiantado nessa exploração, como o Cláudio Leite, o Geraldo Simões Pimenta, Dr. Medeiros, o senhor Jaime e outros. Mas nessa fase nem mesmo o agave salvara os produtores.

Cidade pequena, mas bem arrumadinha, bem administrada, dispunha de hospital, razoáveis escolas, associação dançante, clube de futebol, o Cuité Esporte Clube, mas pouca vida noturna. Os Drs. Antônio Medeiros Dantas, Reginaldo e Roberto Lima de Góes prestavam inestimáveis serviços à comunidade, não havia dia e nem hora, sempre estavam presentes.

Medeiros também era agropecuarista de médio porte e um dos bons clientes do banco. Detentor da propriedade “PROVIDÊNCIA”. Sofreu bastante com aquela estiagem, à falta de ração para o seu gado, já que nem o próprio capim natural brotara em abundância. Houve um suporte concedido a ele pra adquirir torta de caroço de algodão com o que foi atravessando precariamente, mas isso encarecia seus produtos.

            O serviço era intenso, o quadro da filial muito pequeno (13 valorosos funcionários). A única saída era praticamente passar o dia inteiro no banco. O subgerente Senhor Brilhante sempre facilitou o trabalho. Ora, se não havia arquivo, o “matuto” ia retirar ou resgatar uma parcela de seu empréstimo e nada se achava, nem ficha nem o dossiê. Foi uma trabalheira danada para montar tudo. Não fora a colaboração efetiva dos quatro servidores da carteira e nada teria sido feito.

 Benjamim, que era do quadro de apoio, depois de devidamente orientado, conseguiu fazer um arquivo dos empréstimos que poderia ser considerado dos melhores do país. O João, que era fiscal, também oferecia seus trabalhos internos, juntamente com o Frazão e o Ary, depois reforçados na posse do Jesuíno. Agora, aqui pra nós, o Maia era um relâmpago na confecção de fichas cadastrais. Ainda nem se pensava na implantação de serviços mecanizados e, muito menos, em computação.

            Com as dificuldades, a clientela atrasara todos os financiamentos, pois o pouco socorro que viera da SUDENE era insuficiente para resolver os problemas, apenas se ia dando um jeito com “frentes de serviço” e “carros pipas”. Mas, dizia o Nobre, ainda bem que a autarquia funcionava, embora não como gostaria o Dr. Juscelino Kubistchek de Oliveira, que a criara. Mas sempre respondia presente nas horas mais difíceis do povo sofredor nordestino. O pior de tudo é que fora extinta!

            Apertado, “duro”, vai o Medeiros falar com o gerente, com medo de uma possível ação de cobrança executiva e de perder os seus bens.  E aí falara: “Senhor Maurício, o que o banco vai fazer comigo?” – “Tomar a PROVIDÊNCIA” fora a resposta. E começaram a rir.

ansilgus
Enviado por ansilgus em 27/11/2009
Reeditado em 10/08/2011
Código do texto: T1946619
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