Ciana

No dia 07/02/2024, na última quarta feira, no meio da tarde, fui informada do falecimento da minha única avó que ainda estava entre nós. Minha avó Nina. Mãe da minha mãe. A notícia que nunca queremos receber e que insiste em aparecer de tempos em tempos. Pra mim, a notícia sobre a perda dos avós apareceu nessa ordem: Primeiro, muito brevemente, o marido da vó Nina, vô Jõao Apariz Lopes, conhecido como João Berto, que faleceu precocemente aos 60 anos de idade. À altura, eu tinha dez anos de vida. Muitos anos depois, durante a gestação da minha filha, em 2018, e eu com 29 anos, faleceu meu avô paterno, também João. Esse conhecido como João Gaspar. Com ele tive mais convívio. Um homem extraordinário que viveu o que queria viver e que dava os piores conselhos para os netos. Mais tarde, descobri a grandeza dos conselhos, o tempo todo ele tinha razão. Em seguida, menos de dois anos depois, faleceu a vó Almerinda, vó Merinda, como a chamávamos. Uma mulher que resistiu à sua época, ao machismo impregnado, como mandava o figurino. Ela se escandalizava e ria com as histórias minhas e das outras netas. E nós sentíamos muito pelas histórias dela e ao mesmo tempo agradecíamos por não termos nascido naquela época. De toda forma, mesmo com um casamento arranjado com meu avô, que na época era filho do dono da fazenda, ela o amou muito. Era extremamente apaixonada pelo Jão dela, que buscava aos tapas dos forrós com a ajuda do meu pai e dos outros irmãos. Outro dia volto aqui para homenageá-los.

Vou me ater à Vó Nina.

Vó Nina faleceu aos 85 anos de idade. Teve uma vida difícil mas feliz, como ela costumava dizer. Nascida em 24 de Janeiro de 1939, em Barra da Floresta, interior do interior de Minas Gerais, ela era a filha da Maria Rosa Gouveia e do Raimundo Feliciano Gouveia, juntamente com mais 7 irmãos ( 2 irmãs e 4 irmãos). Moraram por toda a vida, até o casamento de todos, no córrego Gouveia. Casou-se ainda jovem, com o primo irmão, João Apariz Lopes, a contragosto de seu pai, que respeitou mas não considerava o ideal. A mãe, pouco se importava com as coisas que não fossem relacionadas á igreja. Vó Nina logo engravidou de seu primeiro filho, que deu nome de Raimundo em homenagem à seu pai. Logo em seguida nasceu a filha Maria de Lourdes, em homenagem ao nome da sua mãe, e logo depois, uma péssima notícia. O primogênito faleceu de pneumonia. O avô e homenageado pai Raimundo, ficou sem chão, assim como a minha saudosa avó. O marido, meu saudoso avô João Berto, começou a beber muito, ficando, quase sempre, embriagado. Mal saía da capina e ia para o forró na cidade, beber e dançar. Vó engravidou novamente e veio minha mãe, Geralda, em homenagem ao dia de São Geraldo. Em seguida, José Carlos ( não foi em homenagem a ninguém, eu acho), depois a tia Maria Aparecida, seguida por Ronaldo Abel e Ronildo Abel ( na época avisaram que esses nomes eram de crianças bagunceiras e acertaram). Vó Nina criou os filhos lá na roça, na terrinha que herdou de seu pai. Com os filhos adultos, vô João Berto, influenciado pelo Vô João Gaspar ( mãe já era noiva do meu pai), decidiu vender a terra lá em Floresta. Vô João Gaspar havia se mudado para a terra vizinha há poucos meses e já queria sair, afinal ele havia vivido no ES até então sobre a sombra do pai, meu bisavó Gaspar, que havia o mandado para cuidar da própria vida e família, ajudando-o a comprar a terra que levaria meu pai a ser vizinho de minha mãe. Em pouco tempo, porém, meus dois avós maluquinhos que eram, venderam as duas terras e compraram outras duas em São João, município próximo. Lá mãe se casou e eu nasci dois anos depois. Vô João Gaspar junto com Vô João Berto decidiram vender tudo e ir para a cidade grande, Belo Horizonte. Dois homens do mato, acreditando que teriam futuro por lá. Gastaram tudo. Vô João Gaspar deu sorte que o pai ainda tinha terras e voltou pra continuar vivendo na roça, novamente no ES. Vó Nina, que não tinha mais terra nenhuma, precisou ficar na cidade e colocou vô para trabalhar. Ficou por lá até o avô aposentar e voltaram pra Floresta, agora morando de aluguel. Brigavam muito. Vô gostava de futebol, cachaça e forró. Ela gostava de amigas, igreja e conversas. Os filhos casaram. Vô João faleceu e ela ficou viúva aos 60 anos de idade. E assim permaneceu até seu falecimento. Quando perguntava porque ela não se casara novamente, ela dizia que casamento era um só e que se prender duas vezes era bobeira.

Vó Nina sempre foi uma mulher de fé. Rezava o terço ao menos duas vezes ao dia, todo santo dia. Minha mãe conta que desde que se entende por gente a mãe a obrigava a rezar o terço com ela e os irmãos enquanto o pai estava para o forró na cidade. Uma vida de reza. Uma vida em comunhão com Deus e sobrevivendo no casamento. Obviamente nem tudo foi ruim e ela amava meu avô, casou-se por opção diferente da minha avó paterna, mas penso que se fosse em outra época, teriam se divorciado, ou não. Difícil saber.

O que sei de fato é que ela me chamava de Ciana. Era minha madrinha de batizado. Sempre presente. Sempre alegre, curiosa. Enquanto conseguia andar sozinha, não perdia uma missa. Não perdia um dia de finados no cemitério. Não perdia uma reza em dia de santo na casa das amigas da igreja. Ela me fez ser devota de Nossa Senhora Aparecida e o fez sem me obrigar. Me fez ser devota apenas contando as histórias dela com a mãe do céu de forma tão especial e tão amorosa que eu precisava daquela mãe lá no céu também.

Vó Nina vivia com o terço nas mãos. Falava de todos os santos sem saber ler as histórias. Conhecia todos por conta das inúmeras missas e celebrações que participara.

Ela tinha cabelos longo, brancos e lisos, que viviam presos num coque. Eu implicava com ela pra cortar o cabelo já que não usava solto. Ela brigava comigo. Ela só usava saia. Nem vestido gostava. Saia, blusa e sapatilha. Típica vó. Nunca me bateu ou encostou em qualquer neto senão para abraçar e beijar, ou dar tapa na bunda e dizer: Tá "gurdinha" heim!

Era mulher branca que se casou com homem negro. tinha olhos tão pequenos e tão espertos, atentos. Sempre que chegava alguém em sua casa tinha um bolo ou uma broa pra servir junto com um cafezinho coado na hora. Uma avó e tanto, à moda antiga. Quando criança, ela preparava brevidade pra mim. E eu amava tanto. Percebi o passar dos anos quando ela parou de fazer minhas brevidades quando eu chegava. Ela fez enquanto conseguia, com tanto gosto. Fazia uma comida tão boa, um doce de mamão como ninguém. Nos almoços de casamento lá estava ela na roça, cozinhando em fornalhas. Gostava de política também e brigava por seus candidatos. Ela se interessava pelo nosso trabalho, pela nossa vida, pelos nossos relacionamentos, pela nossa felicidade. Sempre mandava a gente seguir em frente. Sempre generosa, sempre feliz. Não permitia que alguém passasse por seu portão simples sem um minuto de prosa. Ela gostava muito de conversar. Como seguir se a única pessoa do mundo que me chamava de Ciana não me chamará mais? Como seguir se, as quatro pessoas que me mandavam tomar bença, não existem mais nesse mundo? Eu fui avisada da sua morte, mas não quis acreditar. Voltando de viagem, logo depois do seu aniversário, sonhei com meus três avós falecidos. Eles estavam em paz e bem, E estavam aguardando alguém importante chegar. Um sussurrou em meu ouvido: Morrer não é ruim assim como você pensa. Tem pessoas que você ama por cá. E eu fiquei feliz com o sonho. Vê-los novamente e senti-los tão perto me fez um bem danado. Mas não me toquei que estavam esperando pela Vó Nina. Vale ressaltar que Vó Nina nunca teve rancor pelo vô João Gaspar por ele de alguma forma ter influenciado na venda da sua terrinha. Muito ao contrário, ela sempre foi muito ligada aos meus avós paternos e sempre dizia que não queria mesmo deixar nada para ninguém quando morresse. Eu brincava com ela acusando-a por não ser herdeira de terras, ela dizia que a melhor coisa que fez foi gastar tudo pra não dar briga entre os filhos depois. Sinto que ela tinha razão. Enfim, sonhei no dia 26 de Janeiro, ela se foi no dia 07 de fevereiro. Pior, não fui vê-la nesse intervalo de tempo. Minha última visita a ela foi no dia primeiro de Janeiro. Minha filha foi para o aniversário dela junto com minha mãe e dormiram lá enquanto eu viajava a estudos. Minha Maria Alice amava muito a bisa e chorou muito no seu velório. Vó Nina era apaixonada com a Maria Alice. Sempre que a visitávamos, Vó Nina dava um dinheirinho pra Maria, escondido, como um crime. Maria Alice saía saltitando. Maria amava passar a mão na cabeça da bisa, amava apertar as ruguinhas dela...Quando chegava lá e perguntava se a bisa estava bem, ouvia de volta: Tô boa graças a Deus e você? Boa e bonita né? .E mesmo com apenas quase seis aninhos de idade ( faz 6 no domingo, dia 11/02), Maria Alice já disse que sentirá falta da saudação Boa e Bonita, das ruguinhas e do dinheirinho. Vó Nina, obrigada por tudo! Sou seu legado e tenho muito orgulho disso, juntamente com os demais 11 netos e 5 bisnetos. A Senhora já está fazendo falta. Saudades de ligar no seu número e ouvir: Alô, é a Ciana?

Te amarei pra sempre! Sei que está no céu, que está feliz e que está reencontrando todo esse pessoal que a senhora já amou tanto e perdeu. A vida precisa seguir, mas saiba que ela segue menos feliz sem a senhora!

Saiba que em seu velório foram tantas pessoas. Todas falaram o quanto a senhora foi especial e boa. Para sempre neta da Nina Gouveia!

PS: Sem revisão porque mal consegui escrever chorando.

Eciane
Enviado por Eciane em 10/02/2024
Código do texto: T7995831
Classificação de conteúdo: seguro