Simone de Beauvoir




 
Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir, mais conhecida como Simone de Beauvoir (Paris, 9 de janeiro de 1908 — Paris, 14 de abril de 1986), foi uma escritora, intelectual, filósofa existencialista, ativista política, feminista e teórica social francesa. Embora não se considerasse uma filósofa, De Beauvoir teve uma influência significativa tanto no existencialismo quanto na teoria feminista.
Na Universidade de Paris (Sorbonne) conheceu outros jovens intelectuais, entre os quais Jean-Paul Sartre, com quem manteve um relacionamento aberto por toda a vida.
Em A Cerimônia do Adeus, de 1981, ela narra o fim da existência de seu companheiro, que havia morrido em 15 de abril do ano anterior. Faleceu em 14 de abril de 1986, aos 78 anos de idade, por conta do agravamento de uma pneumonia. Seu corpo foi enterrado no Cemitério de Montparnasse, no mesmo túmulo de Sartre.
 
Fonte: Wikipédia




Trecho de "Todos os homens são mortais" - Simone de Beauvoir


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        "(***) Há muito ela me amava, eu sabia.
        - Um dia você estará morta e eu a esquecerei. Isso não torna impossível qualquer amizade?
        - Não - disse ela -, mesmo se você me esquecer nossa amizade terá existido; o futuro nada poderá contra ela.
        Ergueu os olhos; seu olhar inundou-lhe o rosto.
        - Todo esse futuro em que me esquecerá, todo esse passado em que não existo, eu os aceito; fazem parte de você; é bem você que está aqui com esse futuro e esse passado. Pensei nisso muitas vezes e eu me dizia que o tempo não nos poderia separar se tão-somente...
        - Com a voz embargada, terminou rapidamente:
        - ... se tão-somente você tivesse amizade por mim.
        Estendi a mão. Pela força do amor, eis que pela primeira vez há séculos, apesar do passado, apesar do futuro, eu me encontrava inteiramente presente, inteiramente vivo. Estava ali: um homem que uma mulher amava; um homem com seu estranho destino, mas um homem desta terra. Toquei-lhe os dedos. Uma palavra apenas e essa crosta morna fender-se-ia, e novamente rolariam as lavas febris da vida; o mundo encontraria de novo uma fisionomia, uma expressão; haveria esperas, alegrias, lágrimas.
        Ela disse-me muito baixo:
        - Deixe-me amá-lo.
    Alguns dias, alguns anos. E ei-la deitada na cama, com o rosto encarquilhado; todas as cores se misturaram, o céu extinguiu-se e os perfumes gelaram: "Tu me esquecerás". Sua imagem petrifica-se dentro do quadro oval. Nem mesmo há mais palavras para dizer: Ela não está aqui. Onde não está ela? Não vejo nenhum vazio em redor de mim.
       - Não - disse eu - É inútil. Tudo é inútil.
       - Não represento nada para você?      
       Olhei-a. Sabia que eu era imortal, medira o sentido dessa palavra e me amava; era capaz de semelhante amor. Se eu soubesse ainda servir-me das palavras humanas, teria dito: "De todas as mulheres que conheci, é a mais generosa, a mais apaixonada, a mais nobre, a mais pura". Mas todas essas palavras nada mais significavam para mim. Laure já era uma morta. Minha mão afastou-se da sua.
       - Nada. Você não pode compreender.
       Ela encolheu-se no banco e o espelho fixou-lhe a imagem. Estava só, exausta; teria que envelhecer só e exausta, sem nada receber em troca do que prodigalizava e que nem sequer lhe pediam; lutando por eles, sem eles, contra eles, duvidando deles e de si mesma. Em meu coração alguma coisa fremia ainda: piedade. Eu podia arrancá-la à sua vida; de minhas antigas riquezas ainda sobrava o suficiente para levá-la para as terras quentes; estender-se-ia numa rede à sombra das palmeiras e eu lhe diria que a amava.
       - Laure.
       Ela sorriu timidamente; ainda sobrava um pouco de esperança em seus olhos. E Beatriz inclinava sobre o manuscrito vermelho e dourado seu rosto envelhecido. Eu dissera: "Quero fazer tua felicidade", e eu a perdera mais seguramente do que perdera Antônio (nota de Zuleika dos Reis. Antônio, filho do personagem-narrador). Ela sorria; mas por que preferir seu sorriso às suas lágrimas? Não se podia dar-lhe coisa alguma. Nada se podia querer por eles se não se queria alguma coisa para si mesmo com eles. Teria sido necessário amá-la. Eu não a amava. Não queria nada.
        - Vá dormir - disse-lhe. - É tarde".


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