MOTE

Muitas vozes só falam
Nos jardins do silêncio
Elas são muito preciosas...
E inaudíveis aos desumanos


SOB A LUZ DO MEIO-DIA
 
Verão de 1988,
Mês de agosto
E um Senhorzinho Negro
Caminha sob sol escaldante
 
As roupas desbotadas
Pés descalços e calejados
Assim como também
Seu coração nordestino
 
Que abandonara seu torrão
Em busca de esperança
Na terra de densas florestas
E de rios fartos e caudalosos
 
A voz era escassa, assim como
Todos os seus dias inglórios
Onde pães amanhecidos
Lhe quebravam o jejum
 
Pisava todas as ruas quentes
Daquela pequena cidade...
A cachaça era sua companheira
Assim como o papelinho e o tabaco
 
O boné puído pelo tempo
Lhe salvava a moleira
Sua humilde presença...
Rosto sofrido, corpo esguio
 
E eu apenas um menino
Que agora viajo neste tempo
Em letras poéticas vespertinas
Tentando bulir com o passado
 
Que guarda as memórias do mundo
Algumas tornam-se prazerosas
Mas muitas são invioláveis...
E o sábio poeta respeita tal muralha
 
 
Relembro agora este Senhor
De olhar cansado
Mas que há tempos...
Encontrou sua morada
 
Por que os sonhos
Devem ter sido muitos
Mas adormeceram
Nos dias de árdua lida
 
Nas fazendas e seringais alheios
Nos quintais capinados
Onde seus franzinos braços
Pelejaram com dignidade
 
Hoje você me vem n’alma
E na memória dum menino
Que nunca te esqueceu
Por tudo que você viveu

E o seu sorriso que se apagou

Por que os baques da vida...
Criaram tantos vincos em sua face
Que seu  riso feneceu na loucura 
 

Muitas vozes só falam
Nos jardins do silêncio
Elas são muito preciosas...
E inaudíveis aos desumanos

Eduardo... Você vive!
Nas mentes duma geração
Que não teve coragem...
De chamar-te de irmão.
 

 
 
 
Nota: Este eu dedico ao Senhor Eduardo Preto, figura marcante e conhecida em Novo Aripuanã nas décadas de 80 e 90 se não me falha a memória. Não recordo a data de seu falecimento. Ah! Essa magia chamada literatura... Nos faz viajar e  nunca sabemos para onde o barco da fantasia irá nos levar. Que bom compartilhar este tipo de sentimento, pois os fardos da vida tornão-se ainda mais pesados, para aqueles que cultivam e disseminam sentimentos amargos.

( Fábio Ribeiro - Abril/2016 )