QUATRO DE ABRIL

Lembranças me acompanham... algumas precisas, outras, transformadas pelo tempo e pela falta, hoje, se misturam com um tanto de desejos e fantasias, mesmo assim, mágicas e boas lembranças, ensinamentos recebi muitos, porém, mais pelo exemplo prático do que por palavras diretas ou conselhos a mim dirigidos, não conversávamos muito, não havia tempo entre a labuta diária e o cansaço que o dedicado operário carregava por jornadas estendidas para melhor prover os seus, assim, restava-me observá-lo, o que já bastava para ter um rico material para reflexão.
Homem um tanto sisudo, não tinha um riso aberto e nem fácil, porém, quando surgia era encantador e cativante, um ar de rara elegância em sua simplicidade, sem muito mostrar os dentes, apenas um leve estender de lábios abaixo do bigode sempre bem aparado, juntamente com o chapéu Borsalino Fedora de feltro preto, este, depois da amada esposa minha mãe, seu mais fiel companheiro, inseparáveis, é provável que papai nunca soube que o referido companheiro começou a ser produzido exatos 71 anos antes de seu nascimento, mesmo dia... um 04 de abril, uma linda coincidência apenas.
A 20 anos atrás, dia 04 de abril de 1994, o último aniversário que o tivemos conosco em carne, ou melhor, mais em pele, pois a doença em seus pulmões já o debilitava em demasia, o enfisema tirava dele o ar e tornava a respiração dificultosa até mesmo para o simples exercício de se alimentar, os anos de tabagismo foram cruéis na cobrança, menos apenas que o manuseio diário de produtos químicos e tintas altamente tóxicas, com as quais, conviveu no desempenho da profissão da pintura em porcelana numa época que não se falava em insalubridade, seu corpo vigoroso já não existia mais, a lembrança de vê-lo andar despojado de suas roupas simples de trabalho em ocasiões que o terno com colete eram requisitados, era como ver Clark Gable de olhos azuis de um cinza incomum, cabelo bem penteado mesmo escondido por debaixo do chapéu, são imagens que nunca serão esquecidas.
Um conversar de tom médio, sem alarde e sem um gestual típico à origem e herança italiana, colocações precisas em sua forma de pensar, sem margens para dúvidas, sempre direto e franco... austero e afirmativo quando necessário, mas justo acima de tudo, demonstrava um conhecimento muito além do que seus parcos anos de escolaridade poderiam conferir, observador e detalhista, qualidades que o trabalho exigia e por fim lhe concedeu, sei por minha mãe que nos últimos anos ele sentia muita dor, reclamava bastante, até era por vezes um tanto ríspido com ela que o acompanhou dedicada até o fim sem esmorecer, sua pequena e querida guerreira, ele por sua vez era valente, Bernardino de batismo, Bernardinho para os amigos e unicamente Bernardo para a amada Iolanda, não desistiu, mesmo quando foi previsto apenas meses de vida, suportou 8 anos bravamente, mas, a dificuldade de se movimentar o torturava, a dependência era seu calvário, mesmo assim, diante do caçula temporão nunca demonstrou fraqueza, se manteve digno de admiração por sua força mesmo sofrendo muito.
- Hoje, 20 anos depois, as vésperas do que seria seu octogésimo sexto aniversário pai, ainda sou eu que recebo presentes à cada momento que lembro de você e do seu exemplo de perseverança, e assim, tento me espelhar no legado de batalha, dedicação e fé que o senhor nos deixou... Feliz aniversário Papai.