CLODOMIR SANTOS DE MORAIS
O primeiro livro publicado por um santa-mariense foi, certamente, O Amor e a Sociedade, de Clodomir Morais, no ano de 1950, pela Tipografia Helius (SP). Nesta época Morais contava 22 anos e já era membro da Academia de Letras da Cidade de São Paulo. Somente 11 anos depois, em 1961, o livro Porto Calendário, de Osório Alves de Castro, outro ícone das letras da cidade de Santa Maria da Vitória, veio a lume.
Para a segunda edição do seu livro, Morais fez-me o honroso convite para escrever o prefácio. Entre a euforia e o medo, topei o desafio. O Amor e a Sociedade é um livro de poesia, com belíssimos sonetos, dentre os quais, bem ao estilo que me prende, Morais escreveu A Loira e a Lei (p. 34).
No livro, você vai conhecer um Clodomir Morais diferente, surpreendente, sobretudo, poeta, na essência do termo. Esta grande obra literária você encontra na Casa da Cultura Antônio Lisboa de Moraes e na Barraca Matos, de Pedrinho, em Santa Maria da Vitória.
PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO
Corria a década de 1970, chamada “anos de chumbo”, dentro do período em que governou o Brasil o general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Governo considerado o mais duro e repressivo da Ditadura Militar, que se instalara no Brasil em consequência do Golpe de Estado de 1964.
Nessa época, precisamente, em 1971, ingressei no Ginásio Comercial de Santa Maria da Vitória, depois de ter sido aprovado em Exame de Admissão, algo semelhante a um vestibular do Curso Primário.
Situado, assim, no tempo e no espaço, lembro-me de que minha mãe, Jandira Almeida Neves, especialmente ela, me falava muito de Morais, certamente, por ter sido ele compatrício, contemporâneo e amigo de Osias Almeida, irmão dela, portanto, meu tio. Foi assim que “conheci” Morais. Só tempos depois, vim a conhecer Clodomir Santos de Morais, Clodomir Morais: o escritor, advogado, sociólogo e cientista político.
Osias foi um poeta temporão, escriturário, bancário, que muitos de sua época lembram-se dele como uma pessoa de inteligência rara e cultivador de amizades, além de elegante, gentil e bonito, segundo as vozes femininas da época. Tive a sorte de recolher alguns poemas e textos escritos por ele, que me foram entregues por seu Agnelo Braga e seu Zé Moreno. Minha convivência com ele foi muito efêmera, tinha eu apenas quatro anos de idade. Guardo duas ou três lembranças de Osias, visto que o alcoolismo o levou muito cedo, aos 35 anos.
Morais, aquele jovem inteligente, lutador, visionário, comunista convicto, que os reacionistas da época preferiam tachá-lo de subversivo, saiu de Santa Maria da Vitória, ainda muito novo, para São Paulo e, daí, para Pernambuco. Em seguida, em consequência de seus ideais e de perseguições políticas, partiu para longo exílio. Partiu para o mundo. Esta é, portanto, parte da história que todos sabemos. É o que meus pais e meus amigos mais velhos me contavam.
Anos depois, no final de 1979, quando a Anistia era fato consumado, Morais retornou a Santa Maria da Vitória. Eu estava lá, na Praça do Jacaré, vivendo, juntamente com muitos santa-marienses, um dia de muita alegria: o retorno do, agora, filho ilustre, cidadão do mundo, um homem que se pôs acima da dor.
Na década de 1980, eu morava na Casa do Estudante de Santa Maria da Vitória, em Salvador, onde tínhamos a Biblioteca Osório Alves de Castro, que havia sido presenteada por Morais com mais de 600 livros, alguns bem raros, que ele nos mandou da Nicarágua. Foi lá, lendo cópias de jornais antigos, encadernados, que tomei conhecimento de um Morais diferente, um Morais poeta, algo inimaginado. E conheci, logo, o belíssimo e romântico soneto decassílabo, “Morta” (vide fac-símile no final do prefácio), típico da Terceira Geração Romântica brasileira. Foi um susto para mim, pois jamais havia pensado.
E ficou por aí mesmo. Tive meu primeiro contato pessoal com Morais, em Brasília, ainda na década de 1980, num dos meus passeios de férias. Foi um sonho realizado. Morais, sempre muito gentil e amável, contou-me parte de sua saída de Santa Maria e o convívio com Osias, em São Paulo. Falou-me das venturas e desventuras românticas do meu tio, inclusive, o provável motivo que o teria levado à dipsomania e, desta, para a prematura morte.
Em 1988, publiquei meu primeiro livro, Flutuando na Areia, em prosa e verso, e mandei um exemplar para meu conterrâneo. De volta, recebi longa carta falando não só dos meus escritos, mas de Osias Almeida, seu amigo. Trechos desta missiva publiquei em dois dos meus livros.
Quanto à arte de, efetivamente, fazer versos, de Morais, só muito depois, na década de 1990, é que Joaquim Lisboa Neto (Kinkas) apresentou-me o livro “O amor e a sociedade”, editado em 1950. Li avidamente todo o exemplar, viajei num mundo jamais imaginado por mim, mas idealizado por Morais. Os sonetos, com dez sílabas poéticas, a maioria, típicos de “Os Lusíadas”, de Luís Vaz de Camões, são de uma beleza singularíssima: sonoros, como palavras poéticas, postas nos lugares certos, ritmados. Sonetos, verdadeiramente, na essência do termo.
Uma das poesias de Clodomir prendeu-me, logo à primeira leitura, a atenção: “A loira e a lei”. Decorei quase que instantaneamente e passei a declamá-la. Dentre muitos e muitos outros, igualmente belos, este é de um bom humor impagável. Os poemas livres de Morais são uma aula da arte de versejar: “Tarde demais”, “Os dois corações”, “Saudades” e “Os cinquenta e dois mil nordestinos”, que narra a saudade da terra natal e a dor do nordestino em terras paulistas. O soneto “Meu pai” é o poeta expondo sua dor ante a morte do seu herói. Muitos outros poemas eu poderia citar. Não o farei, entretanto, deixo para você, caro leitor, saborear “O amor e a sociedade”, um livro verdadeiramente atual, que mostra as dores e as venturas dos amores e das sociedades de ontem, tão presentes em nossos dias, vide poema “A China”, que ilustra a contracapa deste belíssimo livro: o primeiro de Morais, quando o poeta ingressou na Academia de Letras da Cidade de São Paulo, em 1950.
Meu Caro Amigo e Conterrâneo, Morais, vivi um misto de alegria, medo, prazer e imensa responsabilidade, quando você convidou-me a prefaciar a segunda edição de seu livro. A tarefa não me seria fácil, e não foi mesmo. Não escrevi um prefácio, contei como conheci você e seu livro, quando me deleitei e sorvi cada página de “O amor e a sociedade”, num aprendizado gradativo e constante. E o mais gratificante ainda: coube a mim a nova diagramação do livro.
Obrigado, portanto, Morais, pelo presente que meu deu! Obrigado, por tudo que fez e continua fazendo por nossa querida Santa Maria da Vitória! Obrigado, Morais, pelo desafio a mim proposto. Obrigado, por seus versos, que dizem muito melhor do que eu! Obrigado, pelos ensinamentos!
A LOIRA E A LEI
É loira a minha nova namorada,
Novinha, todavia muito astuta;
Desejo até fazer uma permuta
Por uma jovem experimentada.
Desvaneci e resultou em nada;
Agora segurou. É uma luta!
Por mais que falo, falo, não me escuta,
Parece que não quer ser despejada.
Meu coração tornou-se meu rosário
De desgostos com este locatário,
Que me obriga travar um pugilato.
Diz ela ser direito que lhe cabe;
Contudo, vou acreditar, quem sabe
O seja nova lei do inquilinato.
(MORAIS, Clodomir. O amor e a sociedade. Santa Maria da Vitória: Gráfica Real, 2011. p. 34)
O primeiro livro publicado por um santa-mariense foi, certamente, O Amor e a Sociedade, de Clodomir Morais, no ano de 1950, pela Tipografia Helius (SP). Nesta época Morais contava 22 anos e já era membro da Academia de Letras da Cidade de São Paulo. Somente 11 anos depois, em 1961, o livro Porto Calendário, de Osório Alves de Castro, outro ícone das letras da cidade de Santa Maria da Vitória, veio a lume.
Para a segunda edição do seu livro, Morais fez-me o honroso convite para escrever o prefácio. Entre a euforia e o medo, topei o desafio. O Amor e a Sociedade é um livro de poesia, com belíssimos sonetos, dentre os quais, bem ao estilo que me prende, Morais escreveu A Loira e a Lei (p. 34).
No livro, você vai conhecer um Clodomir Morais diferente, surpreendente, sobretudo, poeta, na essência do termo. Esta grande obra literária você encontra na Casa da Cultura Antônio Lisboa de Moraes e na Barraca Matos, de Pedrinho, em Santa Maria da Vitória.
PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO
Corria a década de 1970, chamada “anos de chumbo”, dentro do período em que governou o Brasil o general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Governo considerado o mais duro e repressivo da Ditadura Militar, que se instalara no Brasil em consequência do Golpe de Estado de 1964.
Nessa época, precisamente, em 1971, ingressei no Ginásio Comercial de Santa Maria da Vitória, depois de ter sido aprovado em Exame de Admissão, algo semelhante a um vestibular do Curso Primário.
Situado, assim, no tempo e no espaço, lembro-me de que minha mãe, Jandira Almeida Neves, especialmente ela, me falava muito de Morais, certamente, por ter sido ele compatrício, contemporâneo e amigo de Osias Almeida, irmão dela, portanto, meu tio. Foi assim que “conheci” Morais. Só tempos depois, vim a conhecer Clodomir Santos de Morais, Clodomir Morais: o escritor, advogado, sociólogo e cientista político.
Osias foi um poeta temporão, escriturário, bancário, que muitos de sua época lembram-se dele como uma pessoa de inteligência rara e cultivador de amizades, além de elegante, gentil e bonito, segundo as vozes femininas da época. Tive a sorte de recolher alguns poemas e textos escritos por ele, que me foram entregues por seu Agnelo Braga e seu Zé Moreno. Minha convivência com ele foi muito efêmera, tinha eu apenas quatro anos de idade. Guardo duas ou três lembranças de Osias, visto que o alcoolismo o levou muito cedo, aos 35 anos.
Morais, aquele jovem inteligente, lutador, visionário, comunista convicto, que os reacionistas da época preferiam tachá-lo de subversivo, saiu de Santa Maria da Vitória, ainda muito novo, para São Paulo e, daí, para Pernambuco. Em seguida, em consequência de seus ideais e de perseguições políticas, partiu para longo exílio. Partiu para o mundo. Esta é, portanto, parte da história que todos sabemos. É o que meus pais e meus amigos mais velhos me contavam.
Anos depois, no final de 1979, quando a Anistia era fato consumado, Morais retornou a Santa Maria da Vitória. Eu estava lá, na Praça do Jacaré, vivendo, juntamente com muitos santa-marienses, um dia de muita alegria: o retorno do, agora, filho ilustre, cidadão do mundo, um homem que se pôs acima da dor.
Na década de 1980, eu morava na Casa do Estudante de Santa Maria da Vitória, em Salvador, onde tínhamos a Biblioteca Osório Alves de Castro, que havia sido presenteada por Morais com mais de 600 livros, alguns bem raros, que ele nos mandou da Nicarágua. Foi lá, lendo cópias de jornais antigos, encadernados, que tomei conhecimento de um Morais diferente, um Morais poeta, algo inimaginado. E conheci, logo, o belíssimo e romântico soneto decassílabo, “Morta” (vide fac-símile no final do prefácio), típico da Terceira Geração Romântica brasileira. Foi um susto para mim, pois jamais havia pensado.
E ficou por aí mesmo. Tive meu primeiro contato pessoal com Morais, em Brasília, ainda na década de 1980, num dos meus passeios de férias. Foi um sonho realizado. Morais, sempre muito gentil e amável, contou-me parte de sua saída de Santa Maria e o convívio com Osias, em São Paulo. Falou-me das venturas e desventuras românticas do meu tio, inclusive, o provável motivo que o teria levado à dipsomania e, desta, para a prematura morte.
Em 1988, publiquei meu primeiro livro, Flutuando na Areia, em prosa e verso, e mandei um exemplar para meu conterrâneo. De volta, recebi longa carta falando não só dos meus escritos, mas de Osias Almeida, seu amigo. Trechos desta missiva publiquei em dois dos meus livros.
Quanto à arte de, efetivamente, fazer versos, de Morais, só muito depois, na década de 1990, é que Joaquim Lisboa Neto (Kinkas) apresentou-me o livro “O amor e a sociedade”, editado em 1950. Li avidamente todo o exemplar, viajei num mundo jamais imaginado por mim, mas idealizado por Morais. Os sonetos, com dez sílabas poéticas, a maioria, típicos de “Os Lusíadas”, de Luís Vaz de Camões, são de uma beleza singularíssima: sonoros, como palavras poéticas, postas nos lugares certos, ritmados. Sonetos, verdadeiramente, na essência do termo.
Uma das poesias de Clodomir prendeu-me, logo à primeira leitura, a atenção: “A loira e a lei”. Decorei quase que instantaneamente e passei a declamá-la. Dentre muitos e muitos outros, igualmente belos, este é de um bom humor impagável. Os poemas livres de Morais são uma aula da arte de versejar: “Tarde demais”, “Os dois corações”, “Saudades” e “Os cinquenta e dois mil nordestinos”, que narra a saudade da terra natal e a dor do nordestino em terras paulistas. O soneto “Meu pai” é o poeta expondo sua dor ante a morte do seu herói. Muitos outros poemas eu poderia citar. Não o farei, entretanto, deixo para você, caro leitor, saborear “O amor e a sociedade”, um livro verdadeiramente atual, que mostra as dores e as venturas dos amores e das sociedades de ontem, tão presentes em nossos dias, vide poema “A China”, que ilustra a contracapa deste belíssimo livro: o primeiro de Morais, quando o poeta ingressou na Academia de Letras da Cidade de São Paulo, em 1950.
Meu Caro Amigo e Conterrâneo, Morais, vivi um misto de alegria, medo, prazer e imensa responsabilidade, quando você convidou-me a prefaciar a segunda edição de seu livro. A tarefa não me seria fácil, e não foi mesmo. Não escrevi um prefácio, contei como conheci você e seu livro, quando me deleitei e sorvi cada página de “O amor e a sociedade”, num aprendizado gradativo e constante. E o mais gratificante ainda: coube a mim a nova diagramação do livro.
Obrigado, portanto, Morais, pelo presente que meu deu! Obrigado, por tudo que fez e continua fazendo por nossa querida Santa Maria da Vitória! Obrigado, Morais, pelo desafio a mim proposto. Obrigado, por seus versos, que dizem muito melhor do que eu! Obrigado, pelos ensinamentos!
Salvador (BA), Primavera de 2011.
Novais Neto
Poeta e cronista santa-mariense
Novais Neto
Poeta e cronista santa-mariense
A LOIRA E A LEI
É loira a minha nova namorada,
Novinha, todavia muito astuta;
Desejo até fazer uma permuta
Por uma jovem experimentada.
Desvaneci e resultou em nada;
Agora segurou. É uma luta!
Por mais que falo, falo, não me escuta,
Parece que não quer ser despejada.
Meu coração tornou-se meu rosário
De desgostos com este locatário,
Que me obriga travar um pugilato.
Diz ela ser direito que lhe cabe;
Contudo, vou acreditar, quem sabe
O seja nova lei do inquilinato.
(MORAIS, Clodomir. O amor e a sociedade. Santa Maria da Vitória: Gráfica Real, 2011. p. 34)