NAS PROFUNDEZAS DA CONSCIÊNCIA HUMANA COM CLARICE LISPECTOR

Clarice Lispector nasceu em Tchetchelnik, na Ucrânia, em 10 de dezembro de 1925. Com apenas dois meses de idade, veio com a família para o Brasil. A seguir, o texto de autoria da própria escritora sobre a sua infância:

"Sou brasileira naturalizada, quando, por questão de meses, poderia ser brasileira nata. Fiz da língua portuguesa a minha vida interior, o meu pensamento mais íntimo, usei-a para palavras de amor. Comecei a escrever pequenos contos logo que me alfabetizaram, e escrevi-os em português, é claro. Criei-me em Recife.

Com sete anos eu mandava histórias e histórias para a seção infantil que saía às quintas-feiras num diário. Nunca foram aceitas.”

A primeira obra publicada por Clarice foi o romance “Perto do coração selvagem”. Esse romance provocou verdadeiro espanto na crítica e no público da época. A crítica reconheceu o talento da escritora de apenas 17 anos de idade, mas apontou-lhe numerosas falhas, mormente, de construção. Abaixo, uma parte da crítica feita por Álvaro Lins, conceituado crítico daquela época:

“ Li o romance duas vezes, e ao terminar só havia uma impressão: a de que ele não estava realizado, a de que estava incompleta e inacabadaa sua estrutura como obra de ficção.”

Na verdade, com a obra supracitada, Clarice Lispector introduzia, na literatura brasileira, novas técnicas de expressão. A escritora quebrava a sequência linear: começo, meio e fim e unia a prosa à poesia. Tudo isso exigia uma nova revisão de critérios avaliativos.

A escritora nunca aceitou o rótulo de escritora feminista. Esse rótulo lhe foi dado pelo fato de muitas de suas obras terem como protagonistas personagens femininas, quase sempre situadas em centros urbanos.

A seguir, um fragmento no qual Clarice Lispector explica sua vocação para a literatura:

"[...] talvez porque para as outras vocações eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós. É que não sei estudar. E, para escrever, o único estudo é mesmo escrever."

Pela confissão acima, conclui-se que “o ponto de partida” da literatura de Clarice é o da experiência pessoal da mulher e o seu ambiente familiar. Isso é o ponto de partida, como foi registrado, pois a escritora extrapolou os limites desse universo. Seus temas são: as relações entre o eu e o outro, a falsidade das relações humanas, o esvaziamento das relações familiares e, principalmente, a própria linguagem: única forma de comunicação com o mundo.

Clarice é considerada uma escritora intimista e psicológica. A escritora tinha uma certa preocupação com a revalorização, com o uso da palavra, explorando-lhe os limites do significado. A seguir, algumas declarações feitas por Clarice Lispector sobre o ato de escrever:

“ Algumas pessoas cosem para fora; eu coso para dentro”.

"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."

“ Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto- e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidade de mar (...)”

"Minha liberdade é escrever. A palavra é o meu domínio sobre o mundo."

“ Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas.”

"Eu só escrevo quando eu quero, eu sou uma amadora e faço questão de continuar a ser amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever, ou então em relação ao outro. Agora, eu faço questão de não ser profissional, para manter minha liberdade".

“ O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem. Só quando falha a construção é que obtenho o que ela conseguiu.”

"Escrevo porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando..."

"Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada."

"É preciso coragem. Uma coragem danada. Muita coragem é o que eu preciso. Sinto-me tão desamparada, preciso tanto de proteção...porque parece que sou portadora de uma coisa muito pesada. Sei lá porque escrevo! Que fatalidade é esta?"

Necessário ressaltar que a obra de Clarice não deixa de ser também social, filosófica, existencial e metalinguística. A última obra da escritora, intitulada “A hora da estrela”, de 1977, é uma narrativa que, entre outros aspectos, aborda a condição social de uma migrante nordestina no Rio de Janeiro.

Clarice casou-se com o colega de faculdade Maury Gurgel Valente e concluiu o curso de Direito. Seu marido, por concurso, ingressa na carreira diplomática. Clarice acompanhou o marido em viagens à Itália, à Suíça e aos Estados Unidos. Retornou ao Rio de Janeiro na década de 1950 e morreu em 1977.

Por derradeiro, a relação de algumas das obras escritas por Clarice. Romances: Perto do coração selvagem (1944), O lustre (1946), A cidade sitiada (1949), A maçã no escuro (1961), A paixão segundo G. H. (1964), Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres (1969), Água viva (1973), A hora da estrela (1977). Contos: Alguns contos (1952), Laços de família (1960), A legião estrangeira (1964), Felicidade clandestina (1971), Imitação da rosa (1973), A via-crucis do corpo (1974).

BIBLIOGRAFIA:

FREITAS, Christiano Abelardo Fagundes. "O Verso e o Avesso do Bordado", editora Grafimar, Campos dos Goytacazes: 2010.

CHRISTIANO FAGUNDES
Enviado por CHRISTIANO FAGUNDES em 07/09/2011
Código do texto: T3206347