POR QUE “CRIAR” E NÃO “CREAR”?

Depois de atentamente ler o brilhante texto de autoria da ilustre e culta correcantista SIMONE SIMON PAZ, resolvemos, como simples estudioso e amante da Língua Portuguesa, justificar nosso humilde entendimento, ou seja, de que não há lugar, entre nós, para o verbo “CREAR”.

Ensina, com a mestria que lhe é peculiar, o filólogo e gramático NAPOLEÃO MENDES DE ALMEIDA:

“Criar – De acordo com o uso clássico, deve-se adotar exclusivamente a forma criar, ainda quando se trata do sentido filosófico do "producere ex nihilo".

Em Portugal existe unicamente a forma criar; é o que vemos em Said Ali (Gramática Secundária), Cândido de Figueiredo (Dicionário) e Otelo Reis (Verbos). Este último muito bem nos expõe o caso dizendo: "Modernamente, estabeleceu-se a distinção das formas conforme o sentido. Distinção cerebrina, empírica, injustificável, não autorizada, na opinião de uns; tolerável, razoável, necessária ou justificada, segundo outros".

Diremos, com os primeiros, que tal distinção é cerebrina, empírica, injustificável, não autorizada e desnecessária. A forma criar, na acepção de tirar do nada, além de certa está arraigada no povo; querer arrancá-la para, em seu lugar, criar outra, é ação inútil e até prejudicial.

Em alguns livros, vemos sobre o caso expressões como esta: "No Brasil faz-se distinção..." No nosso modo de ver, essa distinção só é feita por alguns docentes que, sem procurar saber o que há de verdade sobre a questão, assim ensinam seus discípulos, os quais com igual leviandade vão espalhando o mal criado "crear". Inovações como essa só logram dois efeitos: Um, emaranhar cada vez mais o nosso já complicado idioma; outro, mostrar o sangue frio de quem as lança no mercado após verificar a leviandade com que acadêmicos endossam regras prefabricadas de ortografia. Veja-se o que diz João Ribeiro no dicionário de Fonseca: "A distinção que querem estabelecer entre "crear" (tirar do nada) e "criar" (amamentar) não se funda em razão alguma, a não ser em ortografia, aqui arbitrária".

Sendo "criar" a forma mais usada, e dada a inutilidade da distinção filosófica entre ela e "crear", nada mais claro que eliminar a segunda grafia, embora sacrificando o nosso amor aos clássicos e línguas irmãs. Por que grafar "As escolas que o governo creou têm criado muitos homens hábeis"? Já é tão difícil, não digo acreditar, mas provar a origem do mundo do nada (Santo Tomás afirma não ser absurdo admiti-lo existente ab aeterno), por que agora essas artimanhas a impregnar a grafia das palavras de princípios filosóficos, teológicos? Aconselhando a grafia uniforme criar, não alegamos o uso próprio, em boa ou má companhia, mas o que existe de fato, hodiernamente, na língua.” (Dicionário de Questões Vernáculas, Editora Ática, 4ª ed., 1999, p. 126).”

David Fares
Enviado por David Fares em 04/06/2011
Reeditado em 04/06/2011
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