De Olho na Língua e Nos Seus Estilos

Entende-se, por estilística, o estudo dos diversos recursos estilísticos, ou seja, dos meios que permitem modificar a linguagem vulgar e tornar as frases expressivas, sugestivas ou musicais.

São muitos os recursos estilísticos, utilizados quer na linguagem oral quer, sobretudo, na escrita, nomeadamente na linguagem literária. Tradicionalmente chamados figuras de estilo, de seguida se referem os principais:

Alegoria – sucessão de comparações, imagens e metáforas que transmitem um pensamento sob forma figurada, representando uma coisa para dar a ideia de outra, geralmente de ordem abstracta:

O barco da vida vai singrando, enfrentando as tempestades, em busca do porto de abrigo.

Aliteração – repetição de consoantes no início ou no meio de palavras, com o objectivo de transmitir um efeito musical, ou rítmico:

‘‘Na messe que enlouquece, estremece a quermesse.

O sol, o celestial girassol, esmorece…’’

(Eugénio de Castro)

Anacoluto – frase quebrada, em que se altera a construção sintáctica, sugerindo que a força da ideia se sobrepõe à correcção gramatical:

Eu parece-me que já acabou o filme.

Este povo, que é meu […]

Por ele a ti rogando, choro e bramo.

(Lusíadas)

Anáfora – repetição intencional de uma palavra ou expressão, para a fazer sobressair (se a repetição se verifica no início de cada verso, ou de cada estrofe, designa-se por epanáfora):

Entre as flores sorri.

Já não as vê as flores,

Já não as pode colher,

Já não as sente, sequer […]

(Sebastião da Gama)

Animismo – ver Prosopopeia

Antanáclase – utilização, na mesma frase, de palavras semelhantes, na forma ou no som, mas com sentido diferente:

Em vão aos deuses vãos ele rezava.

Antítese – utilização de palavras ou ideias de significado contrário, para acentuar a oposição entre ambas, ou para realçar uma delas:

Aquela triste e leda [= alegre] madrugada.

(Camões)

Antonomásia – recurso a nome ou frase sugestiva relativos a características de uma pessoa que se utilizam para a designar, em vez de usar o seu nome:

O rei lavrador [= D. Dinis] também foi poeta.

Apóstrofe – invocação dirigida directa e momentaneamente a alguém ou alguma coisa presente, ou ausente, real ou fantástica implicando interrupção da frase:

E vós, ilustres antepassados, se nos ouvis, apoiai-nos nesta empresa.

Olha lá, meu caro amigo, tem cuidado com o que dizes.

Assíndeto – supressão de conjunções, sobretudo da copulativa e, para imprimir mais vivacidade à frase:

Entrou, subiu as escadas; bateu com força à porta do quarto, arrependeu- se.

[em vez de] Entrou e subiu as escadas; bateu com força à porta do quarto, mas arrependeu-se.

Assonância – repetição de sons vocálicos, com a intenção de transmitir musicalidade à frase, ou de evocar um determinado ambiente:

E as cantilenas de serenos sons amenos…

(Eugénio de Castro)

Catacrese – palavra que se usa por analogia, desviada do seu sentido próprio, por não haver outra adequada à realidade que se pretende exprimir:

O pé da mesa; a asa do jarro; os braços da cruz, etc.

Comparação – aproximação de dois conceitos realçando um deles por confronto com outro, através do uso de uma palavra ou expressão comparativa:

Tem os olhos tão azuis como o céu.

Ficou branca como a cal da parede.

Diácope – emprego repetido da mesma palavra, intercalada entre as outras:

Tu, só tu, puro amor, com força crua […]

(Lusíadas)

Disfemismo – forma desagradável de referir uma realidade, para marcar distanciamento, falta de emoção:

Esticou o pernil. Bateu a bota. [= morreu]

Elipse – omissão de palavras ou expressões que, no entanto, são facilmente subentendidas:

Vida aborrecida, a dele. [subentende-se: a vida dele é aborrecida]

Muito riso, pouco siso [Subentende-se: Onde há muito riso, há pouco siso].

Que maravilha! [perante uma paisagem, por exemplo].

Epanáfora – ver Anáfora

Epizeuxe – repetição de uma palavra para dar mais força a uma ordem, a um pedido, a uma exortação, etc.:

Foge, foge, senão prendem-te!

Eufemismo – forma atenuada de referir uma realidade desagradável ou grosseira:

Não é nenhum génio! [= é um bocado limitado]

Já foi para o céu. [= já morreu]

Gradação – progressão ascendente ou descendente de ideias ou palavras:

Ganhou impulso, subiu e, finalmente voou.

Entristeceu, brotaram-lhe as lágrimas nos olhos, largou em altos gritos.

Hipálage – forma de realçar uma característica de uma pessoa, atribuindo-a a uma coisa que lhe pertence ou que com ela está relacionada:

Lá estava o inspector, com o antipático caderninho na mão. [antipático é atributo do inspector, e não do caderno]

Hipérbato – inversão forçada da ordem natural das palavras ou das orações:

Casos que Adamastor contou futuros […]

(Lusíadas)

[por: Casos futuros que Adamastor contou]

Hipérbole – afirmação exagerada, com intenção de acentuar fortemente a ideia que se pretende exprimir:

Os seus olhos eram dois archotes.

As lágrimas saltaram-lhe em cascata.

Encontrou a vítima num mar de sangue.

Imagem – representação sensível de uma ideia, procurando torná-la mais fácil de captar:

O rio, como uma cobra, serpenteia lentamente pela areia, como que espreguiçando-se.

Interrogação – pergunta cuja intenção é reforçar, no interlocutor, a ideia que se lhe quer transmitir, tornando a mensagem mais viva:

Eu não te disse que te ias arrepender?

Então nós não ficámos de ir lá ter?

Ironia – utilização de palavras ou expressões que significam o contrário do que se pensa:

Que rica prenda que tu me saíste!

Metáfora – é uma comparação não explícita, ou seja, a designação de uma coisa ou de uma ideia por meio de uma palavra ou expressão que indica, normalmente, uma coisa ou uma ideia diferente, mas que apresenta com ela alguma semelhança:

O fogo da paixão devorava-o.

[Subentende-se: a paixão é como um fogo].

Metonímia – atribuição do nome de uma realidade a outra, aproveitando as conexões de sentidos entre as palavras como, por exemplo:

– referir os atributos do indivíduo em vez do seu nome:

o pai da historiografia nacional [em vez de Fernão Lopes];

a alma dos Descobrimentos [pelo Infante D. Henrique].

– referir um sinal distintivo para designar uma classe:

A coroa e a mitra [em vez de rei e bispos].

– usar o continente pelo conteúdo, ou o contrário:

Comeu dois pratos ao jantar [= comeu o conteúdo dos pratos].

– usar o efeito pela causa ou o contrário:

Respeita os meus cabelos brancos [= Respeita a minha idade – os cabelos brancos são o efeito da velhice].

– referir o autor pela obra:

Vou dedicar-me a ler Camões [= a obra de Camões].

– usar o lugar pelo que nele é produzido:

Acompanhou o jantar com um belíssimo Borba [= vinho da região de Borba].

Oxímoro – associação de palavras ou expressões que são, em si mesmas, contraditórias:

Conseguir meter um golo foi uma triste consolação.

Perífrase – utilização de várias palavras ou frases para exprimir o que podia ser dito mais concisamente, com o intuito de embelezar a linguagem ou de dar realce à ideia a transmitir:

Quando surgiram os primeiros raios de sol, saiu de casa [= quando amanheceu].

Personificação – ver Prosopopeia.

Pleonasmo – repetição aparentemente inútil da mesma ideia por meio de palavras equivalentes para dar mais colorido, vigor ou graça ao que se diz:

Vi, claramente visto, o lume vivo […]

(Lusíadas)

Polissíndeto – repetição da conjunção com o objectivo de exprimir insistência:

Resmunga e refila e debate-se e esperneia e rebola-se; enfim, é uma peste.

Prosopopeia – atribuição de características humanas a seres inanimados ou irracionais ou recurso que consiste em pôr a falar pessoas ausentes ou mortas:

Havia um renque de salgueiros chorando junto ao rio.

O sol acordou amuado.

Quiasmo – repetição de termos, cuja ordem é cruzada, ou alternada:

Ele estava cansado e sedento; sedento e cansado estava também o seu companheiro.

Sinédoque – semelhante à metonímia, consiste em exprimir uma realidade recorrendo a outra, com base numa relação de compreensão usando a parte pelo todo, ou o todo pela parte, por exemplo:

Usava sapatos de camurça [= de pele de camurça]

Fez ontem 20 primaveras [= 20 anos]

Sinestesia – consiste na mistura de dados de sentidos diferentes:

Tem mel no aroma – dor

Na cor

o lírio.

(Almeida Garrett)

Usava um vestido de um amarelo gritante.

Supressão – ver Elipse e Assíndeto.

Zeugma – omissão, na frase, de uma palavra já expressa anteriormente:

A casa era grande e soalheira; os quartos, muito espaçosos.

[Subentende-se: eram muito espaçosos]

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Gislaine Becker
Enviado por Gislaine Becker em 20/10/2009
Reeditado em 20/10/2009
Código do texto: T1877033
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