Lichtenberg - Aforismos II - Exercícios de Tradução

Narra o senhor Camper que quando um missionário falou sobre o inferno a uma comunidade de groenlandeses, fez tal descrição das chamas ameaçadoras e do calor que havia ali que todos começaram a ansiar por aquele lugar.

Tanto no romance como no teatro, a primeira regra é contemplar os distintos personagens como peças de um tabuleiro de xadrez e tratar de ganhar o jogo sem alterar as regras: um cavalo não pode mover-se como um peão. Deve-se triunfar sem modificar as regras que definem os personagens, aproveitando sua eficácia. Não fazê-lo significa tentar milagres, e os milagres são sempre artificiais.

O escritor dá corpo às metáforas; o leitor, alma.

O sacrifício dos primogênitos ainda é recomendável (no caso dos versos).

Nos poetas da moda é demasiado evidente que a palavra gera a idéia. Em Milton e Shakespeare o pensamento sempre cria a idéia.

Dir-se-ia que nossos idiomas enlouqueceram. Quando queremos uma ideia, nos oferecem uma palavra; quando exigimos uma palavra, nos brindam com um travessão, e onde esperamos um travessão, há uma obscenidade.

Existiram bons oradores em tempos em que presumivelmente se escrevia mal, e algo que se pode ler bem não tem que ser escutado; são duas coisas muito diferentes. Uma pintura não deve estar sob o microscópio. Nossos dramaturgos deveriam ter isso em conta.

Milhares de pessoas podem ver a falta de sentido de uma frase sem ter a capacidade de refutá-la formalmente.

Assim como muitos defensores de Kant dizem que seus inimigos não o entendem, muitos crêem ter razão só porque o entendem. Como sua maneira de expressar-se é inovadora e afasta-se muito da norma, quando se consegue chegar a ela tem-se a tentação de tomá-la por verdadeira. Daí que tenha tantos adeptos fervorosos. Todavia, sempre deve-se ter em conta que entender suas ideias não basta para considerá-las verdadeiras. O gosto de entender uma teoria sumamente abstrata e obscura leva a maioria a pensar que ela já está demonstrada.

A grande regra: se tuas pequenezas não são singulares em si mesmas, ao menos di-las de uma forma levemente singular.

A comédia não melhora as coisas de imediato, talvez tampouco a sátira; quero dizer que não eliminam o vício que ridicularizam; no entanto, ampliam nosso horizonte, multiplicam os pontos cardinais com os quais podemos nos orientar rapidamente em todos os sucessos da vida.

Sem dúvida a primeira sátira foi feita por vingança. Utilizá-la para o melhoramento do próximo, contra os vícios e não contra os viciosos, é já um pensamento domesticado, arrefecido, deglutido.

Ao escrever, mantém a confiança em ti mesmo, um orgulho nobre e a certeza de que os demais não são melhores que tu; eles evitam teus erros, mas cometem outros que tu terias evitado.

De cada palavra ter ao menos uma explicação, não usar nenhuma que alguém não entenda e ver as coisas com a intenção de encontrar nelas algo que os demais não viram.

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Com pouco engenho se pode escrever de tal forma que outro necessite de muito para entender.

Os aforismos acima foram traduzidos da edição em espanhol de Juan Villoro.