O AJUDANTE DO IRMÃO AGOSTINHO.

Itália, ano de 1360. Nem bem o sol emanou seus primeiros raios, anunciando um novo dia, um vulto desceu as escadarias do mosteiro, levando nas mãos uma tocha e um balde. Enquanto todos os monges dormiam o sono dos justos, o irmão Agostinho já tinha limpado as latrinas, o salão principal e a cozinha. -"Agora tenho que fazer o café e montar a mesa. Me ajude, por favor." Ele soltou uma gargalhada. -"Obrigado mais uma vez, querido. Sem sua ajuda eu não conseguiria pois você é mais jovem que eu." Ele olhou por uma fresta da janela. -"Veja, meu caro. Já tem doentes na fila da misericórdia. Aquele alí sempre chega primeiro. É o Maximiliano, você o conhece pois já falei dele pra você." O velho monge foi até o quintal e puxou água do poço. As mãos calejadas, uma corcunda proeminente. O canto do galo. Irmão Agostinho trocou o avental. Parou um pouquinho apenas pra secar o suor da testa, enquanto montava a mesa para os vinte internos. As canecas, os lenços, o candelabro, as cadeiras na grande mesa de madeira. As dezoito janelas abertas. -"O café está pronto. Obrigado, meu jovem. Muito obrigado por sua preciosa ajuda." A fila de monges desceu as escadarias do mosteiro. O som de canto gregoriano inundou o ambiente, fazendo algumas pombas voarem até o teto. Uma atmosfera divina e maravilhosa criada pela música e acústica perfeita do ambiente. Irmão Agostinho juntou as mãos e começou a cantar louvores. Os monges o cumprimentaram com um olhar e um leve aceno de cabeça. O superior da ordem, o último da fila, tinha o hábito diferente dos demais, túnica e chapéu vermelhos. O irmão Agostinho era o único de pé. Ia e voltava da cozinha, ora equilibrando bacias de pães, ora caldeirões de chá. -"Irmão Agostinho, troque esse guardanapo, por favor." Pediu o superior. Os monges terminaram o desjejum, entre risos e cânticos. Em fila, foram orar e meditar nos jardins floridos e bem cuidados pelo irmão Agostinho, que além de faxineiro, cozinheiro e serviçal, era jardineiro. Ele tomou seu café rapidinho pois tinha que atender os doentes da vila. Ele tirou a mesa, lavando os pratos e canecas. Varreu a cozinha com esmero, sempre cantando e sorrindo. O velho monge dava atenção e abraçava a todos os doentes e mendigos, sempre chamando-os pelo nome. Vez ou outra, ele ia até a sala do superior quando não conseguia resolver a questão. -"É grave, meu amigo. O superior tem que resolver isso, a família do senhor Hércules precisa viajar a Espanha. Vai dar tudo certo." Irmão Agostinho falava sozinho e isso era visto com estranheza pelos demais. Um dos monges passou e viu o irmão Agostinho falando sozinho. -"Coitado. Tá pinel. Louco de pedra." O último doente atendido. O irmão Agostinho começou a cuidar do almoço. Tocou o sino, anunciando que a refeição estava pronta. De novo a fila de monges, entoando lindos cantos gregorianos. O irmão Agostinho servindo a todos. O avental molhado de suor. De novo, o último a comer. A limpeza da mesa e dos pratos. A varrição da cozinha. Mal comia e tinha algum doente o chamando. -"Irmão Agostinho, poderia consertar minha cadeira?" Pediu o irmão Horácio. Irmão Agostinho era o faz tudo do mosteiro. O superior sempre o mandava a vila, seja pra comprar mantimentos ou atender algum moribundo. De tarde, se ocupava da lavagem de roupas e vestes dos monges, no riacho. O irmão Agostinho descia o monte do mosteiro, com os sacos de roupas nas costas. -"Ainda bem que você me ajuda. Vamos conseguir, amigo." Meia hora de caminhada até o mosteiro. -"Leve os cestos de roupa nas costas, irmão. Preciso do burrico do mosteiro pra ir meditar." Disse o monge Paulino. O Irmão Agostinho participava das orações diárias. -"Estou aqui, irmão Agostinho. Não estou cochilando." O superior interrompeu a oração. -"Irmão Agostinho, algum problema?" Ele ergueu a cabeça, tirando os olhos do livro de orações. -"Nenhum, meu senhor. Falava com meu ajudante, às vezes ele cochila. Ele é muito ocupado." Todos riram. O superior continuou a oração. O sol se foi e o irmão Agostinho já estava com a janta pronta. O cheiro gostoso da sopa despertava as papilas gustativas dos monges que desciam as escadarias, entoando salmos em latim. Irmão Agostinho servia a todos, sempre sorridente. Os panelões pesados e quentes. Irmão Agostinho sempre prestativo e solícito. -"Mais pão, irmão Agostinho! Pão a quem tem fome e muita fome a quem tem pão." Um dos monges ergueu o dedo indicador, pedindo licença ao superior para se pronunciar. -"Estive reunido com alguns irmãos e falávamos sobre a importância da meditação, onde conectamos com o céu. Sugerimos que o irmão Agostinho limpe nossas celas, se ocupe da organização da abadia e da horta, para que tenhamos mais tempo pra meditar." O irmão Agostinho, que levava uma panela pra cozinha, ouviu a sugestão. O superior coçou o queixo e pensou muito. -"É justo. A meditação é vital. Se o irmão Agostinho concordar, não vejo porém. Ele deve ter algum tempo ocioso pra encaixar essas tarefas. Por mim, tudo bem." O superior tocou a sineta. Irmão Agostinho se apresentou, enxugando as mãos no avental. O superior anunciou a proposta dos monges. Irmão Agostinho ouviu tudo. -"Cuidar da capela? Cuido sim. Das celas eu cuidarei com zelo, como se fosse a minha própria cela. Eu aceito. Gosto de mexer com a terra, vou tratar bem da nossa horta." A partir do dia seguinte, o irmão Agostinho ia dormir tarde, de tão cansado pelos afazeres diários. Vivia sorrindo e cantando enquanto trabalhava. -"Esse homem não é normal. Já faz um monte de trabalhos, ainda coloco mais fardos sobre ele e não reclama de cansaço, de dor nenhuma?" Um noviço confidenciou ao superior. -"Ele tem um ajudante, superior. Um jovem rapaz ajuda o Irmão Agostinho nas tarefas. Eu nunca o vi mas o Agostinho vive falando dele." O superior esfregou as mãos. -"Obrigado, Julius. Vou verificar essa história." O superior passou a sondar o irmão Agostinho em seus afazeres. Irmão Agostinho dava conta de todas as tarefas, sem atrasos e reclamações. Após várias semanas, o superior foi até o riacho. O irmão Agostinho estava entre as pedras, lavando as vestes e cantando. Um jovem estava sentado numa pedra. O superior se aproximou por trás e ia tocar no ombro do moço quando o irmão Agostinho gritou. -"Meu ajudante, me ajude com esse cesto!" O superior se escondeu entre os arbustos, ao ver o rapaz se levantar. -"Olha só. O Agostinho tem mesmo um ajudante. Ele vai se ver comigo!" O moço se levantou e foi até o monge. O moço ergueu o cesto e o colocou nos ombros do velho monge. Eles sorriram e vieram caminhando na direção do superior, escondido entre as folhagens da beira do rio. Agostinho e o rapaz sorriam. -"Obrigado, meu amigo. Sem sua ajuda eu não conseguiria. Você é meu tudo." O superior ficou irado. -"Meu tudo? São tão íntimos assim? Meu Deus!" Irmão Agostinho e o rapaz se aproximando cada vez mais. O superior olhou bem para o ajudante do irmão Agostinho mas não o reconheceu. Eles passaram pertinho do superior, que olhou bem para as mãos e os pés do jovem descalço. As marcas dos pregos. Os sinais do sofrimento da cruz. O superior caiu de joelhos e cobriu o rosto com as mãos, chorando compulsivamente. -"O ajudante do irmão Agostinho é o senhor Jesus." O superior contou o fato aos outros monges, pedindo-lhes segredo. De repente, o irmão Agostinho passou a ser auxiliado, pelos outros monges, nas tarefas diárias. FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 27/05/2021
Reeditado em 29/05/2021
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