A REUNIÃO DOS PÁSSAROS

A REUNIÃO DOS PÁSSAROS

Certa vez em um reino - nem perto nem longe, nem passado nem presente - designou-se ao arauto do reino, a missão de convocar os pássaros do lugar a opinarem sobre importante assunto, que, a todos interessava.

Dada a profusão de espécies de pássaros, o arauto foi orientado a selecionar os que para o castelo deveriam seguir: o tico-tico, o chupim, o pássaro-lira, o pavão, o quero-quero, a gralha e o joão-de-barro, foram os escolhidos.

O assunto em pauta, colocado pelo rei era sobre a Pasta da Habitação. O senhor Primeiro Ministro em tom solene disse: - Com a palavra o senhor João-de-barro. Este, sem mais delongas, como é de sua índole, apresentou ao assunto em pauta o sistema de construção de sua casa e de toda sua família ao longo dos séculos. Tão eficiente e eficaz a ponto de ser cobiçado não só pelos demais pássaros bem como por todos os animais, inclusive o homem. Demonstrou de forma simples; no momento que o Ministro manda um serviçal trazer uma bandeja, contendo uma boa porção de argila da qualidade indicada pelo João-de-barro. Mostrou como escolhia esse tipo de argila, como fazia a bolotinha e como voava com ela no bico assentando-a, como hábil construtor, uma ao lado das outras, levantando assim gradativamente e em círculo, primeiro o alicerce. Este, no local escolhido iria dar a forma à sua casa. A parede era sem arestas, arredondada e dinâmica, para não sofrer com os vendavais. Sólida como barro queimado no forno, com entrada protegida do soprar dos ventos, das chuvas e das agressões, construindo para isso um quarto privativo, dividido por uma paredinha interna, para si e a esposa, fazerem o ninho.

E observem, ao longo dos séculos, nenhuma Joana-de-barro (considerada uma das mais exigentes esposas de pássaros) recusou o modelo ou pôs defeito na segurança do lar levantado pelo marido.

Em seguida o Tico-tico descreveu seu sistema habitacional, confecção etc. queixando-se, claro, do chupim que bota em seu ninho e deixa os rebentos - aos zelos da Titica sua mulher...

O Quero-quero falou de sua liberdade e amizade com os cavalos e o gado, seu vôo e pouso demorado junto a outras aves e animais e sobre o solo, por preferência, de alimentação e morada.

Já a Gralha, falou sobre a sua falta de critério quanto ao uso de materiais, na construção de sua casa.

O Pavão, ora o Pavão! Mais se exibiu do que falou ou explicou qualquer coisa.

Disse o Chupim: - Para que construir minha casa? Dá um trabalhão danado! Eu tenho cá o meu sistema: minha mulher vai, bota no ninho da Titica e ela muito bobinha, não só choca nossos ovos junto aos dela, como ainda alimenta, e muito bem, meus filhotes. E mais, seus filhos já estão vivendo sozinhos e os meus, que não são tontos nem nada,

- puxaram aos pais - ficam grandões, maiores que a boboca da Titica e a lerda continua a alimentá-los. Solta uma gargalhada de quebrar bico, e completa: - E claro, nós Chupins ficamos no bem-bom!

A Gralha solta seus grasnidos: - Eu, por mim, não "Estou nem aí!" Pego daqui e dali o que me passar na frente dos olhos. Sem nenhum pudor. Pois ora, nunca soube o que é isso mesmo! Vou amontoando tudo que é "balangandãs" e outras tranqueiras, depois vejo no que dá. O que importa é se a coisa brilha, refletiu meu bico é minha. Ali mesmo boto meu ovo. Se nascer o filhote, muito que bem, se não nascer a gente logo vê.

O Quero-quero, como faz jus ao som de seu nome, apenas dizia para tudo: - Quero-quero. Eu quero e quero!

O Pavão, este então, não falava nada só pavoneava, abrindo e fechando sua cauda para se exibir. Mostrava-se. Fazia de tudo para chamar a atenção sobre si. Não sabendo nada de nada, esperava com olhos morteiros, que alguém pusesse palavras em seu bico e... talvez alguma idéia na sua cabeça. Às vezes olhava para seus pés horríveis e entristecia, murchando as penas da cauda. Mas logo, vaidoso, abria de novo as plumas e penas, voltando a se encher de empáfia. Pobre Pavão!

O rei Plácido I, em sua complacência, aparteava os chilreos, piados, grasnares e toda a onomatopéia da passarada, dizendo: - Calma pessoal, só o que desejo saber e ainda não sei, é como dar mais segurança e evitar a mortandade dos pássaros do reino de uma forma prática e racional, desde a filhotagem.

Eis que o Pássaro-lira, uma fêmea solteirona e sem filhotes, o mais soberbo dos presentes, do alto de sua indisfarçada arrogância plangeu sua voz: - Ora, os filhotes já sabem desde que nascem, o que fazer; como se defender e os adultos intervindo no curso natural de suas vidas, só vão atrapalhar, pois, a vida é uma grande brincadeira em que todos os filhotes devem participar. Perdas fazem parte do jogo.

Houve grande cisma mas não teve pios. Lira, como queria ser chamada, - fêmea maravilha - importada de outras plagas, chegou ao reino de Plácido I, com um forte "Q.I".

João -de-barro por pouco não aparteou Lira; mas pensou melhor no que havia dito a Gralha, no que viu do Pavão, no que ouviu do Chupim, na voz do Quero-quero... Meditou: - Não tem jeito aqui, no reino de Plácido I. Com estes pássaros não dá. Não é possível consenso, onde não impera o bom senso!

Já sabia o que fazer. Disse: - Vou começar a transmitir o que penso e aprendi, de bico em bico a todos os filhotes. Do jeito que fiz com os meus, que já estão sabendo fazer suas próprias casas. Aos filhotes eu vou. E disse uma frase lá do bosque: "Nunca mais voltarei pra donde vim".

Bateu forte suas asas, rodopiou pelo aposento por sobre os olhares surpresos dos colegas. E saiu por uma janela do castelo recortada contra o azul do céu do reino, desaparecendo no firmamento.

PENSAR BEM É SÁBIO, PLANEJAR BEM É MAIS SÁBIO E EXECUTAR BEM É O MAIS SÁBIO.

Mauro Martins Santos
Enviado por Mauro Martins Santos em 02/05/2013
Reeditado em 04/03/2015
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