O ouvir do Segredo e da Paciência

Numa cidadezinha do interior de Minas, morava um jovem fanhoso de dentes largos e cabelos enrolados. Todos os dias ele acordava cedinho e sempre fazia as mesmas coisas, ajudando o seu pai no pequeno sítio "Sombra Fria Água Fresca".

Todas as noites ao deitar, ele colocava embaixo do seu travesseiro uma fotografia antiga e sem cores de uma mulher de traços fortes e sofridos. Isso não pode ser assunto nessa casa! Dizia sempre o pai, alegando em ser uma tia dele que morava no Rio Grande do Sul. O pai desviava a conversa poupando o jovem daquele assunto.

Assim iam passando os anos do jovenzinho que arreava o Segredo e ia para seus a fazeres onde tratava de muitas galinhas, patos, tirava o leite das cabras, separava as vacas leiteiras das novilhas, aguava sua horta.

Esse jovem tinha sonhos antes desconhecidos por todos, pois sua dificuldade em falar às vezes fazia com que as pessoas não tivessem tanta paciência para ouvir os segredos do coração de um simples e humilde jovem, a não ser sobre labuta diária.

Ele levantava da sua cama que era improvisada sobre tábuas velhas, dobrava a esteira e as cobertas. E num gesto de fé, agradecia a Deus pelos sonhos com a mulher da fotografia.

Certo dia de manhã bem cedinho ele acordou com o relincho do grande e forte Segredo, que muito agitado empinava as dianteiras para seu lado como que pedisse para segui-lo.

E o jovem, que tinha tanto costume com o Segredo, não pensou duas vezes e foi ver o que era. A mãe do Segredo havia parido mais uma vez! Estava em pé ao lado de uma potra linda e forte, que ainda com pernas cambaleantes, sugava o colosso.

O jovem ao ver que a mais nova mamãe do sítio, a Paciência, parira com uns dias de antecedência, abraçou o Segredo pela crina e chorou de emoção e disse a ele assim:

_ Sabe Segredo, todas as noites quando vou deitar, eu coloco a foto da minha mãe embaixo do travesseiro só para sonhar com ela. E foi justamente num momento como esse que a Paciência está passando agora que minha mãe se foi.

Eu também resolvi vir mais cedo, e pelas condições aqui desse valado não tiveram como salvá-la, pois meu parto foi muito demorado.

E nisso, com os olhinhos lacrimejados e fundos, o jovem fanhoso e de dentinhos largos continuou seus a fazeres, pois sabia que pelo menos a Paciência e o Segredo tinham tempo para ouvi-lo falar do seu sonho que ele, todas as noites, guardava embaixo do travesseiro, na esperança de um último abraço.