AO POVO, A TABUADA DO REI!

Ele era Rei.

Um elegante homem influente, de fala mansa, inteligente, algo "letrado e matemático" demais para o seu humilde meio sem muitos números nem muitas letras, um reino de gente simples, crédula, honesta e trabalhadora, e que dignamente mantinha a nobre corte com gordos impostos, porém, ele, um excêntrico milionário ,jamais gostara de ostentar suas riquezas de rei, tampouco seu político poder matemático que tudo podia, inclusive manter os homens da lei sob sua estrita direção de majestade.

Suas posses sempre estiveram acima de qualquer suspeita,afinal, era ele um homem-rei!- íntegro, ético, de boa índole, aliás, caracteres que destoavam dos adjacentes políticos do seu reino, ademais, quando criança, ele se esmerara na leitura dos grandes pensadores como Santo Agostinho, São Francisco de Assis e Buda, todos eles a pregarem o desapego material que norteava a sua vida.

Vivia ele num triste conflito de identidade, aquele pobre rei.

Todavia, era ele também um grande empresário, homem dos

"negócios" obscuros, todo mundo do reino sabia, admirava, mas ninguém provava, afinal, ele multiplicava seu dinheiro, sabia operar contas privadas, e de tal destino não conseguira nunca fugir, porque nascera rico e absolutamente ninguém, muito menos ele, poderia responder pelo tal infortúnio de se ter ungido em berço d'ouro...e nele continuar dormindo sem grandes esforços, somente com os esforços do reino.

Era um grande conselheiro. Todos os políticos dos reinos adjacentes lhe pediam conselhos multiplicadores!

"Dinheiro chama dinheiro meus caros...era o que explicava ao seus clientes anônimos e também aos seus súditos quando lhe perguntavam sobre o seu milagre da multiplicação do reinado.

Mesmo com tanta capacidade, tudo aquilo lhe gerava grandes conflitos internos...de identidade.

A princípio, para se sentir mais aliviado, até optara por uma profissão assistencialista, curandeiro do reino, porém, muito cansado, logo percebeu que poderia ser muito melhor conselheiro servindo apenas o seu reinado...deixando de ser rei dos seus negócios para ser rei dos negócios do reino.

Um dia, lá da imprensa do castelo, alguém gritou: "O rei está multiplicadamente pelado!".

Ninguém acreditou.

Oh, que absurdo!" Óh, diziam as mulheres, os anciãos e as crianças...logo seguidos pelos demais bobos da corte que eram muitos...muitos...muitos...muitos, multiplicadamente muitos.

"Que injustiça, o rei apenas domina a tabuada do reino" gritavam todos os INTERESSADOS.

Naquela "tabuada real" dois mais dois nunca fora quatro, os livro de lá ensinavam.

Todavia, o sábio Rei aprendera nas suas leituras filosóficas que a inveja mata, a exemplo de Caim que matou o próprio irmão Abel.

Então se defendia:

"Queridos súditos, não os ouça, eles não sabem o que dizem, minha multiplicação é uma mera calúnia, está "nos livro"!"

"É para o bem do povo que multiplico meu todo já tão bem multiplicado!"

Mas certo dia, o povo duvidoso e cansado, que nunca aprendera a tabuada, acordou e pediu provas... provas da sua idoneidade junto aos negócios multiplicadores do reino.

E mais uma vez o Rei entrou em crise de identidade.

Ele, como bom conselheiro desapegado de toda e qualquer matéria, resolveu ser o que era, subiu ao palanque, largou a coroa, abandonou o castelo e alugou um apartamento modesto na cidade, cuja propriedade pertencia ao mais novo LARANJA da hora , o mais famoso bobo daquela corte que sempre abanava os Reis que politicamente se fritavam por aquele reino.

Dizem que era a grande profecia do reinado: aquele Rei morreria frito e multiplicado.

Passado muito tempo, hoje já não se fala mais nele. Apenas é relembrado como uma lenda da mais exímia tabuada multiplicadora realizada por um rei histórico.

Acabou-se aquela história, porém, dizem que até hoje a vitória daquele simplório povo ainda está por vir.

As crianças do reino, que não sabem ler nem escrever, ainda sonham- quem sabe um dia!- aprender aquela milagrosa tabuada para resgatarem a renomada coroa do rei multiplicador.