ENTRE GOELDI E ABRAMO

Contemplando o Debate sobre gravura, conduzido por Ferreira Gullar no final da década de 50 e publicado pelo Jornal do Brasil, particularizo insuficientemente as colocações formalizadas pelos gravadores Oswaldo Goeldi e Lívio Abramo. Como sabemos a necessidade é a mãe do invento. Inúmeras vezes o artista desejando determinado efeito no seu trabalho se apropria ou concebe novos instrumentos ou formas para expressar sua criação. Sendo a gravura uma arte experimental: Daí, também, a legitimidade das inovações e das pesquisas que incessantemente se processam em gravura.

Ora, mas não se deve confundir experimentos técnicos com a verdadeira inovação. O engenho deve se pronunciar de tal forma que o artista tomado de supetão se espante, estimulando a criatividade maturada em seus sonhos e fantasias. A maneira de como vai representar deve ser legitima e comprometida com a sua aspiração num labor compositivo técnico que exprima a realidade de sua vontade poética, não se importando com os ismos do momento, quer do passado ou do presente.

A dedicação plena ao métier e um certo isolamento contribuíram para que houvesse uma verdadeira mentalidade da gravura. Com a ampliação de novos meios técnicos contrapondo a maneira linear de se lidar é que deu possibilidade ao surgimento de jovens gravadores e uma certa dinâmica de mercado.

Esse tal isolamento incensado pelos críticos e apregoado por Goeldi a Alfred Kubin: “Neste areal eu vivo... Os postes de ferro preto... aumentam a impressão de completo abandono. Quase só pescadores vivem aqui. Camaradas simples, queimados do sol... existem peixes perigosos como a família do tubarão... Os mais sanguinários, porém são as piranhas... Em cardumes de milhões, estes demônios são o terror dos nativos” (Ribeiro,1995) é mítico, não me parece um antropófobo, basta ver as fotos de 1922 (fig.1) e 28 (fig.2) onde aparece em companhia de, entre outros: Álvaro Moreyra, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Augusto Frederico Schmidt, da pintora Angelina Agostini, Lasar Segall, Sérgio Buarque de Holanda, Manoel Bandeira, Flávio de Carvalho, Ismael Neri e Cícero Dias.

Quanto ao aprendizado, Abramo é favorável apesar da rabugice de Goeldi. É devido ao seu temperamento perfeccionista - a busca pela fiel expressão da incógnita interior que dará conta de sua satisfação. Essa constancia verifica-se em outros campos da atividade humana, uma vez que o poeta persegue incessantemente a eufonia que melhor represente a sua mensagem. Portanto, é mera indisposição de artesão para com aqueles que usam de outros meios que não o tradicional. Pretender-se artista é outra historia, exige sacrifícios que muitos não estão dispostos a fazê-los, contentando-se com o decorativo rápido. Fincar o pé e não reconhecer novas práticas é uma questão de egoísta valoração porque apenas o seu processo valida a qualidade do trabalho.

Concertar e consertar é o mesmo que inovar por inovar depende da sutileza do emprego, particularidade que define a invenção.

Arrisco sem competência dizer que Galeno inscreveria Goeldi na bílis negra de tanto que o gravador aciona os humores da angustia e da solidão.

Abramo em sua longa carta desfila de forma prosaica e abrangente considerações sobre o gravador e a gravura, as novas possibilidades técnicas, a dialética enfrentada entre o tradicional e o moderno, o paroxismo latente que pulsa na arte gráfica, o embate formal artístico e finalmente o reconhecimento de novos talentos.

Por outro lado, Goeldi amplia suas observações que em alguns momentos dão a entender que andam na mão e contramão, paradoxais se assim desejar, sem contudo abandonar a defesa do artesão que apesar de todos entraves e dificuldades dedica sua alma no fazer sulcos cada vez mais profundos.

Um breve texto não encerraria todos os contrapontos expressos, visto que algumas proposições se ramificam entre os diversos debatedores e outras definem o CEP do destinatário.

paulo costa

outubro/2010

FONTES CONSULTADAS:

- Dória, Renato Palumbo, Oswaldo Goeldi, ilustrador de Dostoievski, Dissertação de Mestrado, UNICAMP, apresentada em 31 de março de 1998.

- El Banat, Ana Kalassa, A imagem gravada e o livro: as publicações da Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil, aproximações às poéticas brasileiras entre os anos 40 e 60, Dissertação de Mestrado, UNICAMP, apresentada em 28 de março de 1996.

paulo costa
Enviado por paulo costa em 18/11/2010
Código do texto: T2622675
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.