Entrevista - NELSON HOFFMANN - (Literatura) - RS

(Minhas entrevistas geralmente se iniciam com alguma apresentação formal ou algo assim. Mas minha conversa com Nelson Hoffmann, advogado, professor e, principalmente, escritor - verdadeiro "gaúcho da gema" - foi marcada pela informalidade e a troca de emoções que extravasaram aquilo que tinha sido delineado. A quem o conhece, descortinamos mais algumas filigranas sutis - "qual casca de cebola", ele nos dirá - do seu modus vivendi, operandi e outros tais. A quem não o conhece, apresento-lhes o relato emocionante de uma conversa sincera, contundente, profunda, dolorida, talvez não muito feliz, mas esmerada em respeito humano e artístico mútuo. A quem já o conhece - e esses já são muitos - fica o relato de uma rica experiência, transpiração e (muita!) inspiração)

Pergunta 1 - Amigo, como estão as coisas por ái? A família? Os escritos? A militância literária e cultural? A saúde? Espero que tudo esteja bem contigo. Terminei as leituras (dos seus livros que

você gratuitamente me enviou). Vamos começar nosso "dedo de prosa"? Você fazendo um sim, faço a primeira pergunta. Quando tu responder a primeira, envio a segunda, e aí por diante...

Há braços, EF.

Resposta: Franelas, meu caro, pergunta-me pela família, escritos, militância literária, saúde. Pois, de tudo, o que me incomoda é a falta de saúde: pelo menos está boa no fato de ter estacionado em sua

precariedade. Os médicos me avisam, teu caso é sem volta. Luta-se pela permanência no estado em que me encontro. Estou assim há cerca de meio ano. Torçamos para que fique assim, desse jeito frágil, mais meia centena de anos. Porque, como me alertam, quando a bomba explodir dentro de mim, o prazo máximo é de três, quatro meses. Buenas, então, Amigo, enfrentemos a peleia do que jeito que se me apresenta, quase sem armas, mas com muita coragem.

A Família é o que eu tenho de melhor. Uma filha, a Inês, grande Poeta e bibliotecária da Casa de Cultura NH*, está sempre a meu lado; meu filho Diego, em SC, não me esquece, ronda-me em preocupação;

e os netos, então, que são o que tenho de melhor na vida, são meus melhores amigos: Ariel, Eduardo e Tony. Sem eles, eu não seria ninguém.

Escritos? Estão avançando. Estou lento, a saúde torna-me vagaroso, mas avanço. Está por sair a 2ª edição de "Onde Está Maria?", uma boa aventura do Dr. Landblut. Estou trabalhando em dois outros livros novos, totalmente novos, ambos pela metade, um deles devendo sair ainda neste ano.

Por fim, a militância literária e cultural. Continuo ativo, em silêncio e recolhimento. Pouco saio de casa, distribuo informações que não deixam de me serem pedidas. Não me envolvo mais em Acontecimentos, por orientação médica, mas não fujo de receber o pessoal, discutir problemas, sugerir alternativas e caminhos. Com uma perna só, também se avança.

Mas, Amigo, estou bem. Dentro das minhas limitações, estou ótimo.

Pede-me um "dedo de prosa", não? Estou às ordens. Gostei da idéia: uma pegunta, uma resposta. Depois, outra pergunta, outra resposta. Pode mandar, não sou de fugir da raia.

Recebeu o jornal "O Nheçuano"?

Tudo de bom! Com amizade, um grande abraço do, Nelson Hoffmann.

2 - Quem é Nelson Hoffmann?

R: Pergunta-me "Quem é Nelson Hoffmann?". Respondo, com tranquilidade: Um cara de família, calmo, quase recluso, de pouca conversa, que conversa mais consigo mesmo, com os seus personagens, com os quais discute, aconselha, é aconselhado, poucas vezes se acerta. Mas ama-os, mesmo que chatos ou bandidos, às vezes. Assim mesmo, para os íntimos, é aceito como um bom papo.

Gosta mesmo é de livros, do ambiente de sua biblioteca. Filho da cidade em que vive, viajou muito, correu mundo, estudou e trabalhou em longes terras, passeou, passou anos fora, mas nunca despregou

de seu chão. Sempre voltou. E permanece. E pede para um dia ali vai descansar para sempre.

3 - Seus livros, especialmente os de ficção, refletem um pouco dessa solidão. Poderíamos deduzir então que essa reclusão contemplativa está amalgamada tanto no cidadão quanto no ficcionista Nelson?

R: Está. A minha solidão é uma solidão de existência. Somos irremediavelmente sós. É preciso entender que já fui considerado como estando do "outro lado", no Além, quando sofri o infarto.

Os médicos nunca entenderam como voltei. Mas garantiram: de lá ninguém volta impune.

Mas, minha soldião já vinha de antes, é de ciência mesmo. Por mais que se queira fugir da solidão ninguém foge da sua solidão. Quando chegar a hora da morte, não há como tergiversar. Somos nós e ninguém pode nos substituir. Somos infinitamente sós.

É assim que vejo a nossa condição humana. E uma escrita autêntica sempre reflete o autor. Se o autor fugir, falsifica. Eu nunca falsifico, eu sou eu mesmo. Inclusive na ficção, que é um fingimento de dizer mentiras para, em verdade, dizer verdades.

4 - Ainda assim, apesar dessa solidão, o Nelson sempre foi um cidadão inquieto, certo?

R: Certíssimo. Só porque vivo quieto, em meu canto, com meus livros e meus rabiscos, não quer dizer que esteja desligado do mundo. Com a chegada da internet, então, o mundo inteiro entrou-me biblioteca adentro. E eu vivo e participo de tudo. Sem sair de casa nem de mim mesmo.

Com relação a isso, a esse meu silêncio e solidão, até já comentei alhures: "Só porque o vulcão dorme, ele não deixa de ser vulcão". Sou assim, um mar de calma por fora, uma de lava por dentro.

5 - Vejo em seus trabalhos, além de uma fina sensibilidade poética para o trato da palavra, um constante dialogar com suas raízes, através das recorrências históricas e geográficas. Como se dá isso em sua vida?

R: A sensibilidade poética, deixo por sua gentileza. Não sei se a tenho. Mas confesso, vejo na Poesia a busca suprema. E faço-o, partindo de onde estou: este é meu chão, dele sou parte. Tenho-o dentro de mim, nele estou inserido. Como posso, então, alienar-me? Lembre-se de Tolstoi: "Se queres ser universal, canta tua aldeia". Eu não canto a aldeia, eu busco o ser humano, dentro da minha aldeia.

6 - Mas percebo o quanto seu trabalho é preocupado em descobrir raízes, fazer analogias, entender a história, respeitar as geografias...

R: Eu sou um rabiscador à moda antiga, como quem senta à beira de um fogo de chão e vai contando histórias. Para que a história possa ser entendida, eu forneço coordenadas, tempo e espaço. É o meu mundo, aqui, que é este o mundo que eu conheço e vivo. Vivenciei outras paragens, mas essas não me fizeram viver. E escrever o que não se viveu, ou vive, não me parece que seja importante ser contado.

Nem se tem autoridade para contar. Ademais, não me alço a vôos que se dizem supeirores, e se fazem de herméticos, que esses não são o meu chão. O meu chão é firme, de acarinhar ou machucar a sola dos pés, de lugar e época bem conhecidos, onde vivem pessoas, que sempre são e mostram o que é o mundo de todos. Para que mais?

7 - O que levou este gaúcho a interessar-se tão profundamente pelas coisas do Piauí (que está tão longe de seu quintal natal...)?

R: Talvez, o fato de não conhecer o Piauí. O desconhecido sempre me atraiu. Conheço o Brasil inteiro, grande parte da América do Sul, e não conheço o Piauí. O ignoto me fascina. Tanto físico quanto espiritual. E de lá tenho notícias físicas que me chamam. Aqui vivo numa montanha russa de frios e calores; lá, vislumbro o sol e a permanência do calor. E tem os amigos, a gente fantástica com quem me correspondo e que nunca abracei, de corpo. É uma comunhão espiritual. E os escritores

são de alto nível, dos melhores deste Brasil e que os grande centros desconsideram. Como, aliás, é o caso desta minha região das Missões. Sinto-me irmão do Piauí.

8 - Você está escrevendo alguma coisa no momento. Teremos alguma novidade para o futuro próximo?

R: Estou escrevendo, sim, sempre estou escrevendo. Não sou de arranques, recuos, avanços. Sou de atividade contínua, permanente, rotineira. Minha disciplina, Amigo, é disciplina mesmo, nunca paro. Todos os dias, às mesmas horas, sento ao computador, brinco com o teclado e observo as letras se mostrando e acolherando na tela do monitor. Assim, tenho sempre textos em andamento. Maiores, menores. Para livros, dois estão pela metade. Um deles tem chances de aparecer ainda neste ano.

Se fatores externos não me atrasarem demais.

X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.

NOTAS:

*Casa de Cultura NH (Casa de Cultura Nelson Hoffmann, espaço que leva o nome de nosso entrevistado, na cidade de Roque Gonzales, RS)