A Amazônia pede sombra

Manoel M. Tourinho; Manoel Moacir Macedo; Gutemberg Armando Diniz Guerra. *

*Os autores são Agrônomos, Professores Voluntários da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Pesquisador Aposentado da EMBRAPA.

A Revolução Industrial, iniciada a partir da segunda metade do Século XVIII (1760 a 1820), ensejou uma transformação radical nas estruturas sociais, políticas e tecnológicas, no nível global e com amplo impacto na vida humana. Nesses duzentos e sessenta e quatro anos, a revolução industrial garantiu o processo de formação do capitalismo nas suas diferentes vertentes: industrial, agrária e comercial.

O seu epicentro, foi inicialmente, na Grã-Bretanha, a seguir os Estados Unidos e, mais tarde, na Alemanha, Rússia e hoje a China. Todas disseminaram e disseminam os seus modelos transformadores industriais na via dos “pacotes tecnológicos”, amplamente apoiados pelas agências de cooperação nacional ou financiadores internacionais como o Banco Mundial-WB, O Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e o Fundo Monetário Internacional - FMI.

No caso brasileiro, exerceu papel relevante as agências nacionais, como Banco do Nordeste, Banco da Amazônia, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, e a Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP. Elas viabilizaram, em territórios nacionais o emprego desses pacotes, sem questionamento de suas externalidades.

Destaque anotado do alcance da revolução industrial na produção agrícola foram os famosos “pacotes tecnológicos” alcunhados de “Revolução Verde”, desenvolvido e liderado pelo Agrônomo Norman Borlaug (1914-2004). Este cientista americano julgava possível erradicar a fome mundial pelo uso de sistemas de produção com sementes genéticas com potência produtiva, a exemplo do arroz, milho, sorgo cultivadas em qualquer latitude, empregando insumos modernos, tais como sementes melhoradas, irrigação, fertilização, defensivos químicos e máquinas agrícolas. No dizer de Rachel Carson, na obra Primavera Silenciosa (1967) o “famélico” se não morresse por falta de comida, morria dos venenos químicos indiscriminadamente aplicados.

Organizações governamentais de desenvolvimento mundo a fora, adotaram a receita de Borlaug, como o paradigma do aumento linear da produção e da produtividade de lavouras e criações. O Brasil não ficou indiferente, acolhendo-a nos currículos das escolas de agronomia, nas estruturas de crédito e fomento, na prática da extensão rural e nos portifólios das cooperativas de produtores rurais. Na atualidade essa é a lógica em uso na produção agrícola nacional.

No caso específico do bioma Amazônia, onde existe terra disponível e a preço baixo, mas pobre em elementos químicos, apenas 5% dos solos são avaliados como naturalmente ricos, em uma superfície de aproximadamente 5,5 milhões de quilômetros quadrados. A produção nesses solos somente seria viável no modelo produtivista, sob custos pesados de insumos químicos e sintéticos. A Amazônia, pela condição de ‘fronteira aberta’, para os apologistas da “Revolução Verde” pode ser o ‘ideário de Norman Borlaug’.

Atualmente, o estratégico bioma, localizado na maior região brasileira, empurra o aceleramento das mudanças climáticas globais. Desmatamento, terras degradadas, urbanização acelerada, uso da terra incompatível com uma agenda de mitigação das mudanças climáticas, contaminações generalizadas dos corpos d’água subterrâneos e águas de superfícies como rios, lagos e igarapés. Garimpos ilegais, são adicionados às consequências dos pacotes tecnológicos estimuladores da crise climática e humanitária dos povos originários.

É importante acentuar que a fase da Amazônia extrativista e florestal passou e nada se aprendeu com ela. Mas se observarmos a região com lentes dos postulados epistemológicos e metodológicos kantianos, aguçando a razão e os sentidos, é possível perceber que a Amazônia é terra de uso com a sombra da mata. Sombra é o uso da terra que deu certo. Nada de “pelação rasa” da mata de cobertura. Nenhum cultivo é tão emblemático nessa questão do que o cacau. Cacau à sombra da floresta é cultivo ecológico perfeito, climaticamente nascido assim, e quando voltou às origens trouxe a “marca da sombra” derivado da sua origem amazônica. O açaí é outro cultivo bem amazônico que tem a “marca”. Inventos de domesticação que levam cultivares a pleno sol não passam de apanágios do fracasso global, sistêmico, integral e integrado.

A questão central do uso da terra na Amazônia como fator favorável atenuante das mudanças climáticas, deve ter com objetivos: (1) Praticar a ocupação da terra e o solo baixo à sombra da mata. (2) Mudar os membros da equação da produção, de produção/produtividade para qualidade/quantidade, ou seja, minimização da grandeza. A teoria do “small is beautifull” de Schumacher é mais apropriada. (3) Nenhum negócio agrícola e/ou criatório deve exceder a cem (100) hectares. Não há necessidade de reserva legal florestal; todo uso se fará baixo a sombra. (4) A extensão rural, o ensino agrícola e a pesquisa, na Amazônia, devem ter as suas orientações ontológicas, propositivas ao desenvolvimento das transferências do conhecimento e geração do conhecimento direcionados integralmente à prática do uso da terra, baixo a sombra florestal já existente.

Ao final, caso a soja e a pecuária sejam adaptadas “bem baixo à floresta”, sejam” benvindas; caso contrário, aqui não será o seu lugar.

31.01.2024