NAVEGANDO EM UM SONHO

A história que se seguirá neste pequeno ensaio, nada mais é do que uma narrativa sobre um velho marujo que vivia em seu barco a velas, tão antigo quanto o próprio dono, este barco já enfrentará inúmeros desafios ao longo de mais de cinquenta anos navegando pelos mais longínquos oceanos da Terra. E assim como todo bom marujo que se preze o nosso possui uma memória com muitas histórias do oceano, e hoje ele irá nos contar uma destas que só quem muito viajou, quem muito leu do livro da vida pode oferecer ao leitor.

Há, mas antes precisamos saber um pouco mais dessa figura, deste capitão do mar. Conhecido entre os mercadores dos portos que atracou como o resmungão Teófilo. Teófilo um velho marujo de 61 anos de idade, de olhos castanho escuro, uma barba malfeita, esbranquiçada e com piolho de tanto que a coça, sempre de mal humor, resmungando com as ondas do mar, sejam elas agitadas ou a calmaria, resmungando com sua pequena tripulação, resmungando com sua mascote de estimação, uma cansada tartaruga, SEMPRE RESMUNGANDO.

Teófilo nos conta que certa vez estava navegando com sua pequena tripulação á saber um cozinheiro, um carpinteiro e um poeta. O bom poeta para escrever as façanhas, o carpinteiro para concertar as velas do velho barco que constantemente apresentam problemas, e o cozinheiro que sabia apenas cozinhar batatas com peixe, as vezes um arroz queimado ou um feijão duro. Os tripulantes são bons companheiros, cada um cuida do seu “quadrado”. Teófilo em uma tarde de ventos calmos navegando nas pacificas águas do oceano índico avistou através de sua pequena luneta uma ilha no horizonte, e observando sua bússola que nada marcava, pois sempre girava-girava, pensou que após duas semanas navegando naquele imenso azul, era hora de uma pausa/atracar o cansado barco.

E assim esbravejou para o carpinteiro e para o poeta que estavam conversando na ponta do velho barco, “puxem as velas, soltem as amarras” vamos seguir para aquela direção á qual apontava com sua mão direita. Prontamente atendendo seus bons companheiros soltaram as cordas, puxaram as velas e o barco ganhou um fôlego extra, em direção ao que Teófilo apontava, e não demorou muito, todos viram a pequena ilha se aproximando pouco a pouco. O poeta um rapaz jovem, magrelo, que sabia ler e escrever mas nada culto, nada estudado, carregando sempre embaixo dos braços um maço de papel e uma caneta de pena, com um pequenino vidro tinteiro, prontamente escreveu “um novo capítulo na história do marujo”., ao lado dele o bexiga ou mais conhecido apenas por carpinteiro que não sabe ler, mas com seus quarenta anos de idade, e muito matuto na observação, gritou para o capitão (não é perigosa senhor está ilha?). Teófilo da com os ombros e resmunga baixinho, medroso. Em seguida o velho resmungão grita alto, cozinheiro venha aqui, e com uma panela em mãos e uma colher de pau entre os dentes surge da pequena cabine, um grande homem (gordo) o mal cozinheiro, conhecido como Rosca, um homem de meia idade e sempre sorridente, gosta de uma piada e não perde o ponto para narrar um conto.Com seu sorriso tenta falar algo com a colher na boca, mas o capitão o repreende, dizendo faça algo comestível para essa noite, temos novas aventuras amanhã, e precisamos estar fortes como um tubarão.

Atracando na ilha já sobre uma pálida luz do luar, mas ainda na costa o velho Teófilo resolveu que era bom dormir no barco, e reúne todos os tripulantes, alegando que não é bom sair a noite, na verdade nosso destemido marujo, tem muito medo do escuro, e num unanime sim, todos vão para suas redes no convés do navio para dormir, a noite e parte da madrugada adentro segue-se serena, o silêncio é quebrado apenas por ondas pequeninas que batem no casco do barco. Pouco antes do sol raiar no horizonte, um barulho estrondoso emanado da ilha acorda repentinamente nosso capitão e sua tripulação. Teófilo quase cai de sua rede, o poeta urina nas calçolas, o carpinteiro bate os dentes e o cozinheiro, bom o cozinheiro apenas da um suspiro e volta a dormir.

Após o alvoroço na velha embarcação, nosso destemido marujo, vai até um baú que se encontrava recoberto por lonas surradas do tempo, da maresia, e retira do baú um arpão, um escudo quebrado e algumas moedas de prata. Prontamente convoca sua tripulação para o acompanhar, o poeta é o primeiro a aceitar, o carpinteiro tenta falar um não, gaguejando, mas o poeta toma sua frente e bate forte nas costas do nosso bexiga, dizendo é claro que ele vai. Já o cozinheiro solta uma boa justificativa, que ele iria fazer feijões para os exploradores e cuidaria do velho barco, Teófilo sem muita saída resmunga, outro fujão, mas acaba aceitando.

Assim nossa pequena tripulação pula do barco e segue caminhando pela praia, e aos poucos trilham um caminho por dentro daquela mata fechada e selvagem, a mata está abafada, ouve-se ruídos indecifráveis, gritos de macacos e também de outros animais, o nosso capitão que segue a frente avista alguns metros de seu pé uma serpente, eles desviam para o outro lado, e nesse instante o poeta tropeça em um galho de árvore, caindo ao chão percebe uma corrente enferrujada e suja pela lama que ali tem. O carpinteiro ajuda o bom poeta e logo puxam juntos a corrente que de imediato percebem se estender mata adentro, Teófilo resolve que devem seguir a pista fornecida pelo acaso.

Seguindo a corrente os três “mosqueteiros”, se deparam após alguns quilômetros com uma casa abandonada, na qual a ponta da corrente está atada, e com astúcia se aproximam vagarosamente, o velho marujo resmunga baixinho, que casa feia, o poeta exclama aventura, aventura o carpinteiro, encrenca é o que estou sentindo. O experiente marujo bate na porta, ao seu lado o poeta fica batendo os dentes, o carpinteiro expia por uma das janelas e percebe que tem alguém lá dentro, e faz sinal para os dois companheiros. O marujo não dá trela o poeta fica mudo e parado. E repentinamente a porta abre fazendo um barulho de algo muito enferrujado, lá se encontra uma velha sentada em um sofá todo rasgado e sobre os seus pés um coelho preto sem os olhos, comendo uma cenoura apodrecida.

A velha faz um aceno com a mão para o marujo entrar na casa, e o marujo brada aos seus companheiros que estão na janela, para que o sigam, e assim poeta e carpinteiro adentram a casa com o capitão. Teófilo cumprimenta a velha senhora apenas com um olá, o poeta mais gentil com as palavras solta elogios ao vestido, preto e vermelho da velha, o carpinteiro fica a observar as poucas e rústicas mobílias da casa. Quando repentinamente a dona da casa solta gargalhadas assustadoras e diz em tom baixo, hoje vocês entraram para um lugar que não irão mais sair. O carpinteiro corre para a porta o poeta logo atrás, mas a porta se fecha antes de qualquer suspiro, Teófilo resmunga, porcaria de ilha. O coelho corre para um buraco que fica ao lado do pé do sofá e ali se joga, sumindo em um cinza nublado, que emana da face do buraco, não maior que o coelho.

A velha levanta do sofá, e em um passe de mágica as luzes (velas) que tem em todos os lados da casa se acendem, e eis que cortinas descem as duas janelas que existem na casa de um único cômodo. Nossa tripulação começa a sentir medo, medo, o capitão tenta se conter, pois fica observando a velha senhora se dirigir para uma lareira no canto esquerdo da casa, e assim como as velas se ascende a lareira ganha vida. A velha vira-se para os três e faz uma única pergunta, quem irá morrer primeiro? (o carpinteiro imobilizado pelo temor, nada faz, mal respira, o poeta já perdeu até sua pena de escrever, e morde os lábios e segura um pedaço de madeira na mão como se um punhal fosse. Teófilo carrega um arpão, o derruba, pois, suas mãos tremem o medo o sufoca de momento.

A velha assopra em sua mão e uma fumaça, forte e escura toma conta do ambiente, o nosso velho marujo segura na mão do poeta que segura na do carpinteiro, e após alguns segundos a fumaça vai sumindo e a velha que ali estava até a pouco desaparece, deixando apenas um baú de ouro, para o carpinteiro, o mesmo objeto é visto pelo poeta como um livro valiosíssimo, e nosso marujo nesse mesmo objeto vê um talismã que controla as marés, os ventos, e os tubarões. Ou seja, nossa tripulação esta enfeitiçada e seus olhos observam no mesmo objeto o que seu coração mais deseja.

E como a ganância é algo quase que natural no ser humano, os três iram brigar até a morte para possuir o que tanto desejam, pois o seus corações vêm o que a vida os negou de certa maneira. E o primeiro a correr em direção ao objeto é o carpinteiro que logo já é segurado pela borda da calça, pelas mãos do poeta, e ambos caem ao chão trocando ponta pés e socos, Teófilo percebe a distração e vai correndo para o objeto que paira a sua vista, mas o carpinteiro passa a perna nele e os três estão ao chão, o arpão estava próximo, e o marujo num lance de mão o pega, e bate com o mesmo na cabeça do poeta que desmaia, o carpinteiro o segura na ponta, quando sem perceber tropeça no coelho que até instantes ali não estava, caindo ao chão novamente e com um único golpe Teófilo bate na sua cabeça, levando o pobre homem a esmorecer.

Com ambos caídos e desacordados, o velho marujo, sobre o véu da ganancia corre atrás do que sempre sonhou/almejou, entretanto quando pensa ter segurado nas mãos o talismã, percebe que era um vulto, sumindo entre suas mãos como fumaça. Teófilo “desperta do feitiço” e olha para trás e vê o corpo de seus amigos sendo engolidos pelo buraco que o coelho havia se escondido, ele corre para segura e tenta com todas as suas forças impedir que sejam tragados, mas a força que emana do buraco é muito mais forte e puxa violentamente seus companheiros, e ao entrar o último resquício do carpinteiro o buraco fecha-se, ficando apenas uma marca na madeira do velho piso.

O marujo começa a chorar, soluçar e esbravejar, as velas vão, se apagando a luz dentro da casa vai se esvaindo, esvaindo. E quando o último raio de luz vindo de uma vela no alto do forro faz sua última queima a velha reaparece, e vai até a porta abrindo a mesma, e com um grito em direção ao capitão do mar, “ou você sai ou morre”, sem pensar Teófilo levanta e corre para fora, a luz do sol quase o cega, o cheiro da mata, o som dos pássaros o vento no rosto, tudo parece ser um afresco a vida, ao se recompor ele se volta para a velha casa, que começa a desmanchar como um grande castelo de areia, Teófilo não acredita no que vê, mas sente seu coração apertado e dolorido, no fundo sabe o que acabou de viver.

E em um golpe de desespero corre para a praia, correndo muito chega ao barco, ensopado pelo suor, vê seu cozinheiro, e fala rápido sem respirar, morreram, morreram, morreram, nossos amigos. O cozinheiro que sempre estampa um grande sorriso, não consegue entender nada e muito menos acalmar Teófilo. O velho marujo tenta se recompor ao abraçar o cozinheiro que ainda nada entendeu, e pouco a pouco Teófilo se acalma e conta cada detalhe vivido no meio da ilha para seu chefe de cozinha, e quando as coisas estão mais claras, ambos resolvem abandonar a ilha antes que um deles seja o novo almoço da velha senhora que ali habita.

Sem muitos rodeios erguem a ancora, soltam as velas, as amarras e o vento puxa o velho barco para mar a dentro, o sol já vem se pondo e com ele a agitação do mar, pois uma tempestade vem ganhando força. A agitação é tanta que as velas do barco começam a rasgar, o mastro central quebra com a força da tormenta, marujo e cozinheiro se escondem de baixo de uma mesa que na cozinha há, um agarrado ao outro, o velho marujo a muito não enfrentava uma tempestade já havia esquecido a fúria do alto mar, assim nada faz a não ser ficar agarrado ao cozinheiro e aos pés da mesa.

Após minutos de muita agitação e ventos tempestuosos, o mar acalma, a chuva da trégua, Teófilo e o cozinheiro saem para fora, o céu está com poucas nuvens, pálidas estrelas brilham sobre o olhar, o barco está a frangalhos, e claro com bastante água abordo, marujo e cozinheiro pegam pequenos baldes e iniciam o árduo trabalho de retirar a água do convés, balde após balde retiram boa parte da água, o velho marujo está muito cansado e abatido, sem muitas palavras a falar, assim molhado se senta perto do cozinheiro, que também é tomado por uma angustia. A madrugada é tranquila com o barco a deriva, e o cansaço toma conta da dupla que agora apenas tenta sobreviver.

Quando os primeiros raios de sol brilham, o cozinheiro acorda primeiro, e percebe que estão se aproximando da costa, rapidamente chacoalha o velho que assustado acorda, o cozinheiro mostra Terra a vista, em lagrimas nosso Teófilo suspira aliviado, pouco a pouco o barco todo quebrado se aproxima de um porto, ali ambos são socorridos pelos comerciantes que se compadecem do infortúnio dos dois homens, dando lhes água e comida, passando óleo nas feridas e nos pequenos machucados que tiveram ao longo daquela noite terrível em alto mar. O cozinheiro horas mais tarde, com mais energia e saúde, diz ao velho capitão “fostes uma honra e de grande alegria cozinhar para o meu senhor, mas agora quero ficar longe do mar e ter menos riscos em minhas aventuras, Adeus meu amigo”.

Teófilo compreende as palavras de seu cozinheiro, e com um singelo abraço se despe do mesmo. Agora o marujo se encontra sem amigos e sem barco, pois soube pelos comerciantes do porto que o ajudaram que seu barco afundou no porto, havia uma rachadura no casco e ele não resistiu, afundou lentamente. Resmungando que o destino havia o punido pelos anos de resmungos, e pela desgraça da vida em encontrar aquela ilha em alto mar, se sente desolado e falido fisicamente, resolve sair mendigar àquela região que atracou. E após alguns dias ele encontra uma velha próximo a uma estalagem, a qual pede água e pão, a velha com um vestido preto de bordas vermelhas e segurando no seu colo um coelho preto, sem os olhos, diz “Teófilo não lembra de min?”, o marujo tomado pelo espanto se recorda da velha, a velha da casa que enfeitiçou seus amigos e causou todo aquele seu infortúnio.

Teófilo movido pela raiva, tenta agarrar a velha, mas é parado pelo encanto de um canto que a astuta senhora canta e seus ouvidos se alegram, o hipnotizando. A velha sussurra baixinho no ouvido de Teófilo “acorde, acorde, tudo que viveu foi uma experiencia dolorosa, mas essencial para que você nunca mais resmungue na sua pequena vida, que olhe para frente, agradeça o dia que vive, mostre mais compaixão com os outros a sua volta, esqueça a magoa da vingança e o ardi-o da ganância, que seja bom enquanto puder ser bom. Agora volte...” Teófilo acorda com as batidas do carpinteiro concertando uma das velas, e logo se da conta do poeta que fica a cantarolar estrofes de suas poesias, e percebe o cheiro de batata e peixe que seu cozinheiro está a fazer.

Eles estão no oceano indico, navegando tranquilamente, o velho marujo que percebe ser um sonho sua experiência, de início pensa em não acreditar, mas aí surge navegando lentamente ao lado do barco um coelho preto e sem os olhos, em um pequeno bote de madeira e ao lado dele um vestido preto com traços vermelhos, com a seguinte palavra em um papel pregado no vestido, ACORDE. O nosso marujo contou a sua tripulação tudo o viveu em seu sonho, e agora eles estão por aí nos oceanos navegando mais acordados do que nunca. E a velha senhora vos pergunta, você também está acordado para os bons momentos da vida? ou apenas resmungando para que tudo fique como está? Não deixe seu barco afundar, a vida é feita de momentos e nesse momento você é marujo dela. Lembre-se antes que seu barco afunde por algum motivo, a vida vos dará sinais, quem sabe um coelho preto sem olhos, ou um sonho. Abraços.... Teófilo.

asterix
Enviado por asterix em 20/08/2023
Código do texto: T7866418
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