O Homem Contemporâneo

                                             Um homem sempre chamado a refletir...


               Falar do homem contemporâneo é tentar falar de nós mesmos, por isso a dificuldade, pois somos ao mesmo tempo "objeto" que escreve e se descreve tentando compreender o além de si, imerso nos próprios conceitos. Neste caso não há a ausência do olhar distinto e distante para a análise, a conceituação. 

               O homem contemporâneo já superou o discurso positivista da verdade e agora passa a enxergar o mundo sob uma perspectiva fragmentada, cheia de meandros. É  aquele que vive dentro de múltiplas identidades deslizantes. Um homem plural, acima de tudo, discursivo, sempre sendo chamado a refletir sobre os mais variados temas, nunca com resposta clara e objetiva, numa realidade cada vez mais complexa e com maior número de variáveis. Um homem que convive com a necessidade, cada vez mais urgente, de organizar muitas informações e realizar tarefas com maior rapidez e eficiência, num curto espaço de tempo.

               Este homem convive com situações que repõem certas questões que fundam e fundamentam o percurso de uma época. Há um processo crescente de desertificação, tanto no sentido físico quanto anímico. O deserto contemporâneo é analisado como o resultado de uma dinâmica na qual o homem entende sua humanidade na razão direta de sua capacidade de dominar a natureza e os outros homens, mas é incapaz de reconhecer a sua própria (i) limitação.

               Um homem que cria, recria, modifica, explora, coloniza, domina, mas é cada vez mais escravo de sua criação, preso que está na vontade crescente de dominar o mundo. Este homem que modifica a natureza segundo seu desejo de domínio, que vai à lua, marte, cria tecnologias cada vez mais avançadas e um meio ambiente cada vez mais artificial, é também produto daquilo que cria, um objeto de seu próprio progresso que convive com o vazio interior, com a angústia de não ter "tempo" para usufruir dos bens que cria. É um ser perdido em seus (des) encontros, um homem solitário, que usa cada vez mais a tecnologia para relacionar-se em tempo real com pessoas que estão a milhares de quilômetros e desconhece as pessoas que estão ao seu lado, um homem capaz de falar horas sobre o que acontece em outros continentes, mas não sabe o que se passa ao seu redor, em seu interior.

               As inovações tecnológicas e os novos recursos de comunicação cumprem um papel capital nas atuais exigências de integração universal deste homem, não apenas como infra-estrutura material, mas como principal promotora e divulgadora de seu poder criador, de seu modelo de vida, mas estes mesmos produtos, fabricados globalmente, não servem apenas para serem consumidos por seu "valor de uso" ou funcionalidade, mas traduzem, principalmente, um novo "estilo de vida", no qual os indivíduos passam a se reconhecer, a se "diferenciar", enfim, a constituir suas identidades e ideais a partir das imagens do consumo.

               Na qualidade de instância simbólica, estes produtos traduzem o desejo do consumidor atomizado, conferindo-lhe um papel social, uma referência de identidade, veiculando códigos de consumo que não são neutros: são códigos morais e éticos próprios de uma "Cultura do Narcisismo", os quais, fundamentalmente, perpetuam o sistema que a instituiu.

               As transformações históricas, sociais, econômicas e tecnológicas presenciadas, principalmente, nestas últimas duas décadas, parecem ter produzido alterações significativas nas formas de constituição da subjetividade humana, principalmente no que se refereà confiança dos homens em projetos coletivos. 

               O colapso na fé dos grandes sistemas filosóficos explicativos como promotores de uma melhor compreensão do mundo moderno, e até da própria ciência como verdade inabalável e geradora de "progresso", somado ao desmascaramento da "mentira pública" dos nossos sistemas políticos cada vez mais desacreditados, o desencanto em relação às burocracias governamentais e empresariais, o desmantelamento do "estado do bem-estar social", a marginalização social de numerosos segmentos da população mundial, a coexistência de altos índices de desemprego e inflação, o aumento da mendicância nos grandes centros urbanos etc, gerou uma frustração social generalizada frente à inacessibilidade dos ideais propostos pela cultura, abalando assim profundamente a crença do homem contemporâneo na realização efetiva de seus ideais.

               É inevitável constatar em nossos dias o recrudescimento das mais variadas formas de irracionalismos: os nacionalismos, os racismos, as guerras religiosas, políticas e econômicas, a proliferação de seitas fundamentalistas, o retorno do holismo, das práticas de ocultismo, ao lado do hiperindividualismo, do consumismo, da globalização e de uma exacerbada competitividade que impera, principalmente, nos grandes centros urbanos. Elementos estes extremamente preocupantes e, por vezes antagônicos entre si, porque acenam, em última instância, se não para uma possibilidade de regressão à barbárie, talvez a um estado de fragmentação e pânico, onde predominam o descompromisso social e a arbitrariedade sobre os mais frágeis e impotentes.



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Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 10/12/2007
Reeditado em 15/10/2011
Código do texto: T772856
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