Sem adjetivos, apenas verbo

Lembro-me quando criança de ficar horas e horas olhando para o céu...

O que existiu antes da minha existência? O que é o nada? Deus existe? E se existe como consegue suportar tanto mal sem fazer algo para impedir o seu avanço? E se Deus não existe, como tudo isso se formou? Qual o sentido da vida com Deus? E consequentemente, qual o sentido da vida sem Deus? Existe vida depois da morte?

Bom, até hoje tais perguntas ecoam na minha mente, porém, aprendi muito bem a conviver com elas. Desde criança tenho sentimentos contraditórios referentes a Deus, fé e esperança. Sim, a inconstância é o meu vício. Porém, em meio a tantas inconstâncias, uma coisa eu aprendi: crer ou não crer em Deus não diz nada sobre quem ele é, mas sobre quem nós somos.

Desde criança sempre fiquei intrigado com a resposta de Deus a Moisés, quando este pede uma referência para corroborar a sua missão e pergunta qual o nome do Deus que o enviou. Moisés precisava de um nome para dizer ao povo que realmente ele, Moisés, fora enviado por Deus, e Deus simplesmente responde: diga a eles que o EU SOU te enviou. Não vou entrar em questões etimológicas, traduções, nem em teologia, primeiro, por falta de capacidade para tal, segundo, porque relato o sentimento de um menino. Quero relatar apenas o porquê dessa frase tanto me intrigar.

Como disse acima, a inconstância é o meu vício, logo, alguém simplesmente dizer “EU SOU” para acalmar o coração de um homem que não sabe o que é, sem dúvida, é de uma extrema grandiosidade, ainda mais para uma criança que não sabia nada da vida, e continua sem saber. Entender a profundidade dessa resposta de Deus a Moisés é entender o quanto Deus não precisa da crença para ser.

Quem nunca, por pouca coisa, negou a sua essência? Perdi a conta de quantas vezes fiz algo que não queria simplesmente para agradar alguém, a necessidade de reconhecimento de outrem parecia ser a minha essência. Dizer EU SOU é tão profundo, que nunca ousei dizer tal frase com tamanha convicção. A bíblia diz no livro de João 1:1 que “no princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o verbo era Deus”, ou seja, ser verbo é não precisar de adjetivos.

Outra coisa que sempre me intrigou nessa resposta de Deus a Moisés é que por meio dela Deus se revela maior que tudo e todos, e que a prepotência humana é que precisa de tudo e de todos para validar a sua pequenez, não somos nada sem os adjetivos. O soberbo precisa acreditar que é forte, inteligente, bonito, esperto, atraente, rico etc., precisa de um adjetivo para validar a sua vaidade, mais uma sabedoria bíblica “Vaidade de vaidades, diz o pregador, tudo é vaidade. Ec 1:2”.

Deus simplesmente é. E somente quem é de verdade, pode ser verbo. EU SOU O QUE SOU.

O homem escolheu o caminho do bem e do mal, escolheu buscar um adjetivo, caiu na tentação de querer SER IGUAL A DEUS. Mas Deus é verbo, o homem busca adjetivos. Mas Deus, em sua grande misericórdia não desistiu do ser humano. E veio ao encontro dele...

Ao longo da história grandes homens e mulheres morreram para que a mensagem de Deus chegasse até nós. Deus trabalhou e continua trabalhando em meio às imperfeições humanas. Mas ainda assim, insistimos na vaidade dos adjetivos.

Quem sou eu? Quem é você? Será que a nossa “moral” é maior do que a moral de Deus? Será que a nossa justiça é maior que a Justiça de Deus? Aliás, sabemos ao menos definir o que é “justiça”? Sabemos definir o que é o mau? Ou mesmo o que é o bom? Será que sabemos amar? Mal compreendemos o amor de nossos pais, como poderíamos entender o amor de Deus por nós? Conseguimos definir a palavra “nada”? Como ousamos dizer sobre o “tudo”, o EU SOU? Achamos mesmo que Deus precisa da nossa validação “intelectual”?

A única coisa certa nessa vida é que um dia iremos partir dela para a morte, e será o fim da nossa história terrena. Mas o “EU SOU” permanecerá para sempre, ele não precisa do tempo, Ele é o Senhor do tempo.

Quando criança minha inconstância me perturbava. Hoje sei que ela é fruto da minha vaidade de querer ser por meio de adjetivos.

Aos prepotentes, também aos humildes, deixo uma das provocações mais belas que encontrei na Bíblia: Jó, 38 e 39.

“Depois disso o Senhor respondeu a Jó dum redemoinho, dizendo: Quem é este que escurece o conselho com palavras sem conhecimento? Agora cinge os teus lombos, como homem; porque te perguntarei, e tu me responderás. Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? Faze-mo saber, se tens entendimento. Quem lhe fixou as medidas, se é que o sabes? ou quem a mediu com o cordel? Sobre que foram firmadas as suas bases, ou quem lhe assentou a pedra de esquina, quando juntas cantavam as estrelas da manhã, e todos os filhos de Deus bradavam de júbilo? Ou quem encerrou com portas o mar, quando este rompeu e saiu da madre; quando eu lhe pus nuvens por vestidura, e escuridão por faixas, e lhe tracei limites, pondo-lhe portas e ferrolhos, e lhe disse: Até aqui virás, porém não mais adiante; e aqui se quebrarão as tuas ondas orgulhosas? Desde que começaram os teus dias, deste tu ordem à madrugada, ou mostraste à alva o seu lugar, para que agarrasse nas extremidades da terra, e os ímpios fossem sacudidos dela? A terra se transforma como o barro sob o selo; e todas as coisas se assinalam como as cores dum vestido. E dos ímpios é retirada a sua luz, e o braço altivo se quebranta. Acaso tu entraste até os mananciais do mar, ou passeaste pelos recessos do abismo? Ou foram-te descobertas as portas da morte, ou viste as portas da sombra da morte? Compreendeste a largura da terra? Faze-mo saber, se sabes tudo isso. Onde está o caminho para a morada da luz? E, quanto às trevas, onde está o seu lugar, para que às tragas aos seus limites, e para que saibas as veredas para a sua casa? De certo tu o sabes, porque já então eras nascido, e porque é grande o número dos teus dias! Acaso entraste nos tesouros da neve, e viste os tesouros da saraiva, que eu tenho reservado para o tempo da angústia, para o dia da peleja e da guerra? Onde está o caminho para o lugar em que se reparte a luz, e se espalha o vento oriental sobre a terra? Quem abriu canais para o aguaceiro, e um caminho para o relâmpago do trovão; para fazer cair chuva numa terra, onde não há ninguém, e no deserto, em que não há gente; para fartar a terra deserta e assolada, e para fazer crescer a tenra relva? A chuva porventura tem pai? Ou quem gerou as gotas do orvalho? Do ventre de quem saiu o gelo? E quem gerou a geada do céu? Como pedra as águas se endurecem, e a superfície do abismo se congela. Podes atar as cadeias das Plêiades, ou soltar os atilhos do Oriom? Ou fazer sair as constelações a seu tempo, e guiar a ursa com seus filhos? Sabes tu as ordenanças dos céus, ou podes estabelecer o seu domínio sobre a terra? Ou podes levantar a tua voz até as nuvens, para que a abundância das águas te cubra? Ou ordenarás aos raios de modo que saiam? Eles te dirão: Eis-nos aqui? Quem pôs sabedoria nas densas nuvens, ou quem deu entendimento ao meteoro? Quem numerará as nuvens pela sabedoria? Ou os odres do céu, quem os esvaziará, quando se funde o pó em massa, e se pegam os torrões uns aos outros? Podes caçar presa para a leoa, ou satisfazer a fome dos filhos dos leões, quando se agacham nos covis, e estão à espreita nas covas? Quem prepara ao corvo o seu alimento, quando os seus pintainhos clamam a Deus e andam vagueando, por não terem o que comer?

Sabes tu o tempo do parto das cabras montesas, ou podes observar quando é que parem as corças? Podes contar os meses que cumprem, ou sabes o tempo do seu parto? Encurvam-se, dão à luz as suas crias, lançam de si a sua prole. Seus filhos enrijam, crescem no campo livre; saem, e não tornam para elas: Quem despediu livre o jumento montês, e quem soltou as prisões ao asno veloz, ao qual dei o ermo por casa, e a terra salgada por morada? Ele despreza o tumulto da cidade; não obedece os gritos do condutor. O circuito das montanhas é o seu pasto, e anda buscando tudo o que está verde. Quererá o boi selvagem servir-te? Ou ficará junto à tua manjedoura? Podes amarrar o boi selvagem ao arado com uma corda, ou esterroará ele após ti os vales? Ou confiarás nele, por ser grande a sua força, ou deixarás a seu cargo o teu trabalho? Fiarás dele que te torne o que semeaste e o recolha à tua eira? Movem-se alegremente as asas da avestruz; mas é benigno o adorno da sua plumagem? Pois ela deixa os seus ovos na terra, e os aquenta no pó, e se esquece de que algum pé os pode pisar, ou de que a fera os pode calcar. Endurece-se para com seus filhos, como se não fossem seus; embora se perca o seu trabalho, ela está sem temor; porque Deus a privou de sabedoria, e não lhe repartiu entendimento. Quando ela se levanta para correr, zomba do cavalo, e do cavaleiro. Acaso deste força ao cavalo, ou revestiste de força o seu pescoço? Fizeste-o pular como o gafanhoto? Terrível é o fogoso respirar das suas ventas. Escarva no vale, e folga na sua força, e sai ao encontro dos armados. Ri-se do temor, e não se espanta; e não torna atrás por causa da espada. Sobre ele rangem a aljava, a lança cintilante e o dardo. Tremendo e enfurecido devora a terra, e não se contém ao som da trombeta. Toda vez que soa a trombeta, diz: Eia! E de longe cheira a guerra, e o trovão dos capitães e os gritos. É pelo teu entendimento que se eleva o gavião, e estende as suas asas para o sul? Ou se remonta a águia ao teu mandado, e põe no alto o seu ninho? Mora nas penhas e ali tem a sua pousada, no cume das penhas, no lugar seguro. Dali descobre a presa; seus olhos a avistam de longe. Seus filhos chupam o sangue; e onde há mortos, ela aí está.”

Parabéns a você que chegou até aqui. Sinta-se, como eu, envergonhado de tamanha soberba em querer “julgar” os desígnios de Deus. Não importa o que passamos nesse mundo, o que importa é saber que Deus é, e sempre será. Diante da vida faça como fizeram os grandes homens e mulheres que passaram por esta terra, encare a vida com fé, coragem e dignidade.

Termino com Viktor Frankl, judeu, que passou mais de três anos nos campos de concentração, e quando saiu, deu ao mundo um dos livros mais belos e fantásticos que já li (“Em Busca de Sentido”). Diante dos campos de concentração Viktor Frankl não questionou Deus, questionou o Homem. Pois sabia que Deus nunca está em questão, Deus é. O Homem pensa ser.

Diante do inferno, Viktor Frankl escolheu encarar com dignidade o mal que os homens lhe impuseram, e isso é o que eu acredito ser “milagre”.

Hoje, ainda olho para o céu, porém, não tenho mais o tempo que tinha quando criança, meu olhar, agora, é rápido, mas a sensação é eterna.

Deus é. Crendo ou não, Ele é.

Quais adjetivos te prendem nas vaidades da vida?

Luciano Cavalcante
Enviado por Luciano Cavalcante em 27/12/2022
Reeditado em 27/12/2022
Código do texto: T7680880
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