Reflexões sobre a Constituição de 1988

Segunda-feira, 05 de Outubro de 2020, comemora-se os 32 anos da Promulgação da Constituição Federal do Brasil, a famosa carta magna, legitimando o período da redemocratização.

De críticas a rasgações de seda ocorridos nesse dia, prefiro fazer uma breve reflexão sem maiores vieses políticos e ideológicos, pretendendo levantar muito mais perguntas do que respostas, do contrário não seria eu.

O que devemos comemorar hoje? - essa é minha primeira questão.

Seria o sufrágio universal? O Sistema Único de Saúde (SUS)? A universalização da educação básica mesmo ainda não sendo universalizada? O direito ao transporte público, as garantias e liberdades fundamentais como dizem os otimistas e os militantes tanto de direita como de esquerda costumam papagaiar?

Tudo isso foi muito bom e importante, mas a que preço?

Cabe lembrar, que muito dos nossos constituintes, "iluministas" brasileiros ou eram exilados do regime militar ou pessoas pertencentes aos partidos da Arena e do MDB, partidos desse mesmo regime.

Para quem estudou história contemporânea ao menos uma vez na vida, sabe que o processo de abertura nada mais foi que um acerto entre os os militares com o regime fragilizado pela crise econômica, hiperinflação, endividamento externo causado pelo modelo desenvolvimentista e os "democratas" surfando na onda de insatisfação geral da população, onde temos o movimento das Diretas Já, como maior exemplo.

Quem não se lembra da frase atribuída ao General Golbery dizendo que a abertura deveria ser lenta gradual e segura?

Então, que vitória da democracia foi essa?

Toda falsa democracia começa com uma falsa história que precisa ter seus falsos heróis, resultando num regime onde temos todos os direitos, os mais lindos e belos na teoria, porém, mostra-se inútil na prática, quando não utópicos.

Se a guerra fria estivesse em continuação, o regime militar não estando em crise, será que a abertura aconteceria?

Tenho lá minhas dúvidas, já que se nem a luta armada conseguiu sequer arranhar o regime que dirá nossos heróis fabricados conseguir tal façanha.

Nossa Constituição oferece tantas liberdades "democráticas", mas tantas liberdades que somos obrigados a votar, sob pena de mula, fora que em todo e qualquer processo seletivo de emprego, concurso público ou quando você for tirar outros documentos, é obrigatório apresentar o título de eleitor, para verificar se você está voltando. Algo bem liberal, vocês não acham?

Ou seja, se eu, como indivíduo, não gostar de política, nem me interessar pelo assunto, mesmo assim sou obrigado a votar.

Onde fica a liberdade individual? Onde vai parar minha liberdade de escolha pessoal? Achou ruim? Calma que vem mais!

Vamos supor que eu seja uma pessoa que não me identifico com nenhum partido político, tampouco, sinto-me representado por alguns deles, mas mesmo assim, desejo participar da vida política, através da auto-representação.Sabe o que acontece? Simplesmente não posso, porque nossa querida lei prevista na constituição afirma que para se candidatar a algum cargo político, devo estar filiado num partido político. Que democracia maravilhosa essa nossa! Contempla todas as pessoas e não exclui ninguém!

Logo, as consequências não poderiam ser outras, pois se você universaliza o voto, ainda que a força, aumenta a demanda, tendo por sua vez que aumentar a oferta, resultando em campanhas eleitorais bilionárias, financiados por dinheiro público e privado para interesses privados.

E o que dizer do pluripartidarismo, pois, no Brasil temos 35 partidos oficialmente legitimados, fora outros 35 partidos na lista de espera, aguardando licença para funcionar.

Realmente é necessário temos tantos partidos assim? Precisamos mesmo de toda essa quantia? Vocês acham mesmo que existem 70 ideologias diferentes? Há mesmos 70 projetos de nação diferentes?

Dá para governar com tantos partidos?

Por que ficamos tão chocados e revoltados com os escândalos de corrupção se o próprio sistema através da lei, inclusive constitucional acaba por legitimar ela, ainda que de forma indireta?

Sem contar as brechas deixadas, facilitando a impunidade.

Diante de tudo isso, como evitar o famoso toma lá, dá cá?

Pior que isso, é você dar ao povo o direito de votar, mas não dar a ele o direito de compreender o porque dele está votando.

A grande maioria vive numa "democracia", sem saber o que é de fato uma democracia. Fazem parte de um sistema representativo, mas não conhece seu funcionamento; vota para deputado, senador, governador, presidente, prefeito, vereador, porém, não faz a mínima ideia de suas respectivas atribuições, os direitos e limites que os cargos possuem.

Assim, tornam-se presas fáceis para políticos populistas e demagogos, como Sócrates tinha nos alertados, mas os nossos iluministas das trevas brasileiros, pelo visto não leram.

Faltaria tempo suficiente para poder discorrer sobre os artigos VI & VII que parecerem serem feitos para facilitar práticas clientelistas, corporativistas e políticas assistencialistas, visando deixar as coisas exatamente como elas se encontram.

Como não existe nada tão ruim que não posso piorar, temos os três poderes onde cada um pode determinar para si próprios o quanto deve ganhar, quais benefícios terão e como serão investigados e julgados, no caso de cometerem alguma infração.

Se todo país recebe seu presente de grego, a Constituição Federal foi o nosso, sendo que nem irei entrar a fundo na discussão de como as leis são feitas para facilitação da especulação financeira nacional e internacional, privatização sem maiores entraves, remessas de lucro para paraísos fiscais e por aí vai.

Será que nós cidadãos comuns, devemos ser gratos por receber mais de 5000 municípios, 90 deputados estaduais ( aqui em São Paulo), 70 deputados federais de 513 no total, 81 senadores, fora ministérios, secretárias, gabinetes, indicações de cargos (comissionados ou não) tornando o Estado inchado, corrupto e ineficiente?

Deveríamos dar os parabéns a um sistema onde a tributação ao invés de ser sobre a renda, incide sobre o consumo, onde os mais pobres acabam pagando mais, enquanto os mais ricos pagam menos?

Depois ficamos nos perguntando porque o país nunca cresce economicamente e vive no eterno papel de exportador de matérias-primas.

Como mudança, não vejo outra solução a não ser uma nova constituinte em que se proponha um Estado mais enxuto e eficiente (não tem nada a ver com a ideia de estado mínimo) tendo suas atribuições e limitações muito bem delimitadas.

Uma nova Constituição, onde o indivíduo, como cidadão, tenha o protagonismo sobre o coletivismo. Do contrário, a tão sonhada democracia liberal será uma farsa, como é a nossa atual.

Enquanto isso, vamos convivendo com essa daí, torcendo para que a atual comemore poucos aniversários.

(2020)